Mario Frota*
Os Códigos Civis – e o português, que remonta a 1966, não é excepção – consagram, como princípio-regra o de que
“A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.”
Em tema de Direito ao Direito e do Direito à Justiça, porém, rege a Directiva n.º 2003/8/CE, de 27 de Janeiro, no seio da União Europeia.
O seu escopo é o de carrear adequadas condições de acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito dos pleitos que estalem neste particular.
Já no que tange a Portugal, o Direito ao Direito e o Direito à Justiça têm a sua fonte na Constituição da República com tradução na Lei 34/2004, de 29 de Julho, ulteriormente modificada pelas Leis 47/2007, de 28 de Agosto, 40/2018, de 08 de Agosto e 2/2020, de 31 de Março e pelo Decreto-Lei 120/2018, de 27 de Dezembro.
O escopo da Lei do Direito ao Direito e do Direito à Justiça é o de assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
E em ordem à concretização de tais objectivos, a lei impõe se desenvolvam“acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de protecção jurídica”.
No que se reporta à promoção de tais interesses a Lei define inequivocamente que
“O acesso ao direito e aos tribunais constitui uma responsabilidade do Estado, a promover, designadamente, através de dispositivos de cooperação com as instituições representativas das profissões forenses.”
E que oacesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica.
O sistema de acesso ao direito e aos tribunais funcionará por forma que os serviços prestados aos seus cidadãos sejam qualificados e eficazes.
O Estado garante uma adequada compensação aos profissionais forenses que participem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, vedando - aos que prestem serviços no âmbito do acesso ao direito em qualquer das suas modalidades – que aufiram, com base neles, remuneração diversa da que tiverem direito pelas viaslegais.
No particular da ‘Informação Jurídica’, estatui-se um dever, um sumo dever, de informação a cargo do Estado:
“Incumbe ao Estado realizar, de modo permanente e planeado, acções tendentes a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, através de publicação e de outras formas de comunicação, com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos.”
A informação jurídica é prestada pelo Ministério da Justiça, em colaboração com todas as entidades interessadas, podendo ser celebrados para o efeito protocolos.
O facto é que, à excepção de escassíssimos gabinetes na dependência das estruturas orgânicas dos colégios de advogados esparsos pelo País, nada há-de relevante neste particular. Nem se têm tais “estruturas” como de uma efectiva concretização dos ditames da lei.
Os consumidores, por exemplo, vivem à míngua de informação séria, rigorosa, adequada, ajustada às reais necessidades no seio do mercado.
Houve, outrora, um Gabinete votado a tal problemática, no seio do Ministério da Justiça, ao tempo em que ministro fora Laborinho Lúcio, e que se imprimira, sob a égide de Graça Pombeiro, adequado desenvolvimento ao conceito.
E com o qual participámos, enquanto instituição que se vota à promoção dos interesses e direitos dos consumidores, ainda que de cunho científico, mas de intervenção, com proveitosos resultados, ao tempo.
No mais, os cidadãos acedem ao Direito e aos Tribunais como quem quer o faz, em condições análogas às de quem acede ao Hotel Ritz ou aos hotéis mais caros do planeta…
No domínio dos direitos do consumidor, em contínua mudança, o direito à informação reveste-se de dignidade constitucional, já que tais direitos, como fundamentais, se inscrevem no título dos direitos económicos, sociais e culturais desde a Revisão operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro.
E, com efeito, o n.º 1 da Constituição Portuguesa o estabelece, nestes termos:
“Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.”
E, em sua concretização, o artigo 7.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor prescreve imperativamente:
- Incumbe ao Estado, às regiões autónomas e às autarquias locais desenvolver acções e adoptar medidas tendentes à informação em geral do consumidor, designadamente através de:
- Criação de serviços municipais de informação ao consumidor;
- Apoio às acções de informação promovidas pelas associações de consumidores;
- Constituição de conselhos municipais de consumo, com a representação, designadamente, de associações de interesses económicos e de interesses dos consumidores;
- Criação de bases de dados e arquivos digitais acessíveis, de âmbito nacional, no domínio do direito do consumo, destinados a difundir informação geral e específica;
- Criação de bases de dados e arquivos digitais acessíveis em matéria de direitos do consumidor, de acesso incondicionado.
- O serviço público de rádio e de televisão deve reservar espaços, em termos que a lei definirá, para a promoção dos interesses e direitos do consumidor.
- A publicidade deve ser lícita, inequivocamente identificada e respeitar a verdade e os direitos dos consumidores.
- As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário.
O certo é que o Estado parece não assumir, como efectiva incumbência sua, tal múnus ante o quadro que se nos depara, cerca de 42 anos após a edição da primeira Lei de Defesa do Consumidor (Lei 29/81, de 22 de Agosto) e mais de um quarto de século da que ora se acha vigente e nos presenteia com a moldura que se apresentou no passo precedente.
Os Serviços Municipais do Consumidor, com uma tal dignidade, com a que relevaria da sua inserção de par com os mais serviços municipais, jamais se definiram, estruturaram e se instalaram: na esteira da Lei de 22 de Agosto de 1981, criaram-se – em termos de cooperação administração central / administração local – centros de informação autárquicos [que ora atingem, nos 308 municípios, algo da ordem de pouco mais de 70 (setenta)], mal dotados, sem estrutura orgânica, quantas vezes com um sóagentemunicipal, sem atribuições nem poderes e que se limita a esclarecer os consumidores das dúvidas que os assaltam perante relações mal sucedidas no mercado de consumo…
Nada que se assemelhe aos PROCONS’ no Brasil, onde se não ignora que também há, em tantos deles, problemas de vária ordem… que importaria superar!
As acções de informação promovidas pelas exíguas e mal estruturadas associações de consumidores não têm tido (com uma excepção, que se saiba…) os suportes financeiros adequados nem às necessidades nem às estruturas indispensáveis para que se pudesse levar a informação a toda a parte de modo consequente e efectivo (porca miséria!).
A constituição de Conselhos Municipais de Consumo, outro logro: há, quando muito, no Continente Português, um conselho criado, ao que se julga saber, em Famalicão, sem regular funcionamento, constituindo mera obra de fachada, valha a verdade!
E dos arquivos para que a lei tendia, mesmo pelo recurso às tecnologias de comunicação e de informação, só o zero parece consentir-se ao falar-se hipoteticamente deles…
Outrotanto no que toca aos programas de informação a veicular pelos canais (sucessivos canais da Rádio e Televisão de Portugal, a saber, Antena 1, Antena 2, Antena 3, RDP África, RDP Internacional, RTP 1, RTP2, RTP 3, RTP África, RTP Internacional, RTP Memória, RTP Multimédia) pagos directa e reflexamente pelos consumidores e contribuintes através de contribuição mensal do audiovisual e dos impostos que se carreiam para as indemnizações indemnizatórias do serviço público.
No que tange, porém, às normas em que se suportam as acções imperativamente impostas pelas Directivas emanadas do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia e dos respectivos Regulamentos (o instrumento legislativo por excelência, o mais nobre de entre os editados na União), sucessivamente consagradas em proclamação do Direito ao Direito (do acesso à Informação), restrinjamos o seu âmbito à Directiva da Garantia dos Bens de Consumo de 20 de Maio de 2019 e que viu a sua transposição para o ordenamento interno plasmada num decreto-lei, oriundo da Presidência do Conselho de Ministros de Portugal, em 18 de Outubro de 2021, para entrar em vigor no 1.º de Janeiro de 2022 próximo passado.
Eis o que a Directiva n.º 2019/771, de 20 de Maio, do Parlamento e do Conselho, prescreve no seu artigo 20.º:
“Os Estados-Membros tomam medidas adequadas para assegurar que a informação sobre os direitos dos consumidores ao abrigo da presente directiva e sobre os meios para a aplicação desses direitos esteja à disposição dos consumidores.”
O diploma de transposição - o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro -, sob a epígrafe “capacitação” (um outro nomenque ora surge com frequência: a capacitação das competências, em vista de um consumidor competente, no mercado, a exercer com efectiva soberania os seus direitos…) estabelece, no seu artigo 50, o que segue:
“A Direcção -Geral do Consumidor promove acções destinadas a informar os consumidores sobre os direitos resultantes do presente decreto-lei e os meios adequados ao seu exercício, em articulação com as demais entidades competentes.”
Por conseguinte, é ao Estado que incumbe, em primeira linha, a obrigação de desencadear os mecanismos indispensáveis para que a informação chegue à esfera do consumidor e de molde a não ser ludibriado no mercado por operadores económicos menos probos e competentes.
Aliás, a ausência de uma efectiva campanha de consumidores conduziu a uma situação que, a diferentes títulos, denunciámos, a saber, maciças promoções de artigos por empresas virtuais que, no segmento B2C, ofereciam, Janeiro de 22 adentro, e ainda oferecem, volvidas as advertências, uma panóplia de electrodomésticos com a garantia legal de dois (2) anos quando para os bens móveis passou, por força dos instrumentos normativos europeus e, consequentemente, nacionais, para três (3) anos…
Quando a informação falece – nos meios de comunicação de massa -, quando o esforço em ordem à revelação dos novos caminhos do direito é truncado, perdem os consumidores, perde a cidadania, perde o direito… E avantajam-se os crápulas que se passeiam no mercado em sucessivas e bem sucedidas acções de extorsão da bolsa dos adquirentes em detrimento do interesse geral, em actos autênticos de locupletamento ilícito, de enriquecimento injusto que ninguém parece barrar...
Aliás, os consumidores vítimas de uma empresa de comunicações electrónicas – a Vodafone - que, em razão de uma cláusula abusiva aposta nos contratos de adesão, se permitira accionar “ad libitum” serviços não solicitados, com o que provocou à comunidade de consumidores um rombo da ordem de mais de quatro mil milhões de euros, aliás, quatro biliões (bilhões)de euros para a ordem de cálculo no Brasil (em dígitos: 4 000 000 000 €)(só nos últimos quatro anos)e que acaba de ser condenada em acção popular, por via de revista, no Supremo Tribunal de Justiça, se não foram devidamente industriados, jamais perceberão os montantes de que foram privados pela empresa, donde a necessidade instante de se lançar uma campanha de esclarecimento para que cada um saiba em que lei vive e com que linhas se cose.
Omitir a informação ao consumidor, no seio do mercado multitudinário dos nossos dias, é crime de lesa-CIDADANIA!
Que crime é também ousar subscrever (a omissão) pelo silêncio!
Que os responsáveis (em que se inclui o Regulador) o não ignorem!
*Mário Frota, Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – de Portugal