Kiyoshi Harada

Palavras chaves: STF. Presidente. Pandemia. Competência. Normas gerais.

A divergência entre o STF e o Presidente Bolsonaro com relação àquela decisão de abril de 2020 que assegurou aos Estados e Municípios a autonomia para estabelecer regras de isolamento social, locomoção, restrição de transportes rodoviários e interrupção de atividades econômicas, até hoje perdura.

Para o Presidente Bolsonaro o STF impediu o governo federal de agir contra a disseminação da covid19. Para o STF o Presidente mente “uma mentira contada mil vezes não vira verdade”.

Parece haver uma ligeira confusão entre competência administrativa comum das três entidades políticas no combate à covid19 com a competência legislativa comum que não existe, nem pode existir, sob pena de gerar um caos na ordem jurídica com cada entidade política legislando em um sentido, conflitando com as regras editadas por outras entidades.

O que existe em matéria de proteção da saúde é a competência legislativa concorrente na forma do inciso XII do art. 24 da CF:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde”

Em matéria de legislação concorrente a União limita-se a editar normas gerais (art. 24, § 1º do CF).Os Estados ficam com a competência suplementar (art. 24, § 2º da CF) assumindo a competência legislativa plena na ausência de normas gerais (art. 24, § 3º da CF).Sobrevindo a lei federal sobre normas gerais suspende-se a eficácia da lei estadual em sentido contrário (art. 24, § 4º da CF)

Tudo harmônico e claro como água!

A Lei Federal de nº 13.979, de 8-2-2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, prevê o isolamento social apenas de pessoas doentes ou contaminadas de maneira e evitar a propagação do vírus (art. 2º, inciso I), e a quarentena de pessoas suspeitas de contaminação que não estejam doentes (art. 2º, inciso II).

O isolamento horizontal imposto por Estados e Municípios extravasa os limites das normas gerais.

A competência comum das entidades políticas para “cuidar da saúde e assistência pública” prevista no art. 23, inciso II da CF não significa competência legislativa para cada uma delas editar normas sobre proteção da saúde pública, sem observância das normas gerais da União, sob pena de causar conflitos entre os entes federados e gerar insegurança jurídica.

Estados e Municípios devem obediência à Lei Federal de nº 13.979/2020 quando atuarem na proteção à saúde pública que, como vimos, não autoriza o isolamento horizontal.

Poder-se-ia argumentar que a lei federal é omissa a respeito, autorizando os Estados (art. 24, § 3º da CF) e os Municípios (art. 30 da CF) a assumirem a competência legislativa plena.

Não nos parece ser está a melhor interpretação, pois, as proibições como medidas excepcionais que são, devem ser interpretadas restritivamente, sem ampliações ou emprego de analogias.

De fato, o art. 3º da lei enumera taxativamente as medidas restritivas a saber:

I - isolamento;

II - quarentena;

III - determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínica;

d) vacinação e outras medidas profiláticas ou;

c) tratamentos médicos específicos.

III-A - uso obrigatório de máscaras de proteção individual (incluído pela Lei nº 14.019 de 2020)

IV - estudo ou investigação epidemiológica;

V - exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;

VI - restrição excepcional e temporária, por rodovias, postos e aeroportos de: (redação dada por Lei nº 14.035 de 2020);

a) entrada e saída do país;

b) locomoção interestadual e intermunicipal;

VII - requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e

VIII - autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus, desde que: (redação dada pela Lei nº 14.006 de 2020).

a) registrados por pelo menos uma das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras e autorizados à distribuição comercial em seus respectivos países (redação dada pela Lei nº 14.006 de 2020):

1.  Food and Drug Administration (FDA);

2.  European Medicines Agency (EMA);

3.  Pharmaceuticalsand Medical Devices Agency (PMDA);

4.  National Medical Products Administration (NMPA);

b) revogada (redação dada pela Lei nº 14.006 de 2020).

Como se verifica, as restrições às pessoas limitam-se ao isolamento e à quarentena definidos, respectivamente, no art. 2º, I e art. 2º, II, como visto inicialmente.

Não há omissão de normas gerais, verificando-se aditamentos supervenientes pelas Leis nºs14.006/2020, 14.019/2020 e 14.035/2020.

Isolamento horizontal de pessoas sãs, assim como interdição de praias e fechamento total de comércio e prestação de serviços não essenciais não estão previstos na lei federal. Donde o conflito ente o governo federal e as demais esferas do governo. Faltou ao STF explicitar que a competência dos Estados e Municípios no combate ao coronavírus deve ser exercida com observância das normas gerais da União.

Não se discute o mérito das regras próprias traçadas por Estados e Municípios, por meio de Decretos e Portarias com força vinculante, mas, tudo indica que suas medidas são conflitantes com as normas gerais da União que está a merecer uma revisão para incluir outras medida restritivas enquanto perdurar a pandemia.

SP, 2-8-2021.