Um Código de Direitos do Consumidor enxuto, por contraposição a um emaranhado de leis pluriformes, prolíferas, prolixas, eis o que de há muito se exige, sem sucesso, porém.

Um exemplo:

Conteúdos digitais dispensados e debitados à revelia do consumidor.

Dispositivos que, de modo esparso, se aplicam a uma tal factualidade:

Lei 24/96: n.º 4 do art.º 9.º

Direito à protecção dos interesses económicos

“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”

DL 57/2008: art.º 28

Fornecimento de bens não solicitados

“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens, água, gás, electricidade, aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor, excepto no caso de bens ou serviços de substituição fornecidos em conformidade com o n.º 4 do artigo 19.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.”

Lei 24/96: art.º 9.º-A

Pagamentos adicionais

1 - Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o fornecedor de bens ou prestador de serviços tem de obter o acordo expresso do consumidor para qualquer pagamento adicional que acresça à contraprestação acordada relativamente à obrigação contratual principal do fornecedor de bens ou prestador de serviços.

2 - A obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais.

3 - Quando, em lugar do acordo explícito do consumidor, a obrigação de pagamento adicional resultar de opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o pagamento adicional, o consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.

4 - Incumbe ao fornecedor de bens ou prestador de serviços provar o cumprimento do dever de comunicação estabelecido no n.º 2.

5 - O disposto no presente artigo aplica-se à compra e venda, à prestação de serviços, aos contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais de água, gás, electricidade, comunicações electrónicas e aquecimento urbano e aos contratos sobre conteúdos digitais.”

Lei 16/23: art.º 125

Cobrança de bens ou serviços de terceiros

1 — … as empresas que oferecem serviços de acesso à Internet ou serviços de comunicações interpessoais com base em números acessíveis ao público só podem exigir aos utilizadores finais o pagamento de bens ou serviços que não sejam de comunicações electrónicas e não façam parte da oferta que o utilizador final contratou, quando estes tenham prévia, expressa e especificamente autorizado a realização do pagamento de cada um dos referidos bens ou serviços, através de declaração em qualquer suporte duradouro.

2 — A declaração referida no número anterior deve ser conservada pelas empresas duranteo período de vigência do contrato, acrescido do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional por violação da obrigação estabelecida no número anterior.

3 — Incumbe às empresas que oferecem serviços de acesso à Internet ou serviços de comunicações interpessoais acessíveis ao público provar que o utilizador final autorizou a realização do pagamento dos bens ou serviços de terceiros que lhe hajam sido cobrados, nos termos do n.º 1, sob pena de não lhe poderem exigir esse pagamento ou, no caso de este já ter sido realizado, deverem restituir o valor cobrado.

4 — Em caso de conflito entre o disposto no presente artigo e o disposto no regime jurídico dos serviços de pagamento e moeda electrónica, prevalecerá o disposto neste último.”

Não se esqueça: para substituir um artigo da Lei 24/96 sobre contactos telefónicos, o legislador aprovou um diploma legal com 11 artigos que são uma autêntica confusão.

Muito se proclama. Nada se concretiza. Tudo se tumultua. A qualidade das leis que se vêm segregando é deplorável!

Em meio a tal algaraviada, que conclua quem quiser o que lhe aprouver.

 

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal