E com tanta gente branda
Canga ao pescoço e viseira
Submissa à propaganda…
Dá cidadãos de terceira
Consumidores de terceira
Sem intrépida reacção
São de si fraca bandeira
P’ró orgulho da Nação
Em vésperas do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, o sentimento que nos invade é de profunda perplexidade e decepção.
Portugal não tem consabidamente uma política de consumidores.
O esquálido e informe programa do Governo é uma autêntica manta de retalhos, sem nexo nem plexo.
O Governo navega mal, com significativos retardamentos e à vista…
Vide o que ocorre com os preços dos produtos alimentares:informação e contra-informação à solta, a perturbar a inteligibilidade da situação, semcabal solução para os desvarios subsistentes que pesam na bolsa de cada um.
E em que tende a ignorar-se que ‘sem quaisquer freios’ o sistema é o de “concorrência perfeita”: preço é o resultado do livre jogo da oferta e da procura.
Como, de resto, sucedera, em pleno estado de emergência de saúde pública com os produtos de higiene e saúde e os equipamentos de protecção individual: com os oxímetros que custavam 4,50 € a serem oferecidos a mais de 70€…
Só muito mais tarde surgiram medidas de contenção, a sofrear os ímpetos especulativos do mercado.
Em razão de uma tal emergência, ao deflagrarda guerra no Leste Europeu, já a inflação “dava ares da sua graça”…
Uma qualquer política de consumidores envolve: formação, informação, protecção.
Pressupostos em termos metodológicos:leis simples, descodificadas, ao alcance de quem quer e estruturas orgânicas que garantam o acesso à informação, à intermediação nos conflitos e à sua dirimição.
Portugal não cumpre a norma programática da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor (art.º 6.º) - da formação e da educação para o consumo:
. Nem inserção nos “curricula” escolares, de modo transversal e coordenado, de temas de educação para o consumo (ensinos básico e secundário);
. Nem Plano Nacional de Formação de Formadores;
. Nem Plano Nacional de Formação de Técnicos Especializados;
. Nem Programa de Acções de Educação Permanente e de Sensibilização para os Consumidores em geral e para os segmentos hipervulneráveis;
. Nem Programas de Carácter Educativo no Serviço Público de Radiodifusão Áudio e Audiovisual;
. Nem o recurso às Redes de Mundiais de Informação.
Portugal não cumpre a norma imperativa da Lei-Quadro (art.º 7.º) –da informação aos consumidores:
. Nem Serviços Municipais do Consumidor;
. Nem Conselhos Municipais de Consumo;
. Nem Bases de Dados e Arquivos Digitais do acervo de consumo, com informação geral e específica, restrita a técnicos como acessível de modo incondicionado aos consumidores;
. Nem brochuras explicativas que descodifiquem os, quantas vezes, ininteligíveis textos com que os poderes vêm brindando os cidadãos;
. Nem Programas de Informação no Serviço Público Áudio e Audiovisualpara promoção dos interesses e direitos do consumidor.
Portugal não cumpre a norma da Lei-Quadro (art.º 14) - a do direito a uma justiça acessível e pronta.
A quadrícula é mal servida, deficientemente dotada de estruturas tendentes conciliação, mediação e arbitragem de conflitos, com uma dualidade de meios alternativos de administração da justiça,sem que tribunais arbitrais e julgados de paz “afinem pelo mesmo diapasão” e sem estarem disponíveis em todas as circunscrições.
Em lugar de um secretário de Estado na Justiça (que de direitos fundamentais se trata), uma mescla urdida no seio do Turismo, Comércio e Serviços: num acabado exemplo de terceiro-mundismo galopante)… e com uma indisponibilidade de tempo e ineficiência notáveis!
Uma lástima!
Em lugar de codificação, dispersão normativa (leis plúrimas, prolíferas, prolixas…), inacessível e distante.
Em vez de estruturas harmónicas, meros arremedos em parte ínfima dos municípios (em Lisboa, Porto e Coimbra não há Serviços de Informação ao Consumidor).
Clamorosa falha nas estruturas de administração da justiça, como se revelou.
Eis o que o Governo oferece aos cidadãos-consumidores.
A Resolução do Parlamento de 28 de Junho de 2019 com recomendações ao Governo caiu em saco roto.
O Chefe de Estado também não parece ter acrescidas preocupações a tal propósito… os consumidores são desprezíveis e menosprezados!
Consumidores de todo o País:rebelai-vos, sem excessos, ante a iniquidade, a prepotência e a arbitrariedade!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal