I – Artigo
A TRIBUTAÇÃO NO DESTINO DESTOA DO
FIGURINO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
Renan Clemente Gutierrez
Trata-se de mais um dos artigos semanais publicados nesse website. Dessa vez, busca-se refletir, brevemente, a respeito dos efeitos da tributação no destino, trazida com o novo sistema constitucional tributário, implementado pela Reforma Tributária sobre o consumo (EC 132/2023), parcialmente regulamentada pela LCP 214/2025.
A LCP 214/2025 estabelece quais são os locais de operação do IBS e da CBS. A leitura de seu art. 11, incs. I e VII demonstra que o local da operação com bem móvel material ou decorrente de serviço de transporte de carga, é o “local da entrega ou disponibilização do bem ao destinatário”. Ou seja, a LCP 214 estabelece o destino como local de operação. Ao disciplinar a alíquota do IBS incidente sobre cada operação, o art. 15 da LCP determina que corresponda à soma da alíquota do (i) Estado de destino da operação; (ii) do Município de destino da operação ou (iii) do Distrito Federal, quando for o destino da operação.
Essa sistemática trazida pela reforma tributária objetiva por termo à chamada guerra fiscal. Em breves comentários, a guerra fiscal se desenvolveu no Brasil com a distorção, por parte das unidades federativas, na concessão dos benefícios fiscais garantidos pelo ordenamento. Os benefícios fiscais foram previstos no ordenamento jurídico brasileiro para o fomento das atividades econômicas, bem como para promover o desenvolvimento socioeconômico de regiões menos favorecidas, com baixa atividade econômica.
Esse desenho é fruto do Pacto Federativo. Nos arts. 1º e 3º da Constituição Federal, tem-se um emaranhado de fundamentos e objetivos fundamentais da República. Dentre eles, destacam-se os seguintes fundamentos: (i) cidadania; (ii) dignidade da pessoa humana; (iii) e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Como objetivos fundamentais, constam os seguintes primados: (i) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) a garantia do desenvolvimento nacional; (iii) a erradicação da pobreza e da marginalização; (iv) a redução das desigualdades sociais e regionais; (v) e a promoção do bem de todos.
Os valores acima ilustrados são decorrentes do modelo federativo, vez que o Brasil é uma federação com notórias desigualdades sociais e regionais. Portanto, estabeleceu-se uma estrutura capaz de atribuir competência às pessoas políticas para atuarem frente a tais desafios, reduzindo a pobreza e garantindo o desenvolvimento socioeconômico, com o objetivo de evitar que qualquer rincão do país seja esquecido e desprezado.
Sob o sentir desse autor, eis os fundamentos dos benefícios fiscais. Como o Estado não consegue, por um passe de mágica, acabar com a pobreza e reduzir as desigualdades regionais e sociais, foram criados mecanismos para auxiliar o Estado nesse fim. Dentre eles, os benefícios fiscais, como possibilidade de os entes federativos atraírem atividade econômica para os seus territórios, buscando maior empregabilidade e desenvolvimento socioeconômico, privilegiando-se o primado da dignidade da pessoa humana.
Ocorre que, como se sabe, muitas pessoas políticas acabaram por instituir diversos benefícios fiscais sem qualquer exigência de contrapartida. Muitas unidades federativas apenas atraíram empresas aos seus territórios com fins eleitoreiros, sem planejamentos a longo prazo. Pior: muitas unidades federativas (aqui, especificamente, pequenos Municípios) acabaram por atrair empresas para as suas competências, sem gerar qualquer infraestrutura para receber um fluxo mínimo migratório de trabalhadores de Municípios vizinhos. Com isso, problemas com falta de estrutura aumentaram ao mesmo tempo em que, geralmente, não se exigiu das empresas beneficiadas qualquer contrapartida.
A síntese é simples: se a concessão do benefício fiscal encontra repouso nos valores da Constituição, tem-se que o benefício é justificado. Se a concessão do benefício fiscal não gera desenvolvimento socioeconômico (aqui compreendidos os valores dos artigos 1º e 3º da Constituição), configura-se, na verdade, um privilégio tributário – o que caminha na contramão do desenvolvimento necessário para o país.
Outro problema decorrente da chamada guerra fiscal é decorrente de planejamentos tributários abusivos. Muitas empresas desenharam as suas operações sem qualquer substrato econômico que dê guarida aos planejamentos, de modo que a arrecadação tributária sofreu evidente reflexo desse movimento.
Para minar esses problemas, a reforma tributária sobre o consumo propôs o fim de benefícios fiscais (a destempo de ter concedido descontos para setores específicos, conforme art. 126 e seguintes da LCP 214), bem como estabeleceu a chamada tributação no destino. Com a tributação no destino, os benefícios fiscais concedidos pelos entes federativos ficam esvaziados, de modo a acabar com a guerra fiscal.
Contudo, respeitando opiniões divergentes, essa questão merece maiores reflexões. Não seria mais viável estabelecer programas para as empresas que venham a se valer de benefícios fiscais? Não evitaria a guerra fiscal o estabelecimento de requisitos objetivos para que Estados e Municípios concedam benefícios fiscais? Não seria melhor propor uma avaliação sobre os efeitos que tais benefícios causam, mormente sobre o manto do desenvolvimento socioeconômico?
São apenas reflexões propostas, pois a tributação no destino também tem o potencial de gerar distorções no desenvolvimento socioeconômico do país (sobretudo na redução de desigualdades sociais e regionais).
A concentração de atividade econômica nos polos mais populosos do país gera migração e abandono de áreas menos privilegiadas, o que vai na contramão daquilo estabelecido pela Constituição, que é a promoção do desenvolvimento socioeconômico de todas as regiões, evitando-se a centralização do desenvolvimento apenas nos grandes polos.
A Constituição estabelece que é objetivo fundamental da República a redução das desigualdades, bem como a promoção do bem de todos. A tributação no destino pode levar as empresas para os grandes polos consumidores, o que pode acarretar, via de consequência, maior concentração de atividade econômica nesses grandes polos, esvaziando a atividade econômica em entes federativos que já contam com pouca atividade e tímido (ou nulo) desenvolvimento.
Esse é um ponto controvertido da Reforma Tributária para o desenvolvimento socioeconômico, e merece uma detida reflexão por parte da sociedade. Contudo, esse autor continua esperando que sejam tomadas as melhores decisões por parte dos poderes constituídos, de modo a se garantir que a reforma tributária sobre o consumo surta efeitos positivos à comunidade, ao lado de reformas que não devem ser esquecidas, tais como a reforma do Imposto sobre a Renda e a reforma administrativa.
II - Informativo
Censura avança
O STF na sessão do dia 12-6-2025 já formou a maioria de 7 votos pela inconstitucionalidade parcial do art. 19 do marco civil da Internet que determina a remoção de conteúdos nas plataformas digitais apenas após à determinação judicial.
Agora caberá a plataforma agir de ofício sob pena de responsabilização das redes sociais, isto é, transfere para as plataformas digitais a tarefa de censurar conteúdos reputados ilícitos (RE nº 1037396 (Tema 987) e RE nº 1057.258 (Tema 533)
Ministro Alexandre de Moraes invoca Stuart Mill
Durante a sessão de julgamento do dia 12-6-2025 em que se discutia a inconstitucionalidade do art. 19 do marco da Internet, o Ministro Alexandre de Moraes invocou o filósofo liberal Stuart Mill, contestando a interpretação deturpada do pensador liberal que jamais teria defendido a liberdade como um direito absoluto, apesar de colocar a liberdade de expressão como algo essencial, mas dentro de limites.
Seguro e fiança suspendem a exigibilidade do crédito tributário
A 1ª Seção do STJ, em sede de recursos repetitivos, firmou a tese de que a fiança bancária e o seguro garantia suspendem a exigibilidade do crédito tributário, desde que o valor da apólice supere 30% ao valor do crédito tributário sob cobrança, em obediência ao disposto no parágrafo único do art. 848 do CPC (Resp nº 2.037317/RJ; Resp nº 2007865/SP; Resp nº 2.037.787; e Resp nº 2.050.751/RJ)
Nicolas Ferreira pagará indenização por transfobia
A Ministra Maria Isabel Gallotti do STJ rejeitou o recurso do Deputado Federal Nicolas Ferreira, condenado pelo Tribunal mineiro a R$ 30.000,00 por danos morais por ter chamado a Deputada Duda Salabert de homem e teria prosseguido: “aburdo! chamei um homem de homem”.
Foi o suficiente para enquadrar Nicolas Ferreira como ofensor transfóbico (AResp nº 2.750.765).
Câmara aprova PL que permite o cancelamento online de contribuição sindical
Na sessão do dia 10-6-2025 a Câmara dos Deputados aprovou o projeto legislativo que revoga trechos da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei nº 5.452/1943) prevendo os mecanismos digitais de pedido de cancelamento de contribuição sindical (PL nº 1.663/2023)
O projeto seguiu para o Senado Federal.
SP, 16-6-2025.