Rita Agra

Advogada Tributarista

1. Introdução

A prescrição intercorrente é um dos temas controversos do Direito Tributário, especialmente quando analisada sob a ótica da constitucionalidade do artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/1980). O instituto, que visa impedir a eternização das execuções fiscais, toca diretamente em princípios estruturantes da ordem jurídica, como a segurança jurídica e a duração razoável do processo, ao mesmo tempo em que suscita o debate acerca da reserva de lei complementar para disciplinar normas de direito material, conforme o artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988.

Este artigo busca examinar a prescrição intercorrente à luz da legislação vigente e dos posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), destacando as implicações práticas e teóricas decorrentes da consolidação da jurisprudência sobre o tema.

2. Conceito e Fundamentação da Prescrição Intercorrente

Etimologicamente, o termo “intercorrente” significa aquilo que ocorre no curso de outro fato ou processo. Deriva do latim intercurrens, -ntis, expressão que remete à ideia de algo que “corre entre” ou “intervém” (Dicio, 2025).

Juridicamente, a prescrição intercorrente consiste na perda do direito de exigir judicialmente o crédito tributário em processo já instaurado, quando, após a suspensão ou paralisação da execução fiscal, não se encontram o devedor ou bens penhoráveis dentro do prazo legal. Seu fundamento repousa na necessidade de garantir estabilidade nas relações jurídicas e evitar a perpetuação de processos inertes, em consonância com os princípios constitucionais da duração razoável do processo, da celeridade processual e da segurança jurídica.

Entende-se que a prescrição intercorrente constitui uma norma de natureza temporal destinada à preservação da segurança jurídica, e não de uma sanção processual em decorrência da inércia do credor.

3. O Artigo 40 da LEF e o Debate Constitucional

O artigo 40 da LEF dispõe que o juiz suspenderá o curso da execução enquanto não localizado o devedor ou bens penhoráveis, período em que “não correrá o prazo da prescrição”. Após um ano de suspensão, o processo deve ser arquivado, iniciando-se, então, o prazo prescricional intercorrente de cinco anos.

A controvérsia surge porque, ao suspender a prescrição (matéria de direito material) por meio de uma lei ordinária, o dispositivo parece invadir o campo reservado às leis complementares. Assim, sob a ótica do artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal, apenas lei complementar poderia dispor sobre normas gerais relativas à prescrição e decadência tributárias.

Parte da doutrina sustenta que o artigo 40 da LEF possui natureza essencialmente processual, por tratar não da prescrição em si, mas da suspensão do processo executivo. Todavia, entende-se aqui que, ao prever a suspensão da prescrição, o dispositivo ultrapassa os limites do direito processual e acaba por adentrar, indevidamente, na esfera do direito material tributário.

Essa discussão é central, pois dela decorre a validade ou não da ampliação do prazo prescricional de cinco para seis anos (um de suspensão e cinco de prescrição). Se considerado processual, o dispositivo é constitucional; se material, é inconstitucional por violar a reserva de lei complementar.

4. A Jurisprudência dos Tribunais Superiores

4.1. O REsp nº 1.340.553/RS e a Consolidação do Entendimento pelo STJ

No julgamento do Recurso Especial nº 1.340.553/RS, em 12/09/2018, o STJ, sob relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, firmou seis teses de observância obrigatória (Temas 566 a 571) sobre a prescrição intercorrente.

A Corte entendeu que o prazo de um ano de suspensão previsto no artigo 40 da LEF inicia-se automaticamente a partir da ciência da Fazenda Pública sobre a não localização do devedor ou de bens penhoráveis, independentemente de despacho judicial. Findo esse prazo, inicia-se o período prescricional de cinco anos, perfazendo o total de seis anos até o reconhecimento da prescrição intercorrente.

O STJ ressaltou ainda que simples petições da Fazenda Pública requerendo novas diligências não suspendem o prazo, devendo haver efetiva constrição patrimonial ou citação válida para interrompê-lo. Com isso, o Tribunal consolidou o entendimento de que a execução fiscal não pode ser indefinidamente prorrogada em razão da inércia do credor.

4.2. O RE nº 636.562/SC e o Posicionamento do STF

O STF, que já havia reconhecido a inconstitucionalidade do artigo 40 da LEF, mudou esse entendimento ao concluir em 22/02/2023 o julgamento do RE nº 636.562/SC (tema 390 – repercussão geral), com publicação em 06/03/2023.

Esse recurso foi interposto pela União, que alegou a natureza processual do artigo 40 da LEF, defendendo que o prazo de suspensão de um ano não interferia no prazo prescricional, pois a execução fiscal deve seguir regras próprias.

Por sua vez, a parte recorrida alegava a inconstitucionalidade da norma, argumentando que a prescrição tributária deve ser regulada por lei complementar, em obediência ao que dispõe o artigo 146, inciso III, alínea “b”, da CRFB/88. Sendo assim, deveria prevalecer o prazo prescricional previsto no artigo 174 do CTN, que fixa em cinco anos o lapso temporal para ocorrer a prescrição e enumera as hipóteses para a sua interrupção.

Sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, o STF decidiu, por unanimidade, que não é necessária a positivação da prescrição intercorrente por meio de lei complementar. A Corte Suprema manteve o entendimento do STJ no REsp 1.340.553/RS para determinar o termo inicial do prazo da prescrição intercorrente, firmando a tese de que é constitucional o artigo 40 da LEF, tendo natureza processual o prazo de um ano de suspensão de execução fiscal. Após o decurso desse intervalo temporal, inicia-se, automaticamente a contagem do prazo prescricional de cinco anos.

Apesar de o ministro relator admitir a necessidade de compatibilização do CTN e a LEF, e reconhecer a necessidade de lei complementar para dispor sobre normas gerais de direito material, englobando a prescrição, ele entendeu que o prazo de suspensão de um ano trata-se de matéria processual, podendo perfeitamente ser disciplinado por meio de lei ordinária, pois, segundo a sua interpretação, a prescrição intercorrente é intrínseca ao processo executivo.

No entanto, respeitando-se a decisão da Suprema Corte, ressalta-se que é plenamente cabível que o artigo 40 da LEF discipline a suspensão do processo. Ocorre que, na prática, houve a alteração do termo inicial da contagem do prazo prescricional na modalidade intercorrente, o que não se harmoniza com o regime constitucional, pois a prescrição em matéria tributária deve ser regulada por lei complementar. Assim, considera-se inadequado buscar fundamento de validade no artigo 22, inciso I, da CRFB/88, uma vez que a prescrição não se enquadra como direito processual.

Observa-se então que a decisão do STF, em repercussão geral do tema 390, nada mudou e as teses estabelecidas no REsp 1.340.553/RS permanecem inalteradas, frustrando as expectativas daqueles que esperavam que a Corte Máxima declarasse a inconstitucionalidade do artigo 40 da LEF, reconhecendo o prazo de cinco anos previsto no CTN e não de um ano mais seis anos de prescrição intercorrente nos processos que tratam de crédito de natureza tributária. Entendimento esse aqui adotado, onde reforça-se que o assunto se trata de direito material e que só pode ser alterado mediante lei complementar.

4.3. A Prescrição Intercorrente em Infrações Aduaneiras (Tema 1.293/STJ)

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais nº 2.147.578/SP e nº 2.147.583/SP, sob o rito dos repetitivos (Tema 1.293), estendeu o debate sobre prescrição intercorrente para o âmbito das infrações administrativas de natureza aduaneira.

A Corte reconheceu a aplicabilidade do artigo 1º, §1º, da Lei nº 9.873/1999, segundo o qual incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, com arquivamento de ofício. O STJ afastou o argumento da Fazenda Nacional de que tais processos teriam natureza tributária, concluindo que, por visarem ao controle do comércio exterior e não à arrecadação de tributos, possuem caráter administrativo.

A decisão representou importante avanço em favor da segurança jurídica e da razoável duração do processo, evitando que as empresas fiquem sujeitas a procedimentos administrativos indefinidos.

5. Conclusão

A prescrição intercorrente, embora consolidada na jurisprudência como instrumento de racionalização do processo executivo fiscal, continua a suscitar relevantes debates quanto à sua natureza jurídica. A decisão do STF no RE nº 636.562/SC conferiu estabilidade interpretativa, mas não afastou as críticas doutrinárias quanto à extrapolação legislativa da Lei de Execuções Fiscais sobre matéria reservada à lei complementar.

O entendimento que aqui se sustenta é o de que a prescrição intercorrente possui natureza de direito material e, por essa razão, deve observar o prazo quinquenal estabelecido no artigo 174 do CTN, sem a adição do ano de suspensão previsto no artigo 40 da LEF.

Ainda que o debate pareça pacificado no plano jurisprudencial, permanece aberta a reflexão acadêmica sobre os limites da atuação legislativa ordinária diante das garantias constitucionais do contribuinte e da integridade do sistema tributário nacional.

Share on Social Media