Portugal carece, no domínio dos direitos do consumidor, não de leis avulsas, esparsas, com repetições à exaustão, complexas, ininteligíveis, numa prolixidade sem limites…

Há leis que se repetem, se anulam, com clamorosas omissões, inadequadas aos tempos que correm (a Lei Penal do Consumo data de 20 de Janeiro de 1984 e desajustada se acha perante os atropelos contra a economia e os interesses económicos dos consumidores que se vêm dia-a-dia perpetrando)…

Há normas semelhantes numa miríade de diplomas. Que se cingidas, em texto único, poupariam resmas de papel aquando da sua impressão.

Importaria se fizesse, entre nós, um esforço em ordem à codificação dos textos que surgem em supetão e se vão acumulando à medida que se vai legislando.

Menos leis, melhor lei”, vem-se proclamando, em vão, um pouco por toda a parte.

Já houve uma tentativa de codificação no tempo da ministra Elisa Ferreira, no Governo de António Guterres.

O anteprojecto de Código do Consumo (que o saudoso Jorge Pegado Liz tanto criticara e, com ele, uma plêiade de jurisconsultos de nomeada, designadamente osprivatistas) levou 10 anos no seu estranhíssimo processo gestacional e mais 4 para as ‘correcções’ a que Fernando Serrasqueiro, ao tempo secretário de Estado da Defesa do Consumidor, entendera fazer (e bem) oportuno e conveniente “veto de gaveta”…

O texto apresentado era, com efeito, algo de inaproveitável, francamente medíocre e passível de ampla reprovação.

Um péssimo serviço prestado a Portugal e aos portugueses a merecer um forte juízo de censura.

Uma singular oportunidade que de todo se desperdiçou. E comprometeu, aliás, decisivamente o futuro. Não mais se equacionou a hipótese de se ensaiar algo do estilo.

Com uma tal manobra se queimou uma hipótese de ouro de dotar o país de um Código que eliminaria as excessivas leis avulsas que se foram, entretanto, ao longo dos anos, avolumando.

A necessidade de um Código de Direitos do Consumidor é cada vez mais instante. Sente-se essa precisão cada dia que passa.

Fez exactamente agora, a 26 de Julho de 2023, 30 anos que o Código francês do Consumo (‘Code de la Consommation’) foi publicado. Um código-compilação (e “a direito constante”, isto é, “aberto a actualizações”), inteiramente ajustado às realidades, que resolveu o problema da França neste particular.

Um Código-compilação, que não de raiz, pela morosidade de feitura, susceptível de nele caberem as permanentes actualizações a que o regime está sujeito, que eliminou as excrescências, reduziu os textos ao essencial, e serve à maravilha os objectivos que numa condensação legislativa se entrevêem.

Outros Códigos há pela Europa. Com maior ou menor dimensão. Como ainda no Brasil (1990), que se tornou país pioneiro neste domínio. Com um Cõdigo recheado de princípios que em concreto há que preencher passo a passo. Mas que constituiu uma autêntica revolução no dom´no do direito privado no País-Continente que o Brasil de todo é.

É hora de se retomar, entre nós, o caminho de uma codificação, desta feita com cautelas para que seja de todo bem sucedida.

Cremos que em 5 meses seria possível ter um texto decente cá fora. Não em cinco anos, menos ainda em 10 ou 15…

Mas impõe-se, a todos os títulos, que a codificação avance. Que só assim os consumidores terão ao seu alcance algo de manifesto interesse para o seu dia-a-dia.

Se se entender ficar só pelo regime dos contratos de consumo – e tantos são os contratos típicos disciplinados também de modo avulso – ficaríamos todos de todo o modo a ganhar…

O Governo ainda se pode redimir pelo nada que tem feito pelos consumidores que se movem nestes espaços.

Quarenta e dois anos se cumprirão em 22 de Agosto sobre a publicação da primeira lei de defesa do consumidor (1981).

Vinte e sete anos sobre a que veio a lume a 31 de Julho de 1996.

É tempo! É hora!

É tempo de clamar, uma vez mais, por um Código de Direitos do Consumidor (ou tão só, de um Código deContratos de Consumo), elaborado de forma escorreita e sã!

Alguma objecção?

Urge!

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -, Portugal