RÁDIO VALOR LOCAL
De um ouvinte de Coimbra, que não pretende ser identificado, até porque diz estar envergonhado e, apesar dos seus 76 anos, está no pleno gozo das suas faculdades mentais, a consulta que segue:
“Ontem precisei de tinteiros para a impressora do PC, fui à Worten e vim de lá com contrato feito, sem saber o que tinha feito. Não me foi explicado que estava a firmar um contrato de um ano, renovável. Não me explicaram, como deviam, o que estava em causa. Só me disseram, temos uma modalidade em que o sr. compra os tinteiros, e pode recarregá-los gratuitamente por três vezes durante um ano. Pareceu-me bom negócio, admito que o seja, embora não sejam tinteiros com a garantia da fábrica HP. Pediram documentos e eu dei-lhos, na minha boa fé. Afinal, foi usado uma assinatura digital, nem sei o que isso é.
Não quero desistir, acho, pois parece-me que fico a ganhar, podendo encher os tinteiros 3 ou 4 vezes por ano. Só fiquei danado, quando vim ao e-mail e vi que tinha assinado contrato e tudo, sem disso dar conta. Foi mesmo surpresa.
Estou cada vez mais burro, mais confiante nas pessoas, não aprendo nada...
Gostava de, por isso, chamar a atenção dos daWorten. Que falhas posso indicar?”
MF
A INFORMAÇÃO
ESTÁ NO CORAÇÃO
DE UMA SÃ NEGOCIAÇÃO:
A DA FRANCA COROAÇÃO
(E NÃO É QUE É?)
DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Com efeito, conquanto possam ser ignoradas, designadamente pelas grandes insígnias, há regras que têm de ser escrupulosamente observadas, sob pena de consequências negativas para quem as manda às urtigas.
Em primeiro lugar, importa significar que o artigo 9.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, em ordem à protecção dos interesses económicos do consumidor, reza no seu n.º 1, o seguinte:
“O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa-fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.”
Importa, depois, conferir o n.º 1 do artigo 8.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, sob a epígrafe:
Direito à informação em particular
1 - O fornecedor… deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objectiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, nomeadamente sobre:
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As características principais dos bens ou serviços, tendo em conta o suporte utilizado para o efeito e considerando os bens ou serviços em causa;
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A identidade do fornecedor de bens ou prestador de serviços, nomeadamente o seu nome, firma ou denominação social, endereço geográfico no qual está estabelecido e número de telefone;
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Preço total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos, os encargos suplementares de transporte e as despesas de entrega e postais, quando for o caso;
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Modo de cálculo do preço, nos casos em que, devido à natureza do bem ou serviço, o preço não puder ser calculado antes da celebração do contrato;
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A indicação de que podem ser exigíveis encargos suplementares postais, de transporte ou de entrega e quaisquer outros custos, nos casos em que tais encargos não puderem ser razoavelmente calculados antes da celebração do contrato;
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As modalidades de pagamento, de entrega ou de execução e o prazo de entrega do bem ou da prestação do serviço, quando for o caso;
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Sistema de tratamento de reclamações dos consumidores pelo profissional, bem como, quando for o caso, sobre os centros de arbitragem de conflitos de consumo de que o profissional seja aderente, e sobre a existência de arbitragem necessária;
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Período de vigência do contrato, quando for o caso, ou, se o contrato for de duração indeterminada ou de renovação automática, as condições para a sua denúncia ou não renovação, bem como as respectivas consequências, incluindo, se for o caso, o regime de contrapartidas previstas para a cessação antecipada dos contratos que estabeleçam períodos contratuais mínimos;
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A existência de garantia de conformidade dos bens, dos conteúdos e serviços digitais, com a indicação do respectivo prazo, e, quando for o caso, a existência de serviços pós-venda e de garantias comerciais, com descrição das suas condições;
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A funcionalidade dos bens com elementos digitais, conteúdos e serviços digitais, nomeadamente o seu modo de utilização e a existência ou inexistência de restrições técnicas, incluindo as medidas de proteção técnica, quando for o caso;
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Qualquer compatibilidade e interoperabilidade relevante dos bens com elementos digitais, conteúdos e serviços digitais, quando for o caso, com equipamentos e programas informáticos de que o fornecedor ou prestador tenha ou possa razoavelmente ter conhecimento, nomeadamente quanto ao sistema operativo, a versão necessária e as características do equipamento;
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As consequências do não pagamento do preço do bem ou serviço.”
Se acaso quiser impugnar o contrato (quase imposto, se não mesmo forçado, ainda que dissimuladamente), eis o que diz a lei, no n.º 4 do seu artigo 8.º, algo que parece ser ignorado pela generalidade dos consumidores e dos operadores económicos:
“Quando se verifique falta de informação, informação insuficiente, ilegível ou ambígua que comprometa a utilização adequada do bem ou do serviço, o consumidor goza do direito de retractação do contrato relativo à sua aquisição ou prestação, no prazo de sete dias úteis a contar da data de recepção do bem ou da data de celebração do contrato de prestação de serviços.”
Por conseguinte, nos sete dias subsequentes à compra poderá pôr termo a esse acto, na forma de contrato imposto, que a ninguém é lícito aceitar o que dissimuladamente se faz com vantagens da contraparte porque arrecada mais uns cobres. E… “grão a grão”, como diz o povo e com razão, enche a galinha o papo”!
“De bocadinho em bocadinho faz seu ninho o passarinho”(adaptação de “petit-à-petit l’ oiseaufaitsonnid”). Assim é com o manancial de lucros facturados.
É de uma estranha cultura empresarial que se trata!
RVL
“A revolta de uma ouvinte octogenária, de Leiria, contra o ‘namoro’ que fazem a quem está em casa e em lares de idosos, pessoas naturalmente mais velhas e desempregadas, a que concorram aos dinheiros dos 761 100 300…
A RTP já acabou com isso, mas a televisão do Senhor Francisco Balsemão e a do Senhor Mário Ferreira matraqueiam as pessoas, dia e noite com isso e, então, nos fins-de-semana são um martírio e há muita gente a embarcar neste logro e no paleio dos apresentadores, como a Cristina Ferreira, que grita até ferir os ouvidos de quem a ouve, e do João Baião e da Diana Chaves. Estes estiveram, no outro dia, a
Não se pode fazer nada contra esta pouca vergonha?”
MF
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Assédio é, segundo os dicionários, “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém.” E assediar significa perseguir com propostas, sugerir com insistência; ser inoportuno ao tentar obter algo; molestar; abordar súbita ou inesperadamente.
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É vulgar ouvir-se falar de assédio no plano sexual, como no moral, mas a figura surge na primeira metade da década de 2000, sob novos influxos, no domínio do direito contratual do consumo com absoluta pertinência e justificação. Como surgira já, aliás, no plano da proibição da discriminação, mormente com reflexos na esfera negocial, ex vi Lei 14/2008, de 12 de Março, resultado, aliás, da transposição da Directiva 2004/113, de 13 de Dezembro, que define, no plano de que se trata, assédio, como segue:
“todas as situações em que ocorra um comportamento indesejado, relacionado [ou não] com o sexo de uma dada pessoa, com o objectivo ou o efeito de violar a sua dignidade e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo”.
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Sem referir obviamente o Código do Trabalho ou o Código Penal que, no seu âmbito, recortam o conceito para os fins específicos em tais acervos consignados.
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Lei editada em Portugal a 12 de Fevereiro do ano transacto (a Lei 12/2019), estende a disciplina do assédio ao arrendamento urbano para habitação (locação de imóveis urbanos, como institucionalmente se consagra no Brasil), em
cujo artigo 2.º adita ao Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano uma norma com a redacção que segue, sob a epígrafe “Proibição de assédio”
“É proibido o assédio no arrendamento ou no subarrendamento, entendendo-se como tal qualquer comportamento ilegítimo do senhorio, de quem o represente ou de terceiro interessado na aquisição ou na comercialização do locado, que, com o objectivo de provocar a desocupação do mesmo, perturbe, constranja ou afecte a dignidade do arrendatário, subarrendatário ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado, os sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante, desestabilizador ou ofensivo, ou impeça ou prejudique gravemente o acesso e a fruição do locado.”
Ponto é que se esquadrinhe e se asseste o conceito, subsumindo-o no seu quadro próprio, que é o das relações jurídicas de consumo. Aliás, como decorre de uma das hipóteses, considerada agressiva em qualquer circunstância, a
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saber, a de “contactar o consumidor através de visitas ao seu domicílio, ignorando o pedido daquele para que o profissional parta ou não volte …”
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Ora, o assédio coarcta a liberdade de consentimento e, nos termos legais, conduz à anulabilidade do negócio jurídico de que se trata.
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Aliás, na esteira da proibição do assédio se acha ainda, no domínio das comunicações electrónicas, a proibição das comunicações electrónicas não solicitadas, a saber, o denominado spam, recoberto pela Directiva da Protecção da Privacidade nas Comunicações (Directiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002).
A INFLUÊNCIA NDEVIDA
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De harmonia com a conceituação formulada no glossário da Directiva das Práticas Comerciais Desleais, “influência indevida” é
“a utilização pelo profissional de uma posição de poder para pressionar o consumidor, mesmo sem recurso ou ameaça de recurso à força física, de (tal) forma que limite significativamente a capacidade de o consumidor tomar uma decisão esclarecida”.
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Com Alain A. LEVASSEUR se pode, na perspectiva do direito dos Estados Unidos, significar que: “um contrato é susceptível de anulabilidade se uma das partes tiver agido no quadro do império da influência abusiva do seu co-contratante ou sob um constrangimento excessivo.
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Tendo os tribunais da CommonLaw adoptado uma concepção demasiado restrita da noção de duress, é aos tribunais d’equity que se deve a existência desta forma de vício do consentimento – a undueinfluence–, cujo objectivo é o de restabelecer uma sorte de equilíbrios económicos entre as partes.
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Este vício do consentimento pode existir em duas situações muito bem definidas.
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A primeira tem em conta as relações particulares de confiança que podem existir entre ambas as partes, assim, p. e., entre marido e mulher, médico e paciente, ministro de culto e crente, advogado e cliente, etc.
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No segundo caso, uma parte pode desfrutar de uma grande influência psicológica sobre a outra parte por causa da sua posição social, económica ou outra e exercer por isso mesmo o poder de persuadir esta outra parte a celebrar o contrato.
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No primeiro, como no segundo casos, convirá estabelecer que a vítima era susceptível de ser influenciada por causa de certas fraquezas, psicológicas ou físicas, por exemplo, que a ocasião se apresentou a um contratante para influenciar o seu co-contratante, que a vítima não pode obter o conselho de outrem e, enfim, que há um desequilíbrio marcado nas obrigações a que se devem as partes.”
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As disposições que ora regem domínio como o presente integram a directiva da publicidade enganosa, aplicando-se a outras práticas comerciais, nomeadamente à fase pós-contratual.
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É, v.g., enganoso defraudar os consumidores no que se prende com os resultados do produto, tais como a perda de peso, o crescimento dos cabelos ou uma melhoria das prestações do respectivo utilizador.
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A noção de “influência indevida” surge no direito dos contratos forjado nos Estados Unidos da América. E tem hodiernamente projecção no Direito Continental, na Europa, mormente no Espaço Económico Europeu, sob o influxo da União Europeia e no âmbito do Direito do Consumo.
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E nem sempre se tem a percepção nem do instituto nem do seu sentido e alcance no quadro da disciplina do consentimento.
EFEITOS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
1 - O consumidor tem direito à redução adequada do preço ou à resolução do contrato relativamente aos produtos adquiridos por efeito de uma prática comercial desleal.
2 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos no número anterior, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o consumidor lesado por efeito de alguma prática comercial desleal, nos termos do presente decreto-lei, é ressarcido nos termos gerais.
INDEMNIZAÇÃO
Pelos danos colectivos causados é possível o ressarcimento através de uma acção colectiva ressarcitória.
SANÇÕES
Constitui contra-ordenação económica grave o ilícito cometido com qualquer dos ingredientes assinalados com uma moldura que depende do talhe, da dimensão da empresa, no caso de comunicação social.
RVL
De uma ouvinte de Montemor- o - Velho, que não pretende ser identificada, a seguinte consulta:
“Ofereceram-me uns brincos de ouro com um vale de troca se deles não gostasse.
O vale de troca foi obviamente emitido pela ourivesaria.
Quando lá cheguei para trocar, o ourives – sem qualquer cerimónia – ousou dizer que não poderia efectuar a troca porque, depois de o produto sair a porta da ourivesaria, ao regressar era já ouro em segunda mão.
Claro que houve outros episódios, que não vêm agora ao caso.
A pergunta é: casos destes, de tão flagrante má-fé, não tem uma resposta adequada do direito?”
MF
Apresentámos este caso, em primeira mão, numa Conferência promovida sexta-feira última, num importante evento comemorativo do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, promovido pela Câmara Municipal de Tomar, em que esteve presente a presidente da Câmara, Dr.ª Anabela Freitas, a Directora-Geral do Consumidor, Dr,ª Ana Catarina Fonseca, o antigo quadro dirigente do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, Dr. Mário Beja Santos, o Director do CNIAC – Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Consumo, Dr. Fernando Viana e a subdirectora do Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbra, Dr.ª Ângela Frota, para além do Presidente do Instituto Politécnico de Tomar e do Presidente da Associação de Marketing Directo, Dr. João Novais de Paula.
E a resposta que démos foi-o até em verso:
E depois de oferecidos
Co’ uma promessa de troca
Os brincos são devolvidos
E há recusa “à matroca”
E que justificação?
Que depois de experimentados
É ‘ouro em segunda mão’…
Sem poder ser retomados
E assim disse o vilão
Com tremendo desrespeito
Por quem lhe vem dando o pão
E contra o que é de direito
Que coisas estranhas sinto
Nas várzeas do arroz Carolino
De onde é ‘Fernão Mentes Minto’
E de coisas de teor sibilino…
Analisando juridicamente, estaremos ou perante um contrato a contento ou sujeito a prova ou um contrato misto, desde que nisso tenha assentido o consumidor, adquirente originário.
Importa saber de que contrato se trata: se de venda a contento, se sujeita a prova, se de um outro qualquer modelo negocial.
Neste caso, parece tratar-se de um contrato híbrido, misto de contrato a contento com a faculdade de troca por força do princípio da autonomia da vontade
Recortemos de imediato as hipóteses mais frequentes.
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Venda a contento ou “ad gustum” (a gosto)
É a que é feita sob reserva de a coisa agradar ao consumidor; e apresenta-se sob duas modalidades:
. a primeira, como mera proposta de venda;
. a segunda, como contrato susceptível de se lhe pôr termo, se acaso a coisa não agradar ao consumidor.
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A proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao consumidor, este se não pronunciar dentro do prazo da aceitação ( 8, 15 dias, o que for…).
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Neste caso, não haverá pagamento porque não há contrato, mas mera proposta contratual: pode haver uma qualquer entrega equivalente ao preço, a título de caução.
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Devolvida a coisa, restituir-se-á na íntegra a caução.
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Se as partes acordarem sobre os termos da extinção do contrato, isto é, sobre a faculdade de ao contrato se pôr termo se a coisa não agradar ao comprador, fixar-se-á um prazo razoável para tal, se nenhum for estabelecido pelo contrato ou, no seu silêncio, pelos usos “comerciais” (que apontavam, de ordinário, para oito dias).
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A devolução da coisa obriga à restituição do preço, na íntegra, de imediato, sob pena de o vendedor incorrer em mora.
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Venda sujeita a prova
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Considera-se feita sob a condição (suspensiva) de a coisa ser idónea para o fim a que se destina e ter as qualidades garantidas pelo vendedor (a produção dos efeitos do negócio subordina-se a um acontecimento futuro e incerto: o par de ténis só se comprará se servir ao aniversariante).
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A venda pode estar sujeita a uma condição resolutiva, ou seja, aquela segundo a qual as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a extinção do contrato (p. e., se a coisa não servir ou não ficar bem ao filho, o contrato extingue-se).
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Não sendo o resultado da prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo (prova feita dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos comerciais), a condição tem-se por verificada quando suspensiva (isto é, o negócio produz os seus efeitos normais) e por não verificada quando resolutiva (o negócio extingue-se): extinguindo-se o negócio, devolve-se a coisa e restitui-se o preço.
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Não se admite na circunstância que o comerciante se arrogue o “direito” de embolsar a quantia se, num dado lapso de tempo, o consumidor se não decidir por qualquer produto do seu estabelecimento: é de enriquecimento sem causa que se trate, sem prejuízo de a coisa caber na moldura de um qualquer ilícito criminal (o do abuso de confiança).
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Em caso de dúvida, diz a lei, presume-se que é de mera proposta contratual que se trata.
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Mas pode cruzar-se o regime de cada um destes contratos com a faculdade de troca desde que o consumidor esteja ciente dos efeitos e do “regime” do negócio de sue se trata, por força do artigo 405 do Código Civil:
“1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.”
EM CONCLUSÃO
a. A venda a contento (sob reserva de a coisa agradar a terceiro), se se frustrar, importa a devolução da coisa e a restituição da caução (no caso de mera proposta contratual) ou do preço (havendo já contrato) [Código Civil: art.ºs 923 s].
b. A venda sujeita a prova importa de igual modo a devolução da coisa e a restituição do preço se se tratar de condição segundo a qual o contrato se extingue se a prova de todo não resultar [Código Civil: art.º 925].
c. Em caso de dúvida, é de simples proposta contratual que se trata [Código Civil: art.º 926].
d. A retenção ou, o que é mais, a apropriação indevida do preço constitui locupletamento ilícito (enriquecimento sem causa) senão mesmo um ilícito de natureza criminal (abuso de confiança) [Código Civil: art.ºs 473 ss; Código Penal: art.º 205, respectivamente].
e. No caso, é de venda sujeita a prova com a faculdade de troca do produto, nos termos do princípio da autonomia da vontade, da liberdade contratual.
RVL
DÍVIDAS: DO TÉDIO AO ASSÉDIO…
NÃO SE PASSA NADA: É O TÉDIO
MUDAM-SE ENTÃO AS CIRCUNSTÂNCIAS
E É UM PASSO ATÉ AO ASSÉDIO
SE NÃO SE RECORRER ÀS INSTÂNCIAS
De um ouvinte de Abrantes, que pretende preservar o anonimato:
“Renegociei uma dívida por ter dificuldade em suportar as condições originais do crédito contraído. E estabeleceu-se um prazo de pagamento entre 1 a 8 de cada um dos meses.
Antes ainda e durante o prazo sou martirizado pela empresa de cobrança que não me larga com ameaças de que terei de pagar na hora, com telefonemas contínuos tanto para mim como para a minha mulher, o que torna insuportável a vida e nos não deixa sequer disposição para o trabalho.
Que meios terei ao meu dispor para evitar tamanha pressão?”
Cumpre apreciar e emitir parecer:
MF
1. Uma conduta como a que a ouvinte descreve mais não é do que uma prática agressiva, prevista, de resto, na Lei das Práticas Comerciais em vigor e que data de 26 de Março de 2008. E uma situação de patente abuso de direito.
2. Prática agressiva é a que prejudica ou é susceptível de prejudicar significativamente, devido a assédio, coacção ou influência indevida, o comportamento do consumidor em relação a uma dada situação.
3. Ora, o assédio é “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém.”
E assediar mais não é do que “perseguir com propostas, sugerir com insistência; ser inoportuno ao tentar obter algo; molestar; abordar súbita ou inesperadamente”.
4. O assédio entrou para a galeria do Direito do Consumo com a Directiva das Práticas Comerciais Desleais emanada do Parlamento Europeu em 11 de Maio de 2005 e transposta para o direito pátrio em 26 de Março de 2008.
5. Da Lei das Práticas Comerciais Desleais não consta a definição de assédio.
6. A Lei Contra a Discriminação em Função do Sexo de 12 de Março de 2008 define, porém, assédio como “todas as situações em que ocorra um comportamento indesejado, relacionado com o sexo de uma dada pessoa, com o objectivo ou o efeito de violar a sua dignidade e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo.”
7. A Lei das Práticas Comerciais Desleais considera como agressivas, entre outras:
o contactar o consumidor através de visitas ao seu domicílio, ignorando o pedido daquele para que o profissional parta ou não volte, excepto em circunstâncias e na medida em que tal se justifique para o cumprimento de obrigação contratual;
o fazer solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, telecópia, correio electrónico ou qualquer outro meio de comunicação à distância, …
8. Claro que as excepções terão de se enquadrar em condutas com conta, peso e medida.
9. Outros ordenamentos, como o brasileiro, dispõem de regras especiais no que toca aos actos de cobrança:
“Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”
E, no caso, vai mais longe, já que comina com pena de três meses a um ano de prisão e multa quem “utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coacção, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorrectas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.”
10. O que quer significar que não poderá o devedor
• ser exposto a ridículo e a um qualquer constrangimento (a saber, quando, p. e., o credor divulgue a divida a outra(s) pessoa(s) além do devedor, como a vizinhos, amigos…);
• ser submetido a ameaças;
• receber informações falsas; e
• haver interferências no trabalho, lazer ou descanso;
• ser submetido a renegociações de dívida de má-fé.
11. Eis uma das práticas coercivas hoje mais comuns:
• O credor contrata empresa de cobrança que, na tentativa de coagir o devedor a pagar a dívida, liga para a residência, para o telefone móvel, para o trabalho, para os seus familiares…! Ligações feitas de madrugada, aos fins-de-semana, nos dias festivos…
12. O assédio pode configurar um crime, de harmonia com o desenho que dele traça o Código Penal, desde que haja habitualidade ou reiteração, que não meros actos isolados.
Eis o que reza no artigo 154.º-A do Código Penal, sob a epígrafe “perseguição”
“1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - A tentativa é punível.
3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
5 - O procedimento criminal depende de queixa.”
13. O assédio pode ainda revistar um ilícito de mera ordenação social, classificado como “grave”, passível de coima com a seguinte amplitude:
Contra-ordenação grave:
Tratando-se de pessoa singular, de 650,00 a 1 500,00 €;
Tratando-se de microempresa [até 10 trabalhadores], de 1 700,00 a 3 000,00 €;
Tratando-se de pequena empresa [de 10 a 49], de 4 000,00 a 8 000,00 €;
Tratando-se de média empresa [de 50 a 249], de 8 000,00 a 16 000,00 €;
Tratando-se de grande empresa [de 250 ou mais], de 12 000,00 a 24 000,00 €.
Para além da responsabilidade, susceptível de ser assacada aos “pretensos credores”, pelos danos morais [não patrimoniais], nos termos da LDC – Lei de Defesa do Consumidor: artigo 12.
Deve, pois, accionar a empresa de cobrança, no caso, perante a entidade reguladora, recorrendo, em simultâneo, a um tribunal de conflitos de consumo ou a um julgado de paz, exigindo reparação pelos danos morais causados, o que se tem como elementar em homenagem à dignidade de todos e cada um.