Everardo Maciel*
Uma poderosa coligação de fatos e interesses promoveu, açodadamente e mediante manobra de interpretação regimental, a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Substitutivo à PEC 45, que pretende reformar a tributação do consumo no Brasil.
Essa coligação envolveu um robusto financiamento empresarial a estudos, pareceres e peças de propaganda, o livramento de importantes setores da economia da sujeição à certamente elevada alíquota padrão, também qualificada como maldita, do novo imposto e consequente remoção de restrições à proposta, e, às vésperas da votação do Substitutivo,a liberação (R$ 8,5 bilhões) de emendas parlamentares, dotada de forte poder de convencimento. Tudo isso combinado com o desconhecimento da matéria por parte de ampla parcela da sociedade brasileira.
Alegou-se, em favor da proposta, a redução da litigiosidade. Se o capítulo tributário da Constituição de 1988 dobrou o número de palavras em relação à de 1967, o Substitutivo consegue a proeza de elevar essa relação para cerca de 3,5 vezes. Essa constatação nos habilita a postular um registro no livro de recordes do Guiness. Cada palavra nova é uma fonte potencial de litígio no moroso processo tributário brasileiro.
Sem pretender esgotar a identificação de virtuais novos litígios, tome-se a proposta de criação de um imposto seletivo a incidir sobre a “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei”. Sal, açúcar, margarina, gordura, refrigerantes, por exemplo, estão incluídos entre os que fazem mal à saúde? E produtos, como ovos, com avaliação mutável em relação aos malefícios à saúde? Plásticos, combustíveis fósseis, extração madeireira e, por sua presumida responsabilidade no aquecimento global, a atividade pecuária e a produção de cimento e aço, por exemplo, devem ser tidos como prejudiciais ao meio ambiente? Receio que não haverá regramento capaz de prevenir contenciosos.
É proposta a criação de vários fundos de natureza compensatória ou não, sem clareza quanto à fonte de financiamento (aumento de carga tributária ou endividamento público?) e aos critérios de partilha. São previsíveis os danos à coesão federativa.
Resta esperar que o Senado examine e corrija essas e muitas outras inconsistências. Como ensinou Nabuco: “O reformador em geral detém-se diante do obstáculo; dá longas voltas para não atropelar nenhum direito; respeita, como relíquias do passado, tudo que não é indispensável alterar”.
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Consultor tributário e ex Secretário da Receita Federal