Por Kiyoshi Harada.

O Tribunal, por maioria de votos, apreciando o Tema 475 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin. Foi fixada a seguinte tese: "A imunidade a que se refere o art. 155, § 2º, X, ‘a’, da CF não alcança operações ou prestações anteriores à operação de exportação". (Sessão Virtual de 26.6.2020 a 4.8.2020. (RE nº 754.917/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 19-8-2020).

A V. decisão causou muita polêmica entre os especialistas, alguns deles alegando que houve derrota do Brasil no plano internacional em termos de competitividade.

Analisemos com serenidade mediante o exame do disposto na norma constitucional em questão que assim prescreve:

 

“Art. 155. Compete aos Estados [...]

[...]

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

[...]

  • 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

[...]

X – não incidirá:

  1. Sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores.” (grifamos).

Parte dos especialistas entende que a Corte Suprema, ao limitar a imunidade à operação de exportação para o exterior, introduziu uma restrição que não existe no texto constitucional, que se refere a “operações que destinem mercadorias para o exterior”.

Ora, a expressão “operações que destinem mercadorias para o exterior” somente pode ser entendida como operações de exportação para o exterior. Se a mercadoria for comercializada no mercado interno não se tratará de operação destinada ao exterior, sujeitando-se ao pagamento do ICMS, pouco importando que, em um segundo momento, o adquirente venha promover sua exportação para o exterior,  quando, então, usufruirá da imunidade, preservando-se os créditos gerados nas operações anteriores, como prescreve a parte final a letra a, do inciso X, do § 2º, do art. 155 da CF. Trata-se-se-á, na hipótese, de aquisição de mercadoria para sua revenda no mercador exterior, usufruindo da imunidade sob análise com direito à manutenção dos créditos fiscais referentes às operações anteriores.

Na eventualidade de a empresa fabricante de mercadoria destinada ao exterior transferir essa mercadoria de um estabelecimento para outro estabelecimento de sua titularidade, por exemplo, para aqueles destinado a operar exclusivamente no mercado exterior, não haverá ocorrência do fato gerador, que exige a circulação jurídica (Súmula 166 do STJ e (ARE 1.255.885/MS (RG) – Tema 1.099 da repercussão geral).

Algumas legislações estaduais do ICMS dispõem que “não incide o imposto nas operações com mercadorias destinadas a estabelecimentos que operam exclusivamente ao comércio de exportação”, no pressuposto de que não poderá haver, na hipótese, revenda no mercado interno.”

O preceito constitucional sob análise refere-se às operações que “destinem mercadorias para o exterior,” e não, operações destinadas a estabelecimentos que operam com o comércio de exportação. A exportação para o exterior há que ser direta sem intermediação de qualquer outro estabelecimento. Como vimos, a transferência de mercadoria e um para outro estabelecimento do mesmo titular (aquele destinado ao comércio de exportação) é caso de não incidência pura, por não existir a ocorrência do fato gerador.

A imunidade, como categoria constitucional destinada a limitar o poder tributário do Estado, representa uma exceção ao exercício da competência tributária, e como tal, não pode ser interpretada de forma ampla, nem de forma restritiva, mas de maneira simplesmente estrita. Esse é o entendimento consagrado pelo STF conforme se verifica de ementas abaixo:

 

‘IMUNIDADE – CAPACIDADE ATIVA TRIBUTÁRIA. A imunidade encerra exceção constitucional à capacidade ativa tributária, cabendo interpretar os preceitos regedores de forma estrita. IMUNIDADE – EXPORTAÇÃO – RECEITA – LUCRO. A imunidade prevista no inciso I do § 2º do artigo 149 da Carta Federal não alcança o lucro das empresas exportadoras. LUCRO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO – EMPRESAS EXPORTADORAS. Incide no lucro das empresas exportadoras a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido” (RE 564413, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO, DJe de 6/12/2010).

 

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 149, § 2º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTENSÃO DA IMUNIDADE À CPMF INCIDENTE SOBRE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS RELATIVAS A RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO ESTRITA DA NORMA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. I - O art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal é claro ao limitar a imunidade apenas às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico incidentes sobre as receitas decorrentes de exportação. II - Em se tratando de imunidade tributária a interpretação há de ser restritiva, atentando sempre para o escopo pretendido pelo legislador. III - A CPMF não foi contemplada pela referida imunidade, porquanto a sua hipótese de incidência - movimentações financeiras - não se confunde com as receitas. IV - Recurso extraordinário desprovido” (RE 566.259, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO, DJe de 24 /9/2010).

 

Outro não é o entendimento do renomado Paulo de Barros Carvalho que desaprova a posição doutrinária que sustenta ser a imunidade ampla e indivisível, não comportando fracionamentos.[1]

Concluindo, o STF deu exata interpretação ao texto constitucional sob exame, descabendo falar de restrição imposta pela Corte, que conferiu interpretação estrita de conformidade com a sua jurisprudência vigente há uma década.

 

SP, 24-8-2020.

 

[1] Curso de direito tributário. 30. ed.. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 213.