Como se sabe a Emenda Constitucional nº 113/2022, que antecedeu a de nº 114/2022 que instituiu a moratória dos precatórios da União, estatuiu a faculdade de o credor por precatório próprio ou daquele adquirido de terceiros compensar os créditos decorrentes desses precatórios com débitos junto a União, independentemente de autorização legislativa.

No que se refere a precatórios expedidos contra Estados e Municípios a compensação depende de regulamentação por lei do ente político competente.

O Decreto nº 11.249, de 9 de novembro de 2022, disciplinou a compensação de precatórios no âmbito da União.

Segundo o disposto no art. 2º desse Decreto os precatórios próprios ou adquiridos de terceiros poderão ser oferecidos para:

a) quitação de débitos parcelados ou inscritos em divida ativa da União, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos existentes com relação a autarquias e fundações públicas federais.

b) compra de imóveis públicos de propriedade da União disponibilizados para venda;

c) pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidos pela União;

d) aquisição, inclusive minoritária, de participação societária da União disponibilizado para venda; e

e) compra de direitos da União disponibilizados para cessão, inclusive, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.

A utilização de créditos decorrentes de precatórios dar-se-á por meio de encontro de contas (art. 3º)

Para tanto a administração pública federal direta, autárquica e fundacional garantirá a fidedignidade das informações demonstradas nos relatórios contábeis e fiscais apresentados pela União no encontro de contas (§ 1º, do art. 3º).

Na oferta de precatórios para fins dos dispostos nas letras “a” a “e” retroapontadas não poderá ser estabelecida qualquer espécie de preferência ao licitante que ofertar dinheiro em lugar de créditos decorrentes de precatórios.

A oferta de créditos deverá ser requerida pelo credor mediante apresentação de documentação comprobatória do crédito ao órgão ou à entidade detentor do ativo que o credor pretende liquidar (art. 4º),

Para assegurar o processamento do encontro de contas o Advogado Geral da União deverá baixar ato dispondo sobre os requisitos formais, a documentação necessária e os procedimentos a serem observados uniformemente pela administração pública direta, autárquica e fundacional na utilização de precatórios judiciais (art. 5º),

O seu parágrafo único, ainda, dispõe que o AGU poderá dispor sobre garantias necessárias à proteção contra possíveis riscos decorrentes de medida judicial propensa à desconstituição do título judicial ou do precatório. Pergunta-se, que risco poderá haver no precatório regularmente expedido?

Espera-se que não sejam estabelecidos, como de praxe, procedimentos burocráticos complexos de difícil exequibilidade, sob pena de inviabilizar a compensação de precatórios com débitos da União, autarquias e fundações públicas federais. Na verdade, não há muito a ser regulado. Basta a aplicação do art. 4º para a comprovação documental do crédito representado por precatório a ser compensado. Ao credor basta a prova da existência do precatório próprio ou adquirido de terceiro, com valor líquido e certo. Nada mais poderá ser exigido!

É muita vontade de complicar o que é simples e de fácil compreensão, fundada na tradicional desconfiança da administração pública contra particulares, esquecido do fato de que é a própria administração pública quem elide a proteção de confiança e a boa-fé objetiva descumprindo normas que editou.

Em relação à compensação com os débitos inscritos na dívida ativa caberá ao Procurador Geral da Fazenda Nacional dispor sobre a utilização de créditos decorrentes de precatórios judiciais (art. 6º).

Por fim, cabe ao Ministro de Estado da Economia dispor sobre os procedimentos de finanças públicas necessárias à realização do encontro de contas.

Toda essa parafernália de procedimentos burocráticos a cargo de três diferentes órgãos públicos não seria necessária se a União tivesse comprido o que manda o art. 100 e § 5º da CF, ao invés de calotear os precatórios judiciais por meio da EC nº 114/2022, para conceder benefícios às pessoas carentes.

A política de inclusão social há de ser implementada por meio de recursos orçamentários anuais nos limites de suas possibilidades financeiros e nunca à custa da supressão de direitos e garantias fundamentais de determinadas pessoas escolhidas pela União. A política de Robin Wood não tem amparo no mundo atual.

Por derradeiro, o decreto regulamentador prevê inúmeras providências burocráticas a serem exigidas por diversos órgãos da União que podem procrastinar o pleito do precatorista, porém, omitiu-se no detalhe mais importante que é a inserção do pedido de aproveitamento dos crédito resultante de precatório na ordem cronológica de compensação, em respeito ao princípio da transparência, isonomia, impessoalidade e publicidade.

O pleito de aproveitamento do crédito, qualquer que seja a sua modalidade (quitação de débitos parcelados ou de débito inscrito na dívida ativa; aquisição de imóveis; aquisição de ações; e aquisição de direitos) não pode ser atendido pela União a não ser dentro da rigorosa ordem de protocolização do pedido formulado pelo credor por precatório. Esse detalhe importantíssimo, voluntária ou involuntariamente, foi omitido pelo decreto regulamentador, o que poderá propiciar a ação de lobistas para favorecer um precatorista em prejuízo de outro.

 

SP, 12-12-2022.