“A consumidora exigiu de uma lavandaria uma indemnização por danos, em montante apreciável, provocados em peças de roupa durante a secagem num estabelecimento em regime de auto-serviço.
A proprietária argumentou que, de forma visível e legível, há no estabelecimento um aviso que a escusa de responsabilidade:
«A utilização das máquinas é da responsabilidade do Cliente, como tal, sugerimos que verifique o tambor da máquina antes de colocar a roupa para evitar eventuais estragos».
E afirma que “tendo cumprido o seu dever de informação e advertência e, não havendo intervindo na operação de secagem, não lhe é assacável uma qualquer responsabilidade.”
Ponderando:
- O contrato em apreciação é de prestação de serviços: “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.” (Código Civil: art.º 1154)
- O regime da compra e venda de consumo é extensivo, nos seus termos, à prestação de serviços: aplicável “aos bens... no âmbito de uma... prestação de serviços...” (DL 84/2021: al. b)do n.º 1 do art.º 3.º)
- O contrato tem de ser pontualmente cumprido, sob pena de o prestador de serviços responder pelo incumprimento ou seu defeituoso cumprimento (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 12).
- Para além do cumprimento defeituoso susceptível de gerar responsabilidade contratual, avultaria ainda a garantia por inobservância dos requisitos de conformidade que inere à prestação de serviço.
- “O [prestador de serviços] é responsável por qualquer falta de conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.” (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12).
- E, como remédios, ajustáveis ao caso, ou a reparação ou a substituição para reposição da conformidade no lapso de 30 dias: no caso, a substituição das peças deterioradas (DL 84/2021: al. a) do n.º 1 do art.º 15 e n.º 3 do art.º 18)
- O regime da responsabilidade civil prevalece, porém, directamente sobre o da garantia legal por não conformidade com o contrato.
- Tratando-se de actividades que se desenvolvem em regime de “auto-serviço”, a responsabilidade recai sobre a entidade que detém a titularidade do estabelecimento e o explora em seu benefício: “ubi commoda, ibi incommoda” [“quem colhe as vantagens (de uma dada actividade), suporta as (suas) desvantagens”].
- Já no que tange à exclusão da responsabilidade (o cumprimento do “dever de informação e advertência” explícito no cartaz exibido nas instalações ou em cada uma das máquinas) não colhe o argumento.
- A Lei das Condições Gerais dos Contratos de 1985 proíbe em absoluto as cláusulas que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso... em caso de culpa grave e, em concreto, a sua nulidade; proíbe ainda em absoluto as que “excluam os deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação...” (DL 446/85: al. c) do art.º 18 por força do art.º 20 e al. d) do art.º 21, respectivamente).
- Há, aliás, uma decisão arbitral de 10.nov.25, de saudar, do Tribunal de Consumo de Braga (Cons.º Alexandre Reis), nesse sentido.
EM CONCLUSÃO
- Configura um contrato de prestação de serviço o celebrado com a empresa que explora uma lavandaria em regime de “auto serviço” (o “sirva-se a si mesmo”) [Cód. Civil: art.º 1154].
- Os prejuízos causados no decurso do auto-serviço são reparáveis no domínio de uma relação jurídica de consumo [Lei 24/96: n.º 1 do art.º 12].
- A responsabilidade pela operacionalidade dos equipamentos não recai sobre o consumidor, cabe antes ao titular do estabelecimento que se atém a um especial dever de vigilância sobre o seu funcionamento.
- A causa de exclusão de responsabilidade viola flagrantemente a lei que proíbe em absoluto, tanto em geral, como nos contratos singulares, as “cláusulas que limitem ou excluam a responsabilidade por cumprimento defeituoso” ou “os deveres que recaiam sobre o predisponente em resultado dos vícios da prestação” [DL 446/85: al. c) do art.º 18 por força do art.º 20 e al. d) do art.º 21, resp.].
- No contratos singulares, tais cláusulas são nulas, podendo ser invocadas a todo o tempo por qualquer interessado e declaradas oficiosamente pelo tribunal [DL 446/85: n.º 2 do art.º 32; Cód. Civil: art.º 286].
- Logo, há que fazer actuar a responsabilidade civil: a consumidora terá de ser ressarcida dos danos sofridos.
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
Presidente da apDC - DIREITO DO CONSUMO, Portugal
