Da mera leitura do dispositivo transcrito se depreende que a conduta do Presidente da República não se enquadra de forma alguma em nenhuma das hipóteses citadas, por maior esforço hermenêutico que se almeje realizar, não há subsunção da atitude do Presidente da República a qualquer um dos tipos penais previstos. Ademais, o próprio §2° do art.7 do Estatuto de Roma esclarece que:

Art. 7 §2º Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;

Não houve qualquer conduta do Presidente da República no sentido de atacar a população civil. Pelo contrário, foram empreendidos os esforços, dentro da competência da União, no sentido de conter a pandemia da Covid-19. No tocante à Manaus, foram repassados recursos, foi prestado auxilio no envio do oxigênio, bem como foi enviada equipe do Ministério da Saúde in loco para auxiliar na gestão da crise. Registre-se, novamente que os Estados e municípios têm autonomia e competência para adotarem as medidas que entenderem necessárias para conter a pandemia, consoante decisão do Supremo Tribunal Federal.12

Outrossim, crimes contra a humanidade demandam o curso de condutas envolvendo a múltipla comissão dos atos contra a população civil. Exige que exista um ataque sistemático e generalizado a população civil e que essa intenção resulte evidente. Afirmar que o Governo Federal fez de Manaus um “balão de ensaio” por ter sito proposto a adoção do tratamento precoce defendido pela médica Dra. Mayra Pinheiro do Ministério da Saúde é uma atitude leviana e desprovida de fundamentação jurídica. A defesa do tratamento precoce contra a Covid-19 ou a defesa da adoção de um medicamento ou outro, não é jamais pode configurar crime contra a humanidade.

O tratamento precoce ou inicial é aquele que é aplicado até o quinto dia do início dos sintomas e foi utilizado em larga escala em diversos países do mundo. Em que pesem os esforços mundiais para combater a Covid-19, a realidade é que se trata de um vírus com alta letalidade e totalmente desconhecido, que mesmo em face das vacinas desenvolvidas, ainda prevalece a incerteza da cobertura diante do surgimento de novas cepas.

Nesse contexto, incumbe ao médico, após o diagnóstico e a anuência do paciente, dar início ao tratamento ambulatorial inicial (até cinco dias). Esse tratamento precoce pode envolver a hidroxicloroquina combinada com outros medicamentos, como, por exemplo, azitromicina, nitazoxanida ou ivermectina. O emprego do tratamento precoce ou não, bem como qual a medicação que deve ser utilizada é uma decisão discricionária do médico, com a anuência do paciente e não uma decisão jurídica. Quer parecer que a recomendação predominante, diante das dúvidas, é seguir cada um o seu médico, escolhido com liberdade, que analisará individualmente o seu paciente oferecendo o tratamento mais adequado, de acordo com a ciência e a observação.

Destaca-se, que a Declaração de Helsinque, desenvolvida pela Associação Médica Mundial como uma declaração de princípios éticos para fornecer orientações aos médicos e outros participantes em pesquisas clínicas envolvendo seres humanos, prevê:

32. No tratamento de um paciente, quando métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos comprovados não existirem ou forem ineficazes, o médico com o consentimento informado do paciente, deverá ser livre para utilizar medidas profiláticas, diagnósticas e terapêuticas não comprovadas ou inovadoras, se, em seu julgamento, estas oferecerem a esperança de salvar a vida, restabelecer a saúde e aliviar o sofrimento. Quando possível, essas medidas devem ser objeto de pesquisa, programada para avaliar sua segurança ou eficácia. Em todos os casos, as novas informações devem ser registradas e, quando apropriado, publicadas. As outras diretrizes relevantes desta Declaração devem ser seguidas. (grifos nossos)

Em face da gravidade de uma pandemia, o uso de medicamentos em fase de testes é prática corroborada pela bioética, razão pela qual os conselhos regulatórios da profissão médica não punem eticamente os profissionais que atuam amparados nessa linha-mestra, especialmente, no caso sub examine. Nesse particular, urge destacar que os medicamentos empregados no “tratamento precoce” são utilizados no Brasil e no mundo há décadas, sendo comprovada a sua segurança e eficácia terapêutica para variadas enfermidades, como doenças reumáticas e doenças autoimunes.

Adverte-se, ainda, que a possibilidade de utilização de tratamento inicial sempre respeitou a autonomia do médico na condução do tratamento do paciente. Desse modo, foi elaborado o Parecer nº 04/2020 do Conselho Federal de Medicina que considera o uso da cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento da COVID-19:

d) O princípio que deve obrigatoriamente nortear o tratamento do paciente portador da COVID-19 deve se basear na autonomia do médico e na valorização da relação médico-paciente, sendo esta a mais próxima possível, com o objetivo de oferecer ao doente o melhor tratamento médico disponível no momento;

e) Diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da pandemia, não cometerá infração ética o médico que utilizar a cloroquina ou hidroxicloroquina, nos termos acima expostos, em pacientes portadores da COVID-19. (grifos nossos)

O Ministério da Saúde, no uso de suas atribuições legais, em 27 de março de 2020, publicou a Nota Informativa nº 513, prevendo, a critério médico, ante a inexistência de terapias farmacológicas e imunobiológicos específicos para a COVID-19, o uso do medicamento “cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de formas graves, em pacientes hospitalizados, sem que outras medidas de suporte sejam preteridas”.

Nota informativa, cumpre esclarecer é apenas um mero documento de informação e de comunicação. Ela apenas indica prescrições, não tem caráter cogente, nem de protocolo e também não inclui todas as possibilidades terapêuticas possíveis14. É uma simples orientação, na qual sempre será respeitada a discricionariedade do médico e a anuência do paciente.

Assim sendo, qualquer iniciativa do Ministério da Saúde sobre a orientação do uso dos medicamentos deve ser interpretada da forma correta, qual seja, como uma recomendação informativa e não vinculativa. As “Orientações do Ministério da Saúde para Manuseio Medicamentoso Precoce de Pacientes com Diagnóstico da Covid-19” não tem o condão de, por si só, produzirem efeitos jurídicos. São destituídas de imperatividade. Trata-se de um mero documento de informação e comunicação e, como tal, não se inclui nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que devem ser seguidos pelos gestores do SUS.

Discutir a eficácia de um tratamento médico ou de um medicamento é plenamente admissível dentro de um ambiente democrático, ainda mais, no contexto de uma pandemia cercada de complexidades e incertezas, que colocou não só o sistema de saúde brasileiro, mas o sistema de saúde mundial a prova, mas daí se pretender configurar crime contra a humanidade há uma distância abissal.

Destarte, o Governo Federal não deixou em momento algum de prestar assistência à Manaus, de enviar respiradores e nem de providenciar o oxigênio necessário, quando solicitado. Destarte, a Pandemia da Covid-19 se intensificou não só em Manaus, mas em todo o País e os seus mais de 5 mil municípios, tendo o Ministério da Saúde que se desdobrar para atender todas as demandas. Nesse sentido, é enfático o trecho do voto do Min. Alexandre de Moraes na ADI n.° 6.341/DF:

[...] Agora, obviamente que a competência comum administrativa não significa que todos podem fazer tudo. Isso gera bagunça, isso gera anarquia. O que significa a competência comum administrativa? Significa que, a partir do princípio da predominância do interesse, a União deve editar normas, políticas públicas para a saúde pública de interesse nacional; os Estados, interesse regional; e os Municípios, visando, como o próprio art. 30, I, estabelece, o seu interesse local. Não é possível que, ao mesmo tempo, a União queira ter monopólio da condução administrativa da pandemia nos mais de 5 mil Municípios. Isso é absolutamente irrazoável. (grifos nossos) 15

Qualquer tentativa de imputar responsabilidade ao Presidente da República ou ao Ministério da Saúde por algo que está fora de sua competência, extrapola a interpretação sistemática dos princípio constitucionais, das Leis n.º 8.080/90, 13.979/2019, 13.844/2019, bem como do teor da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n.° 6.341/DF.16

De igual modo, não pode prosperar a pretensão de atribuir às manifestações públicas do Presidente da República, sobre o uso do tratamento precoce da Covid-19 e a imunidade de rebanho, prática de crime contra a humanidade consistente na existência de uma posição deliberada de ataque “generalizado ou sistemático” contra a população brasileira como forma de externalização de uma política de Estado, assumindo a posição de mandante, organizador e dirigente da conduta de seus subordinados”.

Ora ao assim fazê-lo estar-se-ia criminalizando a opinião, violando flagrantemente um dos pilares do regime democrático que é o da liberdade de expressão do pensamento garantida em nosso ordenamento jurídico desde a Carta Constitucional de 1824.

A Constituição Federal de 1988 é enfática ao incluir no rol dos direitos e garantias fundamentais o direito à liberdade de expressão em todas as suas dimensões: opinião, informação, artística, religiosa, de consciência e de imprensa, sendo vedada a censura e a licença. É uma cláusula pétrea e como tal impede que qualquer meio estatal suprima essa garantia, ou venha, a pretexto de uma possível regulação, violar o seu núcleo essencial. Assegura-se ao homem a liberdade para pensar e manifestar seus pensamentos e ideias.17 Consiste no direito de cada um escolher quais as ideias que quer adotar ou não, da sua liberdade para decidir e exteriorizar seus pensamentos.18

Nesse sentido, a liberdade de pensamento implica no fato de que o Estado não levará em consideração o teor dessa opinião, se mantendo neutro quanto ao seu conteúdo, pois só assim ela poderá ocorrer livremente. O Estado assume uma posição de neutralidade face a esse direito. É o que Celso Ribeiro Bastos denomina de “valor da indiferença”.19

Deve-se, igualmente se levar em consideração que não existe, a priori, uma verdade absoluta ou incontestável que possa justificar qualquer limitação à liberdade de expressão. Impõe-se verificar se há uma verdade única que justifique a imposição de ideias a uma sociedade. Será que existem pessoas que são conhecedoras exclusivas da verdade, ainda mais em face de uma pandemia que trouxe ao mundo mais incertezas do que certezas?20 A resposta a essa questão é negativa, pois qualquer fato, tema ou circunstância é sempre passível de discussão, ainda que no campo cientifico.21 Adverte-se:

Uma ideia, por mais absurda que seja pode ser verdadeira, ou conter uma parcela de verdade. Nenhuma opinião ou ideia é infalível. E mesmo que essa ideia seja falsa, ela não teria o direito de ser discutida e de forma vigorosa? Não é por meio da discussão, da existência de opiniões conflitantes que se alcança a busca da verdade?22

Portanto, tem-se que as manifestações do Presidente da República sobre qualquer assunto, inclusive, sobre a eficácia de medicamentos ou efeito rebanho se inserem integralmente na proteção constitucional da liberdade de expressão do pensamento e não podem, sob hipótese alguma, serem criminalizadas. Nesse sentido, qualquer tentativa de atribuir crime contra a humanidade às falas do Presidente da República é criminalizar a opinião e aniquilar a liberdade de expressão.

Vale dizer que a liberdade de expressão está assegurada nos mais relevantes tratados internacionais e Declarações de Direitos Humanos. A liberdade de expressão é um direito humano garantido a todos indistintamente, inclusive ao Presidente da República. A Declaração de Direitos do Homem de 1.789 estabelece em seu art. 11 que:

Art. 11. A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode portanto falar, escrever, exprimir-se livremente, sujeito a responder pelo abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei.”

De igual modo a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1.948, em seus arts. XVIII e XIX dispõem que:

Art. XVIII. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Art. XIX. Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de abril de 1.948 estabelece em seus arts. IV e V que: “Toda pessoa tem o direito à liberdade de investigação, de opinião e de expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio” O Pacto Internacional de Direitos Civil e Políticos dispôs sobre a liberdade de expressão em seu art. 19, nos seguintes termos:

Art.19. Ninguém poderá ser molestado por causa de suas opiniões.

Diante do exposto, resulta evidente que as manifestações do Presidente da República, tanto no ordenamento jurídico interno, como no âmbito internacional, não configuram crime, por estarem protegidas pelo direito humano e constitucional da liberdade de expressão.

Igualmente não há substrato para imputar a prática de crime contra a humanidade ao Presidente da República no que concerne as medidas tomadas em relação à população indígena. Note-se que no âmbito federal, tem-se a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) que é responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS). Sua função precípua é implementar um modelo de gestão e de atenção no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, articulado com o SUS (SasiSUS), descentralizado, com autonomia administrativa, orçamentária, financeira e responsabilidade sanitária dos trinta e quatro Distritos Sanitários Especiais Indígenas.

Cabe à Secretaria Especial de Saúde Indígena também o desenvolvimento de ações de atenção integral à saúde indígena e educação em saúde, em consonância com as políticas e os programas do SUS e observando as práticas de saúde tradicionais indígenas, além de realizar ações de saneamento e edificações de saúde indígena.

Destaca-se, que o Governo Federal criou o programa “Previne Brasil”, instituído pela Portaria nº 2.979, de 12/11/19 visando o atendimento aos indígenas não previstos para serem atendidos pela SESAI. Ele cria um novo modelo de financiamento de custeio da “Atenção Primária à Saúde”, incluindo a população indígena no contexto urbano.

Editou-se, também, a Portaria nº 3.396, de 11/12/20, que dispõe sobre a transferência de incentivo financeiro federal de custeio para o fortalecimento das ações de equidade na Atenção Primária à Saúde considerando o cadastro de povos e comunidades tradicionais.23 Levando a cabo uma análise cronológica dos fatos, constata-se que o Ministério da Saúde, em fevereiro de 2020, declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo vírus da COVID-19 por meio da Portaria nº 188.

Todavia, desde 28 de janeiro de 2020 já havia iniciado a emissão das primeiras orientações sobre o SARS-CoV-2 por meio da Nota Informativa nº 2/2020-COGASI/DASI/SESAI/MS, com a finalidade de que fossem adotadas medidas para prevenir o Coronavírus em povos indígenas. A SESAI também criou o Portal24 para emissão de informes e boletins epidemiológicos da covid-19 do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.

Vê-se, pois, que não há que se falar em desassistência à população indígena por parte do Governo Federal e do Presidente da República, vez que inúmeros atos normativos foram editados com o único propósito de assistir a comunidade indígena, o que por si só tem o condão de derrubar qualquer falacioso argumento de que o Presidente da Replica queria implantar uma “política anti-indígena”.

Constata-se, que o Governo Federal adotou medidas preventivas contra a Covid-19 em relação aos povos indígenas, muito antes da declaração da pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que somente ocorreu em 11 de março de 2020. Ora, o Governo Federal, dentro de sua competência, tomou a iniciativa de empreender esforços para evitar o contágio da covid-19 nos povos indígenas, se antecipando a própria Organização Mundial de Saúde.

Ao se pretender atribuir a prática de crime contra a humanidade ao Presidente da República, sob o falso argumento de que ele deixou a comunidade indígena desassistida, além de inverídico, colocaria em discussão o próprio papel e responsabilidade da Organização Mundial de Saúde, nessa seara, que demorou para declarar a pandemia.

Isso é um total absurdo, vez que todos os Países inclusive a Organização Mundial de Saúde, estavam lidando com uma situação de imprevisibilidade e de ineditismo, não se podendo punir nenhum deles pelas medidas que tomaram com o pouco conhecimento que se tinha da doença, à época, e que até hoje desafia cientistas e médicos, com o surgimento de novas cepas, cada vez mais resistentes. Não se mostra razoável, nesse contexto, atribuir crime contra a humanidade à Organização Mundial de Saúde pela demora em declarar pandemia, deixando a população civil desamparada.

Não há negar-se que o “Plano de Contingência para as Comunidades Indígenas” foi objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF. n.° 70925. No entanto, a referida decisão se limita a homologar parcialmente o Plano de Contingenciamento a solicitar a apresentação de um novo plano no tocante ao monitoramento. Em nenhum momento a decisão faz referência à inércia do Governo Federal.

Ora, uma coisa é se tecer críticas ao “Plano de Contingência para as Comunidades Indígenas” formulado pelo Governo Federal e outra bem distinta é acusa-lo de inércia, omissão e até mesmo da implantação de uma “política anti-indígena”. Ressalta-se que todas as exigências da decisão do Supremo Tribunal Federal foram acatadas pelo Governo Federal na edição da nova versão do plano, demonstrando o firme propósito do Governo de conter a propagação do vírus da Covid- 19 nas comunidades indígenas.

É incontestável que o Governo Federal adotou uma política de natureza eminentemente assistencial e de suporte aos povos indígenas. Não houve desamparo ou negligência, vez que o Governo Federal enviou diversas remessas de insumos às comunidades indígenas, bem como tomou medidas pertinentes aos Programas: “Atenção de Média e Alta Complexidades às Populações Indígenas”, “Equipe de Resposta Rápida”, “Comitê de Crise Nacional e participação indígena”, “Vigilância Alimentar dos Povos Indígenas”, além de ações voltadas para a saúde mental dos povos indígenas.

Em face do exposto, não há espaço para afirmar que Presidente da República deliberadamente planejou ou permitiu que a Epidemia da Covid-19 invadisse às comunidades indígenas. Pelo contrário, tudo que lhe cabia, dentro de sua competência constitucional foi realizado. Claro que sempre cabem críticas às medidas e aos programas implantados, mas daí se pretender dizer que houve intenção de propagar a doença na comunidade indígena ou que ele se manteve omisso é muito distinto.

Não se verifica nenhuma atitude do Presidente da República que possa ser tipificada como crime contra a humanidade. Ademais, no âmbito do Direito Penal Internacional exige-se para a configuração de crime que haja um nexo causal entre o ato cometido e a conduta descrita, bem como a clara e patente intenção de atingir o objetivo almejado, ou seja, exige-se a presença do dolo.

O Presidente da República jamais pretendeu conscientemente causar qualquer dano à população brasileira. Pode-se aqui perfeitamente discutir os meios por ele adotados, mas jamais afirmar que sua intenção era causar a morte da população, tanto não o era que ele defendia o tratamento precoce, dentre outras medidas.

Outrossim, as condutas adotadas pelo Presidente da República não se amoldam ao tipo penal crime contra a humanidade e não se revestem da comprovação de dolo na sua respectiva realização. O dolo do agente, para configurar a tipicidade de uma conduta, tem de preencher os requisitos da: a) abrangência, é dizer, deve envolver todos os elementos objetivos do tipo; b) atualidade, na medida em que dolo deve ser verificado no exato momento da ação; c) e possibilidade de influência no resultado, exige-se que a vontade do agente seja efetivamente capaz de produzir o evento tipificado.26 Na realidade, existem uma diversidade e infinidade de fatores que influenciaram e ainda influenciam as mortes causadas pela Covid-19 nos Países no Mundo, mesmo com a vacinação da população.

Os atos praticados pelo Governo Federal na região de Manaus configuram atos tão somente de cunho eminentemente humanitário, que tiveram a atuação mais célere possível para aquele contexto de crise. Da mesma maneira, ocorreu em relação às medidas adotadas nas comunidades indígenas, pois, além de inexistir a conduta imputada, todas as medidas empreendidas pelos agentes públicos federais revelam o caráter assistencial e de apoio às comunidades indígenas.

Ora, se a política pública adotada pelo Governo Federal conseguiu ou cumpre o seu papel de maneira eficaz é uma outra perspectiva de análise que de forma alguma se confunde com a responsabilidade pessoal do Presidente da República, que exige o dolo para imputação de crime contra a humanidade. Aliás, esse foi um desafio imposto a todos os Chefes de Estado do mundo que se viram as voltas com uma pandemia marcada por um contexto de imprevisibilidade e ineditismo, sem precedentes.

A pandemia agravou indubitavelmente o cenário estrutural da organização e implementação de políticas públicas no país. As mortes foram resultado do agravamento da pandemia, não podendo, portanto, ser imputado direta ou indiretamente ao Presidente da República, devido a inexistência da possibilidade material de ter qualquer influência no resultado.

Não é admissível condenar o Presidente da República em razão da posição hierárquica que ocupa, ainda mais em um contexto de alta complexidade dos fatos, como é uma pandemia. Isso seria a aplicação de uma responsabilização objetiva do agente, em total arrepio aos preceitos mínimos do Direito Penal contemporâneo. Nesse diapasão, tem-se o seguinte trecho da decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal n.° 975/DF:

Deve ser refutada imputação centrada, unicamente, na posição de um dado agente na escala hierárquica governamental, por inegável afinidade com o Direito Penal Objetivo. 6. Não se admite a invocação da teoria do domínio do fato com vistas a solucionar problemas de debilidade probatória ou a fim de arrefecer os rigores para a caracterização do dolo delitivo, pois tais propósitos estão dissociados da finalidade precípua do instituto 27

Inexiste, qualquer domínio de eventual cadeia causal de resultados nocivos ao País ou à região de Manaus, ou à população indígena por parte do Presidente da República, não havendo comprovação inequívoca do dolo do agente. Diante do exposto, tem-se que não há que se aventar a possibilidade de configuração de fato típico internacional, crime contra a humanidade, a ser submetido à apreciação do Tribunal Penal Internacional.

Noutro giro, impõe-se destacar que a atuação do Tribunal Penal Internacional tem um caráter subsidiário em face da jurisdição penal interna de um País. Em face do princípio da subsidiariedade, referido no Estatuto de Roma como “complementaridade”, depreende-se que o Tribunal Penal Internacional não poderá intervir indevidamente nos sistemas judiciais nacionais, que possuem a responsabilidade primária de investigar e processar os crimes cometidos pelos seus nacionais, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que não é o que ocorre no caso sub examine.