I – Artigo
EXCESSO DE DIREITOS E MÁ VONTADE COM OS DEVERES
Renan Clemente Gutierrez
Esse mini artigo, publicado semanalmente em nosso website, trata de um tema que muitas pessoas querem distância. Em uma sociedade que absolutamente só pensa em direitos e prestações estatais, é difícil falar em deveres (quem dirá, então, em deveres fundamentais?).
É certo que a formatação da Constituição Federal de 1988 é garantista. É uma constituição absolutamente programática, que estabelece diretrizes para a ação (ou inação) do Estado para a garantia dos direitos fundamentais (dentre eles, os direitos sociais à educação, saúde, seguridade etc). A dignidade da pessoa humana é o fundamento central da matéria constitucional, tal como ressaltado por José Casalta Nabais em relação à Constituição de Portugal: “as matérias da disciplina jurídica e a sua ordenação no texto constitucional não podem deixar de refletir que, tanto o ponto de partida como o ponto de chegada, é a pessoa humana”1.
Ademais, a tutela dos direitos fundamentais é própria do Estado de Direito. Não há uma concessão deliberada, mas sim um reconhecimento desses direitos, conforme Nabais explica: “Estado que não concede ou atribuir os direitos fundamentais `s pessoas humanas, antes bem pelo contrário, limita-se a reconhecer estes direitos fundamentais e a reconhecê-los em função das pessoas humanas, respeitando sua eminente dignidade.”2
Mas, nunca há que se olvidar que a vida em sociedade demanda que cada um faça a sua parte. É aí que mora o perigo. Uma sociedade que está habituada a se justificar em ser titular de direitos, muitas vezes não compreende que a efetividade de direitos demanda a prática de deveres fundamentais.
Diversos são os deveres fundamentais.Eles possuem uma categoria jurídica autônoma, que está diretamente relacionada com os direitos fundamentais. Em outras palavras, os deveres fundamentais são necessários para que se efetivem os direitos fundamentais.
Por exemplo, a democracia é um direito fundamental inegável, mas ela depende da participação cidadã por meio do voto, de modo que o voto se configura em um verdadeiro dever fundamental para a concretização desse direito de viver em uma democracia. Igualmente, o dever de não perturbar a paz pública é pressuposto para o direito de viver em uma sociedade pacífica.
Mas, há um dever especial, consignado por Nabais, que é necessário para que o Estado fiscal contemporâneo tenha condições de estabelecer uma estrutura garantidora dos direitos fundamentais: o dever fundamental de pagar impostos. O dever fundamental de pagar impostos é correlato à garantia dos direitos fundamentais, sobretudo aqueles que demandam uma ação positiva do Estado, encoberto pelo manto dos direitos sociais.
Nesse sentido, veja-se as precisas considerações de Nabais:
O que passa pelo reconhecimento de um dever fundamental de pagar impostos a implicar que um tal poder não se apresente limitado apenas pela constituição da organização do poder político, como tem sido tradicional e em geral é sustentado, mas também, de um lado, pelo pressuposto do próprio Estado fiscal, constituído pela existência de funcionamento de uma economia livre ou de mercado essencialmente separada do Estado, e, de outro, que é o que aqui interessa, pelo respeito particularmente intenso dos diretos fundamentais dos contribuintes que um tal dever coerentemente entendido visa inequivocamente assegurar.3
É certo que no Brasil não figura correto falar em dever fundamental de pagar impostos, vez que os direitos sociais são sobremaneira garantidos por meio das contribuições sociais para a seguridade social. Desse modo, é correto falar que no Brasil há um dever fundamental de pagar tributos. De todas as formas, Nabais toca numa ferida muito sensível para muitos.
A ver: o sonegador contumaz, que figura como sócio de um empreendimento produtivo, gerando empregos, adquirindo maquinário etc., contribui com a economia por fazer girar salário e consumo. Contudo, ao se tornar um sonegador contumaz, acaba por violar o dever fundamental de pagar impostos e, via de consequência, deixa de contribuir com o sustento do erário para a manutenção e desenvolvimento da estrutura estatal garantidora dos direitos fundamentais.
Em outras palavras: dá com uma mão e tira com duas, três, quatro, cinco. Isso porque, ter um pequeno empreendimento que gera centenas de empregos e consome razoavelmente bens do mercado local, não tem a MÍNIMA POSSIBILIDADE de contribuir com o desenvolvimento socioeconômico sustentável, fundamento da República Federativa do Brasil e, reflexamente, da ordem econômica disciplinada pelo art. 170, da Constituição Federal.
A sonegação fiscal é um grave problema que eleva a carga fiscal dos demais contribuintes, prejudica o caixa dos entes federativos para a consecução de suas atividades hodiernas e precípuas, e privilegia apenas próprio sonegador. O fato de o Estado não entregar os serviços de saúde e educação na mesma medida da arrecadação tributária não pode servir de pretexto para a sonegação fiscal. Nesse caso, há má gestão pública.
Má gestão pública se resolve por meio do voto e da cobrança dos mandatários eleitos.
É certo que a carga tributária deve ser distribuída entre todos, de acordo com o princípio da capacidade contributiva. Espera-se uma integração eficiente entre órgãos e entes federativos que priorize a arrecadação tributária eficiente e justa (evitando a tributação exagerada e agressivamente arrecadatória), possibilitando ao Estado recursos para que garanta a dignidade da pessoa humana naquelas atividades que lhe compete.
REFERÊNCIA:
NABAIS, José Casalta. Sentido e alcance do dever fundamental de pagar impostos. Revista do IBEDAFT. São Paulo: Max Limonad, 2024. Disponível em: https://ibedaft.com.br/publicacoes/revistas/875-versao-eletronica-da-revista-do-ibedaft-volume-vii.html. Acesso em: 17 nov. 2025.
II – Informativo
Trabalho por app
O trabalho por aplicativo que se intensificou após a pandemia da Covid 19 está na pauta de preocupações do Judiciário e do Congresso Nacional que pretende votar, ainda no mês de novembro, uma regulação inédita.
Fraude na terceirização
O TST irá julgar o Tema 29 para definir se a constatação de fraude na terceirização permite reconhecer vínculo direto entre trabalhador e a empresa tomadora de serviços.
O debate gira em torno dos limites da tese fixada pelo STF no ADPF nº 324 e nos Temas 725 e 739 que liberam a terceirização de atividades-fins.
Preso o proprietário do Banco Master
A Polícia Federal prendeu na noite do dia 17, Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, após a constatação de irregularidades na instituição bancária pelo Banco Central.
A prisão ocorreu no Aeroporto de Guarulhos enquanto Daniel tentava deixar o país a bordo de um avião particular.
IR sobre herança de cotas
A 2ª Turma do STJ afastou a incidência do Imposto de Renda sobre a transferência de fundos de investimentos recebidos por sucessão causa mortis, quando avaliadas pelo valor histórico, pois a operação não gera ganho de capital nem acréscimo patrimonial (Resp. nº 1.736600).
Linguagem simples para todos
A Lei nº 15.263/2025 que cria a Política Nacional de Linguagem Simples entrou em vigor no dia 17/11/2025 sendo de observância obrigatória para todos os órgãos e entidades do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, em âmbito nacional.
SP, 24-11-2025.
