I – Artigo

 

O TEMA DA MODULAÇÃO DE EFEITOS

Renan Clemente Gutierrez

Esse mini artigo busca tratar, sinteticamente, de um dos maiores problemas enfrentados pelos contribuintes nas disputas judiciais vencidas no âmbito da Suprema Corte: a modulação dos efeitos dos julgamentos, pautada em critérios econômicos-fiscais. Em breves linhas, a postura da Excelsa Suprema Corte tem, nas últimas décadas, esvaziado os ganhos dos contribuintes em disputas longas e milionárias com as Fazendas Públicas.

Sob o mando do chamado “consequencialismo jurídico” de segunda ordem, o julgador aplica critérios extrajurídicos para fundamentar as modulações de efeitos, pautados em argumentos tais como “efeitos nefastos desse julgamento para os Estados, com perdas de R$X bilhões (...)”. Portanto, o intuito dessa breve reflexão é demonstrar que tais decisões não podem carecer de critérios jurídicos.

É importante recorrer à legislação para começar a responder as premissas postas. Os artigos 20, da LINDB1; 27, da Lei nº 9.868/19992; 165, I, II, III e §2º3, da CF; 4º4 e 5º5 da LRF.

Tais artigos estão envolvidos na questão polêmica que se coloca frente às modulações de efeitos dos julgamentos da Suprema Corte, e auxiliarão no desenvolvimento e conclusão do tema.

Consequencialismo jurídico é um tema exclusivo do judiciário. Mas, fala-se, aqui, do seu ato de julgar. Quando se fala em consequencialismo jurídico, fala-se em método de tomada de decisão. O método utilizado para tomada de decisão é pautado em argumentos consequencialistas de segunda ordem, sendo a norma jurídica externamente considerada (ou seja, os efeitos ou implicações geradas partem de critérios valorativos determinantes na tomada de decisão.

O argumento de que determinado indébito tributário poderá levar o Estado à falência é sedutor. De fato, uma gama de contribuintes receber do Estado importâncias bilionárias, em detrimento da sociedade, parece um grave equívoco. É a direção que os julgados da Suprema Corte têm tomado nos últimos anos. Mas, ao defender esse ponto de vista, esquece-se do fato de que o Estado deve ser responsável com o orçamento. Esse é o mote.

No artigo 27, da Lei nº 9.868/1999, diz que é possível atribuir a chamada modulação de efeitos nos julgamentos, quando fundada na segurança jurídica e excepcional interesse social. Ocorre que, como sempre, o estudo das normas jurídicas deve ser sistêmico. Também estão positivadas normas que criam obrigações às pessoas políticas tributantes.

A falta de gestão de riscos pelo governo não está compaginada pelo ordenamento jurídico, pois o art. 165, I, II, III, §2º, lido em conjunto com os arts. 4º e 5º, ambos da Lei de Responsabilidade Fiscal, determinam que tais pessoas políticas devem se organizar para evitar eventuais contingências que podem enfrentar (dentre elas, derrotas em ações judiciais). Desse modo, ao ignorar tais comandos, as pessoas políticas tributantes acabam assumindo um risco em sua atividade. É o que houve, por exemplo, no caso da bilionária contenda, entre fisco e contribuintes, do Tema 69/STF.

O Anexo V da LDO de 2010 já apontada para a necessidade de tratar o tema com acuidade. Incrivelmente, após ignorar tais “avisos”, o prognóstico do Tema 69/STF continuou como “possível”, mesmo após a decisão de mérito daquele Recurso Extraordinário. Certamente, contava o Fisco Federal com o julgamento dos Embargos de Declaração, onde foram modulados os efeitos (a destempo de o Fisco sucumbir no que atine à discussão “ICMS destacado” x “ICMS efetivamente pago).

Evidentemente, o interesse social envolvido no cuidado com tais prognósticos é salutar. Envolveria redução de custos, de contencioso, de valores etc.

Pois bem.

O Direito Tributário tem o condão de garantir o federalismo e o Estado Democrático de Direito. Com isso, tem-se a repartição de competências tributárias e os primados da justiça fiscal e tributação justa, caminhando lado a lado, para a construção de um direito tributário atento às necessidades do Estado, mas sem esquecer-se das limitações na tributação, garantias de um Estado Democrático. Essa estrutura autoriza a tomada de decisões consequencialistas, pois nada pode, dentro da ordem constitucional vigente, ferir tais valores. Logo, se o Supremo Tribunal Federal, ao julgar um determinado tema, demonstrar que o argumento consequencialista efetivamente defende a geração de receitas do Estado, pautada no federalismo, e o modelo de Estado (democrático de Direito), acolhe-se modulações.

Contudo, não é o que se verifica: o que se verifica são argumentos consequencialistas irrefletidos, pautados em números colhidos sem o necessário debate. Atribui-se, aos contribuintes, o esvaziamento de suas decisões sem, contudo, dar-lhes o direito de enxergarem, cristalinamente, os fundamentos das referidas decisões.

Irrepreensíveis, portanto, os fundamentos esposados pelo Min. Marco Aurélio de Melo, no julgamento do RE 370.682: “De minha parte, pouco importando os interesses individuais e momentâneos em jogo, sufrago o entendimento, sempre e sempre, da preponderância da ordem jurídica. É o preço a ser pago em Estado Democrático de Direito, e é módico. Concluo pela ineficácia das decisões tal como proferidas”.

Os problemas decorrentes dos argumentos consequencialistas empregados pela Suprema Corte, nas últimas décadas, são os seguintes: (i) falta de critérios claros para modulações (questões levantadas por 1 ou 2 ministros e seguidas dos demais); (ii) menção superficial de prejuízos, sem fundamentar cabalmente a razão de aplicar modulação; (iii) produção de normas inconstitucionais; (iv) falta de critérios leva à judicialização e mais contencioso; (v) falta de fundamentação profunda dos arts. 27 da Lei nº 9.8681999e 927, CPC; (vi) aplicação fluída das hipóteses.

É evidente que tais problemas refletem em uma imensa insegurança jurídica (que desestabiliza o sistema) e na geração de distorções variadas: aumento do contencioso, falta de confiança nas instituições etc.

É importante consignar, por oportuno, que os direitos fundamentais não são apenas garantidos pela tributação. A ordem econômica é pautada na livre iniciativa e na livre concorrência, de modo que a tributação justa (elemento de um Estado Democrático de Direito) tem o condão de garantir às empresas saúde financeira, o que deve refletir na geração de empregos e investimentos para o Estado.

 

 II - Informativo

 INSS e banco condenados por fraude no empréstimo consignado

A 3ª Turma do TRF-6 manteve a condenação do INSS e de uma instituição financeira ao pagamento de danos materiais e morais, por descontos indevidos em benefício previdenciário decorrentes de fraudes no contrato de empréstimo consignado não autorizado (Proc. nº 0010122.65.2010.4.01.3813).

 OAB/MG suspende advogado

 O advogado mineiro, Eduardo Santos Simões de Almeida, foi suspenso preventivamente pela seccional mineira da OAB após ter sido preso em flagrante no dia 10-5-2025, acusado de ameaças e ofender dirigentes da OAB/ES durante uma fiscalização em Guarapari, onde o advogado atuava fora de sua seccional.

 A difal do ICMS não integra a base de cálculo do PIS/COFINS

 Dando sequência à onda de exclusões após o advento da tese do século, (Tema nº 69 de repercussão geral), a 2ª Turma do STJ decidiu pela exclusão do ICMS-Difal da base de cálculo do PIS/COFINS assegurando ao contribuinte a repetição do indébito (Resp nº 2.128.785).

Essa decisão uniformiza a jurisprudência, pois a 1ª Turma e a 2ª Turma que, agora, esposam o mesmo entendimento.

A decisão do STJ é definitiva, porque o STF entendeu que essa questão é de natureza infraconstitucional, conforme RE nº 1469440.

 Atos cooperativos não se submetem à recuperação judicial

 A 3ª Turma do STJ decidiu, seguindo o voto do Relator, Ministro Villas Bôas Cueva, que créditos decorrentes de contratos firmados entre a cooperativa de crédito e seus cooperados constituem atos cooperativos, razão pela qual esses créditos não estão abrangidos pelos efeitos da recuperação judicial (Resp nº 2.091.441 e Resp. nº 2.110.361).

 Inauguração de banheiro para pessoas ostomizadas no STF

O Presidente da polivalente Corte, Ministro Luís Roberto Barroso, na sessão plenária do dia 21-5-2025 anunciou com ponta de orgulho que havia inaugurado um banheiro para as necessidades de pessoas que usam bolsas de colostomia, dando execução ao programa de acessibilidade.

Na mesma sessão o Ministro Roberto Barroso anunciou a expansão do berçário da Corte dizendo em tom de brincadeira que a ampliação se deve ao “surto de fertilidade”.

Seguiu-se a sessão de piadas entre os alegres e descontraídos Ministros da ilustrada e pomposa Corte Suprema cravada na Praça dos Três Poderes.

 SP, 26-5-2025.

 

1 Art. 20 LINDB: nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
2 Art. 27, Lei 9.868: Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
3 Art. 165, CF: Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias;
III - os orçamentos anuais.
2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, estabelecerá as diretrizes de política fiscal e respectivas metas, em consonância com trajetória sustentável da dívida pública, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)
4 Art. 4º, LRF: A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2o do art. 165 da Constituição e: (...)
5 Art. 5º, LRF: O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar:
(...)
III - conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinada ao:
(...)
b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos.