Outrossim, em consonância com o que será sustentado nos tópicos subsecutivos, o conteúdo da aludida PEC hospeda uma série de hipóteses que destoam de matrizes constitucionais, donde, nem mesmo o chamado Poder Constituído Derivado ou Reformador teria o condão de fazê-lo, o qual, em verdade, reveste a natureza de Poder Constituído, conforme o magistério abalizado deCanotilho.2

Em estreita síntese, a substância da proposta estabelece o pagamento à vista em relação a valores de até R$ 66 milhões, parcelando os demais em até dez anos, obtemperando que a questionada PEC abre espaço, também, para o pagamento parcelado de quaisquer valores, caso o total dos pagamentos ultrapasse 2,6% da receita corrente líquida, ocasionando, portanto, uma inegável insegurança jurídica,

Deveras, ao lado das frustrações e do prejuízo causado aos credores da União, cumpre veementizar que a providência questionada não resiste a um contraste de constitucionalidade, consoante será demostrado nos desdobres nos tópicos subsecutivos.

Ao demais, força é reconhecer que num Estado Democrático, o Poder Público tem o dever sacramental de cumprir a Lei e a Constituição, sob pena até de responsabilização dos agentes políticos que tenham transgredido a legislação, sem contar que condutas desse jaez comprometem a legitimidade daqueles que, ao revés de darem exemplo, culminam por infringir o direito positivo e desrespeitar a cidadania.

Nem se alegue tratar-se de simples reprogramação de datas de pagamento, como se fosse uma singela providência burocrática, pois, para expressivo número de credores será um verdadeiro calote, em virtude da idade avançada, sendo que muitos dos quais estão enfermos e talvez não tenham tempo de vida a ponto de receber num futuro incerto e indeterminado.

Demais disso, nada autoriza acreditar que o pagamento objeto de inadimplemento seja pago em nova data então reprogramada, máxime porque a prorrogação de prazo e o parcelamento do pagamento retiram da devedora um mínimo de credibilidade e de confiabilidade.

Por derradeiro, merece lembrada a arguta e memorável reflexão de Carlos Maximiliano,a saber: “Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo,prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis”.3 Na trilha do festejado hermeneuta, cabe obtemperar que a mesma diretriz haverá de presidir o processo de criação da Lei, a fim de harmonizar o novo texto ao sistema normativo em vigor.

  1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O TEMA

Primeiramente, cumpre pontuar que é prática comum o Poder Executivo não honrar os seus compromissos, descumprindo a Lei e a Constituição,pelo que os seus credores são instados a bater às portas do Judiciário para pleitear aquilo a que têm direito.

Destarte, ressalta à evidência que um primeiro aspecto a ser criticado repousa exatamente no inadimplemento por parte da Administração Pública, a qual, dentre outros, tem o dever de cumprir os princípios da legalidade e da moralidade nos ditames no disposto do artigo 37 da Constituição da República. O aspecto conceptual de moralidade antessupõe o ideal altaneiro de Justiça e de dever, o que não condiz com o teor da moratória que, ao revés, infirma o referido conceito.

Ao demais, o conteúdo da PEC não se harmoniza com a plausibilidade recomendada pelo princípio da razoabilidade tão bem exposto e pugnado por Recaséns Siches.4

Realmente, por todas as veras, afigura-se inconcebível o próprio Estado passar ao largo do padrão ético que deveria nortear a sua conduta em todos os quadrantes de sua atuação.

Diferentemente do Brasil, causa inveja o padrão ético que preside o direito estrangeiro, a exemplo de um fato interessante ocorrido num simpósio na Inglaterra, em que a magistrada, então palestrante, não conseguiu entender uma pergunta sobre a hipótese de um juiz descumprir um prazo firmado em lei ou mesmo deixar de sentenciar num lapso temporal razoável. Ao compreender a indagação, a juíza deu pressa em asseverar em alto e bom som que é decididamente inimaginável o Judiciário deixar de obedecer a aplicar a ordem jurídica. É dizer, ao lume do direito inglês, afigura-se incompreensível fatos dessa natureza, o que, entre nós, é algo quotidiano.

O que pensaria aquela magistrada diante do inadimplemento sob exame alcunhado pelo eufemismo de reprogramação de pagamento. Por certo, diria: Oh myGod!O episódio in casu foi narrado pelo jurista Renato Becho num Congresso Internacional de Direito Tributário realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo.

Não demasia dizer que a demanda contra o Estado é sobremodo longeva, chegando, por vezes, a tornar-se mais longa que a própria vida de seus credores, o que agrava ainda mais o problema. Nesse ponto, diga-se de passo, cabe igual responsabilidade ao Legislativo, o qual, ao contrário de atalhar caminhos para a efetiva prestação jurisdicional, tende a criar mecanismos burocráticos desnecessários, ocasionado, assim, um retardo que significa uma verdadeira negação de Justiça.

O Judiciário, a seu turno, poderia aplicar a Constituição e fazer tábula rasa de normas legislativas ou administrativas que se contraponham aos direitos e garantias dos credores de precatórios, sem dizer que o mesmo haveria de ser aplicado em quaisquer outras hipóteses, tudo na busca de dar a cada um o que é seu sob o pálio sobranceiro do Direito e da Justiça.

Por conseguinte, cabe ao julgador fazê-lo de acordo com a Constituição e além da letra da legislação como quer François Geny, o que pressupõe uma visão sistemática do Direito, ao contrário do verificado no Brasil, tanto na produção de normas gerais e abstratas, quanto na produção de normas concretas e individuais. Ouçamo-lo: “Au-deládu Code civil, mais par Le Code civil!”.5

O que se vê, infelizmente, é a preponderância da chamada interpretação literal, a qual, a rigor, não traduz labor exegético e rende margem à concepção descontextualizada do Direito, algo de um ilogismo vitando que passa ao largo de postulados da Hermenêutica e da Teoria Geral do Direito. Aliás, a literalidade representa tão somente a porta de entrada para o trabalho interpretativo, não se confundindo, pois, com a própria interpretação.

Por oportuno, merece destacar que o desafortunado credor do Estado enfrenta uma demanda por décadas para discutir o mérito e, ao depois, ao revés de receber, simpliciter et de plano, sobrevém a fase da execução, permeada de providências burocráticas inúteis, a exemplo da remessa dos autos ao contador para os cálculos e depois ouvir as partes, as quais nem sempre concordam, e, enquanto isso, mais anos se passam. Em vez disso, seria possível reunir todos os envolvidos numa audiência e terminá-la com a concretização do pagamento. A solução proposta, conquanto óbvia, não é sequer cogitada, pois o sistema privilegia a burocracia e não os direitos das partes que no caso dos precatórios são os direitos dos credores.

  1. CONTRASTE DE CONSTITUCIONALIDADE DA MORATÓRIA SOB EXAME

Por sem dúvida, o assunto abriga imensurável relevância, porquanto o fato questionado pode ser cifrado num singelo binômio consubstanciado numa moratória estabelecida em Emenda Constitucional.

Entrementes, não se pode olvidar as vicissitudes dos credores, muitos vivendo de modesta pensão do INSS, dentre outros, sendo que todos aguardam muito o pagamento por tempo despropositadamente longo, não raro algumas décadas.

Primeiramente, merece reproches o credor do Estado ver-se obrigado a ajuizar uma medida judicial contra o Poder Público para discutir o mérito e provar o seu direito, tudo porque este descumpriu a ordem jurídica.

O absurdo não se exaure nessa fase, porquanto após anos e anos, mesmo ganhando o pleito, o credor deve deflagrar nova fase judicial, agora a execução, a qual leva bons anos também.

Ora, depois de tantos erros e absurdidades, o credor se vê diante de uma indecorosa Proposta de Emenda Constitucional no sentido de reprogramar o pagamento por mais dez anos.Embora, em princípio, os pagamentos de até R$ 66 milhões possam ser pagos à vista, ou seja, no ano vindouro de 2022, mesmo assim nada assegura que essa expectativa se concretize, umavez que um dispositivo da PEC prevê a possibilidade de parcelamento em até dez anos, mesmo de valores menores, tudo em face da nova redação do art.101-A da CF, o qual seria aplicado na hipótese de os pagamentos excederem o percentual de 2,6% da receita corrente líquida.

Destarte, na percepção do presente Estudo, a PEC sob comento acutila uma série de primados constitucionais, a saber: a) duração do processo; b) direito de propriedade; c) enriquecimento ilícito; d) isonomia processual; e) direito adquirido e irretroatividade. Com efeito, os mencionados pilares do direito pátrio serão analisados de forma sucinta nos itens subsequentes, tudo com o propósito de mostrar à saciedade a inconsistência da moratória em questão.

    1. DESRESPEITO À DURAÇÃO DO PROCESSO

A demora dos feitos judiciais é sobremodo alentada, sobretudo quando a execução dasentença se concretiza por meio de precatórios, a exemplo do caso vertente.

A propósito, mais uma vez nos deparamos com o descompasso segundo o qual a Lei Maior é flagrantemente desrespeitada no plano infraconstitucional. Tanto é verdade que o inciso LXXVIII, do art. 5º, da CF, determina que a duração do processo deve dar-se num intertempo razoável, consoante o texto do referido mandamento a seguir reproduzido, in verbis: “LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADIN 3392)”.6

Em que pese à clareza solar do dispositivo citado, o aludido comando é destituído de qualquer eficácia no sentido da praticabilidade do direito, pois, é noção cediça que os feitos tendem a demorar décadas até a prolatação da decisão dotada de definitividade.

Casos há, em que o tempo do processo ganha matizes surreais, assim como a discussão decorrente da invasão da Fazenda Palmital por parte da Fazenda do Estado, a qual ocorreu em 1907 e ainda não foi resolvida.

Igual sorte ocorreu com a ação ajuizada pela Princesa Isabel, filha de Dom Pedro II, que foi decidida após 125 anos a contar da protocolização e a decisão final prolatada recentemente.

Importa destacar que o decurso de tempo entre o ajuizamento da exordial tende a somar décadas, uma vez que a fase de conhecimento na qual se discute o mérito costuma demorar acima de dez anos, ao passo que a posterior execução culminada pelo pagamento do precatório pode levar dez ou mais anos, não raro, algo acima de duas décadas, perfazendo trinta ou mais anos!

Por todas as veras, não seria necessário um esforço de sobremão para verificar que há um desconcerto flagrante e incontestável entre o prazo razoável firmado pelo art. 5º, LXXVIII, da CF e o lapso temporal praticado pelos múltiplos níveis de Governo entre nós. Por sem dúvida, tais acontecimentos configuram indubitável inconstitucionalidade conjugada por censurável menoscabo aos credores do Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público interno.

Em abono ao alegado, força é citar a lição de Ruy Barbosa acerca do caráter mandamental do direito e notadamente da Constituição, senão vejamos: “Não há, numa Constituição, cláusula a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras”.7

    1. AFRONTA AO DIREITO DE PROPRIEDADE

Em sua concepção romanística,o direito de propriedade compreendeo jus utendi, o jus fruendie o jus abutendi, vale dizer,o direito de usar, gozar e dispor de alguma coisa.

O direito de usar consiste em obter da coisa as utilidades por ela oferecidas, sem modificar a sua substância, a exemplo do que ocorre com relação ao proprietário de um imóvel ou de um veículo ao utilizar esses bens.

Já o direito de fruir significa obter da coisa os frutos que ela pode propiciar, assim como a percepção do aluguel de uma casa por parte do proprietário.

Por derradeiro, temos o direito de dispor, o qual representa a possibilidade de consumir, transformar ou mesmo alienar a coisa, ad exemplum de vender um imóvel ou automóvel.

Por oportuno, cumpre lembrar que o chamado confisco da poupança por parte do Governo do Presidente Collor foi declarado inconstitucional pelo Judiciário Federal sobre fundamento de ofender o direito de propriedade. De nada adiantou a Advocacia Geral da União contestar dizendo que os valores seriam devolvidos,tudo porque o referido direito não comporta restrições ou limitações, no caso o jus abutendi com as cores ora anotadas.

A história se repete, pois, guardadas as diferenças, estamos diante de inegável afronta ao jus abutendi, na dimensão em que a moratória sob comento impede o direito à disposição dos valores contidos no precatório com data de vencimento reprogramada.

Obviamente, o direito de propriedade reveste a feição de direito e garantia individual, qualificado como pétreo e, por isso, não poderia ser modificado nem mesmo por Emenda Constitucional, nos termos do disposto no art. 60 § 4º, da Constituição da República.8

    1. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

Embora não haja referência implícita no Texto Magno, o enriquecimento ilícito habita a contraparte do direito de propriedade, merecendo, pois, reconhecido como postulado que se encontra nas entrevozes do Códex Máximo.

Demais disso, o enriquecimento ilícito destoa do primado da moralidade contemplado no caput do art. 37 da Constituição Federal, sem contar que qualquer ilicitude se afigura logicamente inconciliável com o Texto Supremo, pois seria um verdadeiro sin sentido, segundo a linguagem expressiva de Genaro Carrió.9

Por outro lado, o Código Civil de 2002 pontua o assunto com veemência ao versar a matéria, impondo a respectiva sanção, conforme o faz por meio do mandamento interserto no art. 884, a saber: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”

Em realidade, em obséquio aos escólios ora compendiados, resta evidente que a prorrogação de data para pagamento, com prazos de até dez anos, representa uma providência que resulta em inegável enriquecimento ilícito em prol do devedor do precatório.

    1. DESCOMPASSO EM RELAÇÃO À IGUALDADE E À ISONOMIA PROCESSUAL

Em primeiro lugar, força é destacar que, numa relação processual, as partes se encontram num mesmo patamar e devem ser tratadas de forma absolutamente igual.

Nessa vereda é a lição primorosa de Hector FixZamudio, que ao versar o tema acerca da igualdade no processo assim averbou: “[...] un aspecto delderecho genérico e fundamental de igualdad de los governados frente a laley, que en campo justicial se traduceenél de laigualdad de las partes enel processo”.10

Com efeito, na órbita do processo, a União Federal ou qualquer unidade federativa não pode desfrutar de qualquer privilégio em relação ao particular ou qualquer outra pessoa de direito público ou privado.

Deveras, a noção sobranceira de Justiça não poderia admitir a existência de vantagens em prol de uma das partes, o que seria um rematado dislate. Pior ainda, ocorre no caso versado, porquanto uma das partes do feito é a autora do privilégio que lhe beneficia em detrimento irreparável da outra!

Insta destacar que o primado da igualdade contemplado com tintas escarlates no caput do art. 5º da Constituição Federal não se circunscreve às relações entre os particulares, na medida em que representa, sobretudo, um direito do cidadão contra o Estado. É dizer, a igualdade exprime uma das colunas mestras do Texto Magno, a qual se propaga em todos os quadrantes do direito nacional, compreendendo, portanto, toda sorte de vínculo na orbe do direito público e privado, tanto substantivo quanto adjetivo.

Ao propósito, o asserto ecoa no magistério exemplaríssimo de Cruz e Tucci ao bordar o assunto ao lume do CPC/73, na dimensão em que o renomado jurista reprochou incisivamente os destemperos anacrônicos daquela legislação, a exemplo de prazo em quádruplo e em dobro par a Fazenda Pública, senão também a eficácia das decisões contra a Fazenda se condicionarem ao duplo grau, diferentemente aos efeitos quanto ao particular que são imediatos!11

Demais disso, segundo os termos da exposição de motivos da PEC sob exame, a moratória preordena-se a evitar o aumento de despesas com precatórios, pressuposto absolutamente injustificável e impertinente para sustentar a reprogramação de pagamentos.

A assertiva reflete a lição luminosa de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem a igualdade consiste numa correlação lógica entre o discrímen e a finalidade12, donde, não demasia reafirmar que a elevação dos gastos com precatórios não teria o condão de legitimar a moratória ora discutida.

    1. OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO, AO ATO JURÍDICO PERFEITO, À COISA JULGADA E À IRRETROATIVIDADE.

Como visto, quaisquer das desconformidades apontadas bastariam per se para acoimar a moratória em apreço como inconstitucional. Sobremais, o aspecto teratológico in casu comporta mais um questionamento, o qual nos reporta ao Poeta Lusitano ao dizer que “[...]Cessa tudo que a antiga musa canta, quando outro valor mais alto se alevanta”.13

Sim, afora tudo o que foi trazido à colação, a discutida reprogramação de pagamento dos precatórios significa um ultraje ao direito adquirido, bem assim ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, o que, decididamente, fulmina de modo incisivo e sumário qualquer alegação ou pretexto em prol do inadimplemento oficializado.

Em veras, os precatórios decorrem de decisão judicial transitada em julgado e traduzem direito adquirido em prol dos credores do Estado, tudo com fulcro no disposto no art. 5º, XXXVI da CF ao atremar que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.14 Por oportuno, merece lembrada a reflexão de Paul Roubier para quem tais valores fazem parte do patrimônio dos povos civilizados.15

Capitant, por sua vez, qualifica o direito adquirido como aquele que o Juiz não pode modificar mediante a aplicação de uma lei nova. No texto original, assim preleciona o Mestre: “Droitauquellejuge ne peutporterattinteenappliquant une loi nouvelle.16 Por todas as luzes, antolha-se indubitável que o direito adquirido reveste natureza pétrea, não somente por constar do art. 60, § 4º, IV, da CF, mas, sobretudo por sua gênese e sua unidade monádica.

Com efeito, é cediço que o direito adquirido se conjuga com o ato jurídico perfeito, dos quais desponta como corolário o postulado da irretroatividade das leis, compondo um trinômio proclamado na doutrina entre nós e alhures, bem como cristalizado no Texto Magno conforme prefalado em tópico precedente.

A irretroatividade, diga-se, à vol d’oiseau, tem origem no direito romano, somando, portanto, dois mil anos de história e consiste na vocação natural da legislação em produzir efeitos ex-nunc, donde o passado escapa ao seu império, ressalvada a legislação in bonam partem.A propósito, assim dizia o mencionado brocardo, segundo De Plácido e Silva: “Leges et constitutionesfuturiscertum est dare formam, negotiis non adfacta pretérita revocari”.17

Destarte, o referido direito é aquele resultante do ato jurídico perfeito e, portanto, consumado em conformidade com a leientão em vigor, o qual integra o patrimônio jurídico de qualquer pessoa física ou jurídica. Como tal, afigura-se insusceptível de qualquer ataque, restrição ou expropriação compulsória. Por conseguinte, o direito adquirido se contrapõe a qualquer modificação superveniente, donde, encontra-se a salvo de legislação retroativa.

Outrossim, consoante sutil observação de Antonio RobertoSampaio Dória, a coisa julgada não é pressupostodo direito adquirido, mas pode compor a sua tipologia, caso esteja presente, representando mais um fator a lhe comunicar densidade.18Em veras, o direito adquirido in casu, completo embora, se conjuga com a coisa julgada, compreendendo, assim, mais uma fronteira intransponível para qualquer alteração ulterior. Por óbvio, a coisa julgada, não poderia ser objeto de qualquer modificação, salvo a hipótese de ação rescisória, o que demostra mais uma vez o quão absurdo se afigura a moratória ora examinada.

Em suma, por qualquer óptica seja, a moratória sob comento hospeda uma nulidade pleno jure em sua gradação máxima, pelo que cabe acalentar que o Congresso Nacional rejeite a PEC 23/2021, fazendo-o de modo eloquente. Caso contrário, restaria aos titulares dos precatórios a possibilidade de ajuizar uma medida judicial objetivada a receber os seus valores imediatamente.

    1. CONCLUSÕES

A derradeira, impende concluir, lembrando, as palavras de Ruy Barbosa19 acerca do culto à legalidade, a saber: “Com a lei, pela lei e dentro da lei, porque fora da lei não há solução”20. Destarte, parafraseando o Mestre insta dizer: “Com a Constituição, pela Constituição e dentro da Constituição, porque fora dela não há solução”.

    1. REFERÊNCIAS

 

BANDEIRA DE MELLO,Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. 23 tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.

BARBOSA, RUY.Discursos Parlamentares, Tomo I, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1892.

BARBOSA, RUY.Comentários à Constituição Federal Brasileira, Tomo II. São Paulo: Saraiva & Cia, 1933.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 ago. 2021.

CAMÕES, Luís Vaz de.Os Lusiadas. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2013.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes.Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1984.

CAPITANT, Henri.VocabulaireJuridique. Paris: LesPressesUniversitaires de France, 1936.

CARRIÓ, Genaro R.Sobre los límites del linguaje normativo. Buenos Aires: Ed. Astrea de Rodolfo Depalma, 1973.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 28. ed. 2 tir. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Gen: Forense, 2010.

GENY, François. Méthode d’interprétation et sourcesendroitprivépositif.Paris: Librairie Générale de Droit et Jurisprudence, 1919.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

RECASÉNS SICHES, Luis. Nueva Filosofia de La Interpretación del Derecho. México: Editorial Porrua, 1973.

ROUBIER, Paul. Le DroitTransitoire. 2 ed. Paris: Dalloz-Sirey, 1960.

SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. Da LeiTributária no Tempo. São Paulo: Editora Obelisco, 1968.

TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ e TUCCI, José Rogério.Constituição de 1988 e processo. São Paulo: Saraiva, 1989.

ZAMUDIO, HectorFix.Constitución y processocivil en Latinoamérica. México: UNAM, 1974.

 

 

 

 

 

 

    1. TEXTO ORIGINAL DA PEC N. 23/2021

 

 

Secretaria-Executiva

 

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

 

Altera os art. 100, art. 109, art. 160, art. 166 e art. 167 da Constituição e acrescenta os art. 80-A e art. 101-A no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.

 

Art. 1º A Constituição passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 100.  ………………......................................………………………………......................

§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos, conforme previsto no § 5º deste artigo, com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.

............................................................................................................................

§ 9º Sem que haja interrupção no pagamento do precatório e mediante comunicação da Fazenda Pública ao Tribunal, o valor correspondente aos eventuais débitos inscritos em dívida ativa contra o credor do requisitório e seus substituídos deverá, conforme procedimento definido em lei própria, ser depositado à conta do juízo responsável pela ação de cobrança, que decidirá pelo seu destino definitivo.

............................................................................................................................

§ 11.  É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora, a entrega de créditos em precatórios para compra de imóveis públicos ou aquisição de participação societária do respectivo ente federado.

............................................................................................................................

§ 14.  A cessão de precatórios, observado o disposto no § 9º, somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao tribunal de origem e à entidade devedora.

............................................................................................................................

§ 20.  Caso haja precatório com valor superior a 1.000 (mil) vezes o montante definido como de pequeno valor conforme § 3º deste artigo ou a 15% (quinze por cento) do montante dos precatórios apresentados nos termos do § 5º deste artigo, 15% (quinze por cento) ‘do valor desse precatório serão pagos até o final do exercício seguinte e o restante em parcelas iguais nos nove exercícios subsequentes, acrescidas de juros de mora e correção monetária, equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic, ou mediante acordos diretos, perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Precatórios, com redução máxima de 40% (quarenta por cento) do valor do crédito atualizado, desde que em relação ao crédito não penda recurso ou defesa judicial e que sejam observados os requisitos definidos na regulamentação editada pelo ente federado.

§ 21.  Fica a União autorizada a utilizar os valores objeto de precatório devido a pessoa jurídica de direito público interno para amortizar dívidas nos contratos em que houve prestação de garantia aos entes federativos, parcelas, vencidas ou a vencer, nos parcelamentos de tributos ou contribuições sociais, bem como obrigações decorrentes do descumprimento de prestação de contas ou desvio de recursos.” (NR)

Art. 109.  …….......................................…………………...…………………………….....….

§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, se requerida tutela de natureza coletiva, no Distrito Federal.

.................................................................................................................” (NR)

Art. 160.  …………………………………........................................................…...........…….

§ 1º A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos:

............................................................................................................................

§ 2º Os contratos, acordos, ajustes, convênios, parcelamentos ou renegociações de débitos de qualquer espécie, inclusive tributários, firmados pela União com os entes federativos conterão cláusulas para autorizar a dedução dos valores devidos dos montantes a serem repassados relacionados às respectivas cotas nos Fundos de Participação ou aos precatórios federais.” (NR)

Art. 166.  ..........................................................................................................

§ 21.  Não se sujeita à previsão em lei orçamentária anual a destinação de imóveis públicos na integralização de cotas em fundo privado de investimento em que a União seja única cotista, permitida a participação desta em fundos não exclusivos ou como minoritário.

§ 22.  A transferência de imóveis para os fins de integralização de fundos de investimento é imune de tributos federais, estaduais e municipais, e isenta de emolumentos.” (NR)

Art. 167.  ..........................................................................................................

............................................................................................................................

III - a realização, no âmbito dos orçamentos fiscal e da seguridade social, de receitas de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas:

a) as autorizadas pela lei orçamentária anual; ou

b) as aprovadas pelo Poder Legislativo por maioria absoluta, mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa.

.................................................................................................................” (NR)

Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 80-A.  É instituído o Fundo de Liquidação de Passivos da União, suas autarquias e fundações, constituído por recursos decorrentes:

I - da alienação de imóveis da União ou de rendimentos de fundos integralizados com esses imóveis;

II - da alienação, pela União, de participação societária, inclusive minoritária, de empresas;

III - dos dividendos recebidos pela União de empresas estatais, deduzidas as despesas de empresas estatais dependentes para pagamento de pessoal, de custeio em geral e de capital;

IV - de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial;

V - da antecipação de valores a serem recebidos, pela União, a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo; e

VI - da arrecadação decorrente do primeiro ano de redução de benefícios tributários, nos termos do disposto no art. 4º da Emenda à Constituição nº 109, de 15 de março de 2021.

§ 1º Os recursos do Fundo de Liquidação de Passivos da União, de suas autarquias e fundações serão destinados ao pagamento:

I - antecipado de precatórios e requisitórios parcelados em razão do disposto nos art. 100, § 20, da Constituição, e art. 101-A deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; e

II - da dívida pública federal.

§ 2º Não se aplica ao Fundo de Liquidação de Passivos da União, de suas autarquias e fundações:

I - o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição, relativamente ao inciso VI do caput deste artigo; e

II - a observância de limitações legais relativas às vinculações de receitas ou à destinação de receitas de capital.

§ 3º As despesas custeadas com recursos do Fundo de Liquidação de Passivos da União, de suas autarquias e fundações não estão sujeitas ao disposto no art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.” (NR)

Art. 101-A.  Até 31 de dezembro de 2029, aplica-se o previsto no art. 100, § 20, da Constituição aos precatórios, em ordem decrescente de valor, a serem pagos pela União em determinado exercício que fizerem com que a soma dos valores, apresentados na forma do art. 100, § 5º, da Constituição, exceda 2,6% (dois inteiros e seis décimos por cento) da receita corrente líquida acumulada dos doze meses anteriores em que forem requisitados.” (NR)

Art. 3º Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic, acumulado mensalmente.

Art. 4º Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua promulgação.

Parágrafo único.  As alterações relativas ao regime de pagamento dos precatórios se aplicam a todos os requisitórios já expedidos ou inscritos, inclusive no orçamento fiscal e da seguridade social do exercício de 2022.

Brasília,

 

 

 

Exposição de Motivos

SECRETARIA-GERAL

EMI nº 00206/2021 ME

Brasília, 31 de julho de 2021.

                    Senhor Presidente da República,


 

1.                Submeto à sua apreciação proposta de Emenda Constitucional que objetiva tratar o impacto orçamentário produzido pelas condenações oriundas de sentenças transitadas em julgado.

2.                Isso porque, segundo as informações encaminhadas pelo Poder Judiciário para composição da próxima Lei Orçamentária, cerca de R$90 bilhões deveriam ser direcionados para gastos com sentenças judiciais no Orçamento federal de 2022, o que representa um elevado comprometimento das despesas discricionárias e uma variação positiva de 143% se comparados com os montantes de 2018.

3.                Apenas à guisa de esclarecimento, enquanto no presente exercício cerca de R$ 54,4 bilhões serão gastos com pagamento de condenações em sentenças judiciais, o que equivale a 46% de toda a despesa discricionária, para o próximo exercício (2022) estima-se que R$ 89,1 bilhões serão necessários, o que equivaleria a mais de dois terços de todo o orçamento federal destinado a despesas discricionárias.

4.                Para a elaboração da proposta orçamentária de 2022, o crescimento expressivo de R$ 33,7 bilhões em relação à 2021 (60,7%) não encontra precedentes em processos orçamentários anteriores, constituindo em risco na gestão orçamentária no próprio ano. Com os limites para o Poder Executivo estabelecidos pelo Novo Regime Fiscal, a inclusão do montante necessário à honra das sentenças judiciais ocupará espaço relevante que poderia ser utilizado para realização de relevantes investimentos, bem como aperfeiçoamentos de programas e ações do Governo Federal e provimento de bens e serviços públicos.

5.                Vale adicionar que o esforço fiscal da União decorrente da implementação de decisões judiciais não se restringe ao pagamento de precatórios e requisições de pequeno valor. Nesse sentido, pode-se citar, por exemplo, recentes decisões judiciais com impacto fiscal expressivo, tal qual o Tema 69 de Repercussão Geral, que tratou da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, e o Mandado de Injunção n˚ 7300-DF, impetrado com o objetivo de regulamentar a Renda Básica Universal, seguindo a sugestão de utilização do Fundo de Erradicação da Pobreza, previsto nos arts. 79 e seguintes do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o que é corroborado pelos dados relacionados à compensação tributária que, segundo a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, perfizeram R$ 14,1 bilhões apenas no mês de junho de 2021, totalizando R$ 93,7 bilhões no período de janeiro a junho de 2021 (montante 60% superior ao experimentado no mesmo período no ano de 2020) - Fonte: DW PERCOMP – Referência 30/06/2021Valores Nominais.

6.                Sendo assim, de forma a evitar um colapso financeiro e da máquina pública diante do esvaziamento quase que completo dos recursos discricionários pelas despesas decorrentes de condenações em sentenças judiciais, sugere-se, à sua elevada consideração, proposta de alteração do Texto Constitucional com o escopo de: (i) afastar o pagamento de precatórios fora do rito tradicional, ou seja, evitar que a parcela “superpreferencial” dos precatórios escape da previsibilidade orçamentária típica do procedimento natural de quitação desses requisitórios, (ii) permitir o depósito de parte ou da totalidade do precatório à disposição do juiz da execução quando o credor for simultaneamente devedor da Fazenda Pública, (iii) permitir que o depósito mencionado no item anterior ocorra mesmo na hipótese de cessão do precatório, (iv) estabelecer o parcelamento dos precatórios vultosos e dos maiores quando o volume total de pagamentos exceder determinado percentual da Receita Corrente Líquida da União, (v) autorizar o encontro de contas dos valores de precatórios com aqueles devidos por pessoa jurídica de direito público interno, e (vi) atualizar o foro nacional, preservando-o apenas para demandas coletivas.

7.                Considerado o reiterado compromisso da União em honrar todos os seus compromissos, a Proposta de Emenda Constitucional também propõe a instituição do Fundo de Liquidação de Passivos da União, suas autarquias e fundações, com o objetivo de permitir a antecipação de precatórios e requisitórios parcelados em razão do disposto nos arts. 100, § 20, da Constituição, e 101-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ora propostos, bem como o pagamento da dívida pública federal, por meio da utilização do patrimônio da União.

8.                Neste sentido, a proposta prevê como possíveis fontes orçamentárias para a constituição do Fundo os recursos obtidos com alienação de imóveis da União, a alienação de participações societárias da União, parcela do resultado líquido de dividendos do conjunto de Estatais, e eventuais recursos decorrentes da redução de gastos tributários, nos termos do art. 4º. da Emenda Constitucional 109, de 2021, entre outros.

9.                Uma vez que se trata, em grande medida, de recursos não recorrentes, oriundos da redução do tamanho do Estado ou de sua atuação mais eficiente, não há prejuízos para o novo regime fiscal ao excepcionalizar as restrições orçamentárias sobre o uso desses recursos, sobretudo quando o objetivo é a redução de passivos.

10.                Detalhando a proposta, a alteração do §2º do art. 100 da Constituição tem por intenção impedir o pagamento da parcela “superpreferencial”, que seria a possibilidade de pagamento parcial de precatórios no mesmo exercício em que requisitados, ou seja, fora do rito próprio. Vale dizer que os dispositivos da Resolução nº 303, de 18 de dezembro de 2019, do Conselho Nacional de Justiça que dão sustento à parcela “superpreferencial” foram suspensos pelo Supremo Tribunal Federal em liminar concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6556, ajuizada por afronta às normas constitucionais que disciplinam o pagamento de precatórios.

11.                O novo § 9º do art. 100 da proposta, por sua vez, na tentativa de mitigar os efeitos financeiros do pagamento de requisições a devedores do próprio ente público estabelece, em procedimento a ser definido em lei própria, espécie de depósito em juízo do equivalente ao débito que o credor do precatório possui com a Fazenda Pública. Trata-se de dispositivo que visa corrigir o que apontado no âmbito da ADI 4425/DF, que declarou a inconstitucionalidade do atual § 9º. Parcela ou a totalidade do precatório, portanto, nos termos da lei, poderiam ser depositados à disposição do juiz exequente caso o credor do título possua débitos inscritos em dívida ativa, sem previsão de compensação de ofício, como anteriormente previsto.

12.                Aprimora-se ainda o disposto no § 11, permitindo a utilização de precatórios, antes prevista para pagamento na compra de imóveis públicos, também como moeda de desestatização, para aquisição de participação acionário da União em empresas estatais.

13.                O § 14 proposto visa, ao fazer referência ao § 9º, atrair o procedimento de depósito mencionado anteriormente mesmo na hipótese de cessão do precatório.

14.                A proposta, como se disse, promove ajustes no regime de pagamento de precatórios, despesa que, inserida no novo regime fiscal introduzido pela Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, sofreu incremento, conforme mencionado, de 143% desde o ano 2018, razão pela qual o § 20 ora sugerido pretende adicionar hipótese de parcelamento de superprecatórios além daquele atualmente previsto. Ou seja, além de serem parcelados aqueles cujo montante supere 15% (quinze por cento) do montante dos precatórios apresentados, patamar pouco efetivo para a União, também seguiriam o mesmo procedimento aqueles superiores a 1.000 (mil) vezes o montante definido como de pequeno valor (no caso da União, valor atualmente equivalente a R$ 66 milhões).

15.                O salto da ordem de R$ 55,4 bilhões para R$ 89,1 bilhões para o exercício de 2022 demanda, para manutenção das regras fiscais, que seja concebido regime especial de pagamento diferido, a fim de atingir aqueles requisitórios de valores extremamente elevados, em favor de pouquíssimos beneficiários. Registre-se que, para fins da Lei Orçamentária Anual para 2022, em se aplicando a nova regra proposta para o § 20 do art. 100, apenas 47 precatórios, de valor superior a mil vezes o patamar de sessenta salários mínimos (portanto superiores a R$ 66 milhões), seriam alcançados, os quais representam impacto positivo de R$ 22,7 bilhões de reais em espaço fiscal em 2022. Se considerada também a aplicação do novo art. 101-A do ADCT, o valor total impactado (espaço fiscal aberto) será de, aproximadamente, R$ 33,5 bilhões, em razão da regra embasada na receita corrente líquida, dados que denotam a absoluta proporcionalidade e razoabilidade da proposição.

16.                Já o § 21 estabelece forma de utilização dos valores objeto de precatório para “amortizar dívidas nos contratos em que houve prestação de garantia aos entes subnacionais, parcelas, vencidas ou a vencer, nos parcelamentos de tributos ou contribuições sociais, bem como obrigações decorrentes do descumprimento de prestação de contas ou desvio de recursos” devidos por pessoa jurídica de direito público interno, promovendo acerto de contas em prestígio ao pacto federativo.

17.                A alteração do § 2º do art. 109 visa estabelecer que as causas intentadas em face da União poderão ser aforadas (i) na seção judiciária em que for domiciliado o autor (ii) ou naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa e, (iii) no caso de demanda coletiva, no Distrito Federal, denominado foro nacional, ora remodelado. Com isso, demandas individuais poderão ser aforadas apenas na seção judiciária em que for domiciliado o autor ou naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, não mais no “foro nacional”, o que contribuirá para o descongestionamento das demandas em trâmite no Distrito Federal, sem prejuízo do absoluto e inafastável amplo acesso à Justiça e efetividade da prestação jurisdicional.

18.                Altera-se o art. 160 da Constituição, com objetivo de permitir a dedução dos valores devidos por entes subnacionais dos montantes a serem repassados relacionados às respectivas cotas nos Fundos de Participação ou a precatórios federais.

19.                Adicionalmente, sugere-se a inclusão de um novo dispositivo no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como forma de garantir, tal como a redação do § 20 do art. 100 anteriormente proposto, norma de parcelamento dos maiores precatórios requisitados. Portanto, conforme o texto sugerido, seriam parcelados, em ordem decrescente de valor, os precatórios que fizessem com que a soma dos valoresrequisitados da União superassem 2,6% (dois inteiros e seis décimos por cento) da receita corrente líquida acumulada dos doze meses anteriores em que requisitados.

20.                O mencionado dispositivo, topograficamente localizado no ADCT da Constituição, pretende ser temporário, exaurindo seu conteúdo em dezembro de 2029, garantido até lá, contudo, que haja anualmente margem suficiente no orçamento para promoção de políticas públicas, investimentos, e para o funcionamento da máquina pública.

21.                Nada obstante a previsão do parcelamento daquela parcela reduzida de precatórios, com excessivo impacto fiscal, a criação do Fundo de Liquidação de Passivos da União, suas autarquias e fundações, reforça o caráter excepcional da medida, criando mecanismo que permita realizar o pagamento antecipado de precatórios e requisitórios parcelados em razão do disposto nos arts. 100, § 20, da Constituição, e 101-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como da dívida pública federal, sem prejuízo ao funcionamento do estado e com respeito às ancoras fiscais.

22.                Por fim, promove-se adequação da taxa composta para fins de correção monetária e remuneração do capital nas condenações da Fazenda Pública e dos respectivos precatórios, aplicando-se-lhe a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC.

23.                Essas, Senhor Presidente, são as razões que motivam propor a presente Proposta de Emenda Constitucional.

Respeitosamente,

Paulo Roberto Nunes Guedes
Ministro de Estado da
Economia

 

1Mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Titular Emérito na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Professor no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Professor no Curso de Especialização em Direito Tributário na Academia Brasileira de Direito Constitucional, em Curitiba (PR), e Professor no Curso de Especialização Damásio, sob a coordenação da Professora Regina Helena Costa e do Professor Rodrigo Frota. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Cadeira n. 62. Membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário (IBEDAFT). Autor de obras jurídicas pelas editoras Mackenzie, Noeses e Saraiva. Sócio de Eduardo Jardim e Advogados Associados.Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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19

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