Por Kiyoshi Harada, jurista, professor e presidente do IBEDAFT

 O País necessita com urgência fazer a reforma tributária para possibilitar a recuperação gradual da economia no pós pandemia.

Mas, não se trata de uma reforma radical como as duas propostas em discussão no Congresso Nacional, a Pec nº 45/19 de autoria do Deputado Baleia Rossi, e a PEC nº 110/19 em tramitação no Senado Federal, de autoria do ex Deputado Luiz Carlos Hauly.

Ambas as propostas, apesar de limitadas as reformas ao âmbito de tributos sobre o consumo, praticamente, mutilam todo o sistema tributário vigente, colocando por terra mais de três décadas de experiências e construções doutrinárias e jurisprudenciais em torno dos tributos vigentes, para jogar nas costas dos contribuintes dezenas de conceitos novos a serem digeridos e dirimidos ao longo das décadas, além de ferir a forma federativa do Estado, que é protegida em nível de cláusula pétrea.

Agora não é o momento para tomar a atenção dos combalidos contribuintes em busca de entendimentos acerca do nebuloso conceito de IBS, Imposto sobre Bens e Serviços que incide pela alíquota uniforme de 25% sobre todos os bens e serviços, proibido qualquer tipo de incentivo fiscal, como se o Brasil fosse um País sem desníveis regionais do ponto de vista econômico e social. Igualar todos os setores produtivos (agricultura, indústria, comércio e serviços), assim como as pessoas jurídicas e físicas, dentre estes últimos, os profissionais liberais que sempre contaram com um sistema de tributação diferenciado não atende ao princípio da razoabilidade. Não faz sentido algum um profissional liberal ter que pagar o ISS e, ao mesmo tempo, o IPI, o ICMS, o PIS e a COFINS reunidos em torno do IBS.

Se o STF levou 23 anos para definir o sentido da expressão “operação relativa à circulação de mercadoria” é razoável supor que a Corte Maior levará 30 anos para definir o sentido do Imposto incidente sobre “Operação com Bens e Serviços.” O texto das propostas de reforma sequer faz referência à palavra “circulação”, a exemplo do que está no atual ICMS, que serve para deitar uma luz, sinalizando uma operação mercantil. Operação de Bens e Serviços pode ser um simples deslocamento físico de Bens de um lugar para outro, sem que represente uma circulação jurídica. Aliás, bens são gênero de que são espécies as mercadorias, objetos de atos de mercancia.

Não adianta a lei complementar instituir 50 hipóteses de incidência do IBS e outras 50 hipóteses de não incidência. Conceito constitucional não pode ser interpretado de baixo para cima. Definir o conceito constitucional de operação com bens e serviços é tarefa da doutrina e da jurisprudência ao longo de décadas.

Existe uma alternativa de reforma tributária para simplificar o sistema tributário, sem complicar tanto como as duas propostas em discussão. A final é um contrassenso muito grande complicar tudo em nome da simplicidade!

Fundamentalmente a reforma deverá ficar no nível da legislação ordinária.

Os tributos com o mesmo fato gerador devem ser fundidos. A CSLL pode ser incorporada ao Imposto de Renda. O PIS pode ser incorporado a COFINS.

A destinação do produto da arrecadação tributária pertence ao ramo do direito financeiro, não sendo necessário instituir um tributo para cada finalidade. O direcionamento de recursos arrecadados cabe à Lei Orçamentária Anual. Aliás, o art. 167, IV da CF veda a vinculação do produto da arrecadação de impostos a órgão, fundos ou despesas. Esse dispositivo vem sendo inchado periodicamente, incorporando novas exceções que não param de surgir.

Uma vez unificado o PIS/COFINS deve-se optar pelo regime cumulativo com alíquota menor, ou regime não cumulativo com alíquota maior. Nesta última hipótese não faria nenhum sentido algum manter o complicadíssimo e nebuloso regime de manutenção de crédito físico (confronto de base sobre base) que vem tomando o tempo precioso dos contribuintes e do Poder Judiciário, com discussões intermináveis em torno dos insumos dedutíveis. Não há razão para desprezar o regime de crédito de natureza financeira que vigora em relação ao ICMS e que os contribuintes já estão habilitados e acostumados a operar sem maiores dificuldades. Se o objetivo não for o de complicar, gerar confusão e emperrar o sistema tributário não se sabe a razão dessa dualidade de regime de tributação não cumulativa. Ninguém sabe nem se descobre!

O regime mais simples é o de tributação cumulativa, combatida por meio de argumentos falaciosos, como aquele relativo à incidência em cascata que se espalharam por esse mundo a fora com a velocidade de um raio. Boas coisas demoram para serem percebidos e imitados, quando o são, mas, coisas ruins são de imediata percepção e todos manifestam tendência de aceitá-las como sendo a melhor opção. É a dura realidade! Por isso, costumo refletir bastante quando todos estão a aplaudir, como no caso da tributação não cumulativa que acaba com a incidência em cascata.

Ora, com cascata ou sem cascata o melhor imposto é aquele que é menos oneroso e mais fácil de calcular e recolher, porque propicia economia da obrigação principal e, notadamente, das obrigações acessórias.

De nada adianta eliminar a cascata e dobrar o peso da tributação como aconteceu com o confuso PIS/COFINS não cumulativo, que representam uma tributação por meio de cachoeiras e barragens, de difícil operacionalização, que encarece sobremaneira o custo da tributação.

No plano constitucional basta simples ajustes pontuais.

Proibir o uso da medida provisória em matéria tributária, a fim de conferir estabilidade à legislação tributária.

Colocar a definição de fato gerador da contribuição social sob reserva de lei complementar, com o objetivo de dificultar a burla ao princípio discriminador de impostos.

Instituir a proibição de o valor de um tributo integrar a sua própria base de cálculo, bem como a base de cálculo de outros tributos. Como se sabe, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS gerou um precedente que vem se alastrando em relação a outros tributos e tudo indica que esse rol de exclusões não terá fim nas próximas décadas.

Limitar expedição de normas complementares (decretos, portarias, instruções normativas etc.) que criam um verdadeiro caos legislativo e infernizam a vida dos contribuintes.

Finalmente, cabe instituir sanções de natureza financeira aos Estados e Municípios que deixarem de instituir a compensação de precatórios com tributos devidos por precatoristas ou terceiros, que está prevista no art. 105 do ADCT, mas, que até agora não saiu do papel por falta de vontade política. Com a compensação, o poder público pouparia tempo com a cobrança de tributos, diminuindo a carga de serviços afetos ao Poder Judiciário, e os contribuintes, por sua vez, quitariam seus tributos com os créditos que não conseguem receber por conta de sucessivas moratórias de precatórios, aliviando a pressão tributária.

Com a implementação de medidas constitucionais e infraconstitucionais aqui propostas devolver-se-ia o oxigênio faltante no meio empresarial e reduziria as demandas judiciais em mais de 80 por cento dos litígios atuais, propiciando oportunidade de julgar casos urgentes e importantes para a sociedade em geral.

SP, 15-5-2020