Por Everardo Maciel*
Problemas existem em todos os sistemas tributários, em virtude de sua natureza intrinsecamente imperfeita combinada com elevada volatilidade das circunstâncias econômicas e políticas. O que muda é o tipo de problema.
As grandes discussões tributárias são, hoje, a taxação da economia digital, o enfrentamento da erosão tributária associada a paraísos fiscais e a identificação de novas fontes de financiamento da previdência social.
No âmbito da taxação da economia digital, a União Europeia não hesitou em cogitar um imposto sobre a receita bruta das empresas de economia digital, de caráter cumulativo para surpresa dos que professam o dogma da não cumulatividade.
De igual forma, a OCDE começa a admitir a tributação na fonte em lugar da residência, por força do crescente esvaziamento do conceito de estabelecimento permanente.
Tudo isso decorre da evidência de que sistemas tributários devem ser pragmáticos e resilientes para enfrentar uma revolução tecnológica, cada vez mais veloz. Quem não entender essa realidade vai ficar para trás.
Aqui, permanecemos em debate estéril sobre modelos tributários que vão se tornar obsoletos, sem cuidar dos verdadeiros problemas e, muito menos, olhar para a frente.
Alguns preferem o copismoindolente, em que se abdica de pensar. Parafraseando Nelson Rodrigues, complexo de vira-latas não se improvisa. É obra de séculos.
O principal problema tributário é o litígio permanente que fulmina a segurança jurídica, inclusive para o fisco.
Os litígios, compreendendo a dívida ativa e os contenciosos administrativo e judicial dos entes federativos, alcançam valores superiores à metade do PIB brasileiro. Eles só incidentalmente se associam à natureza dos tributos. Na essência, dizem respeito ao processo.
Há três fontes de litígio: o lançamento sem culpa, o questionamento da matéria tributária pela via do controle difuso de constitucionalidade e a grande indeterminação de alguns conceitos.
A legislação processual tributária brasileira é demasiado claudicante. Sequer temos normas gerais de processo tributário.
Autos de infração insubsistentes não geram custo para o Estado, porém infernizam a vida do contribuinte, envolvendo desde danos reputacionais até custos advocatícios, daí passando à exigência de vultosas garantias na esfera judicial.
Não raro me deparo com autos de infração de bilhões de reais. Não é crível que uma empresa, com ações em bolsa, pratique evasão fiscal desse porte. Trata-se apenas de um sintoma de gravíssima doença processual, que fulmina a pretensão de investir.
Para enfrentar esse delírio fiscal, os tributaristas Gilberto Ulhoa Canto, Geraldo Ataliba e Gustavo Miguez de Mello conceberam, há décadas, a integração entre os processos tributários administrativo e judicial, de que resultariam equiparação de forças entre o fisco e o contribuinte, sucumbência na hipótese de insubsistência do auto de infração, eliminação da exigência de garantias em recursos e, por consequência, eliminação da execução fiscal judicial, responsável por mais de 38% dos 80 milhões de processos em tramitação na Justiça brasileira. Em outras palavras, uma revolução.
As teses sobre inconstitucionalidades tributárias, quando suscitadas em primeira instância, geram processos que podem se arrastar por décadas para, afinal, resultar em incontornáveis problemas arrecadatórios, sem falar da possibilidade de quebra de isonomia por repercussões diferenciadas sobre contribuintes.
Esse é um problema que demanda muita criatividade para ser resolvido. Uma pista seria a instituição de um incidente de constitucionalidade que remetesse decisões de primeira instância diretamente para o STF.
Quanto à indeterminação conceitual, os mais relevantes problemas estão vinculados aos limites do planejamento tributário e à presunção de dano ao erário. Em ambos os casos, é visível que se fundam em legislações obscuras e lacunosas que dão a lugar a esdrúxulas arbitrariedades. O espantoso é que nada se faz para corrigir essas distorções.
* Consultor tributário. Ex Secretário a Receita Federal. Associado fundador e membro do Conselho Superior de Orientação do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.
Artigo publicado no Estadão em 06/02/2020