Everardo Maciel*
Em artigo veiculado em 1º de julho passado (Inferno Fiscal, Parte I), apontei inconsistências no projeto de lei nº 2.337/2021, especialmente o pífio reajuste da tabela do imposto de renda das pessoas físicas, que assegura, quando muito, dinheiro para comprar um quilo de pão francês por mês e garfa acintosamente os contribuintes da classe C, e a tributação de dividendos, que traduz um retrocesso evidenciado por uma, espantosamente assumida, elevação de carga tributária das médias, pequenas e microempresas, aumento da complexidade, estímulo à litigiosidade e um convite à sonegação, com a volta da insidiosa distribuição disfarçada de lucros, e ao planejamento tributário abusivo.
A indisposição com a tributação de dividendos tem a mesma origem da estapafúrdia defesa do voto impresso: insciência. Nessa esteira, não tarda alguém propor a volta das declarações de renda em papel. Como dizia Nelson Rodrigues: “subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”.
A proposta original congregou uma rara oposição de praticamente todos os contribuintes.
As diferentes versões do Substitutivo dissiparam algumas reações, especialmente de grandes contribuintes, mas promoveu descontentamento generalizado dos Estados e Municípios, dos optantes (também eleitores) do lucro presumido e do Simples (5 milhões de contribuintes), das mineradoras e da indústria farmacêutica.
O descontentamento dos Estados e Municípios decorre da previsão de graves perdas na arrecadação do imposto de renda, repercutindo nos respectivos Fundos de Participação, importante fonte de financiamento daqueles entes federativos.
Para tentar aplacar a reação daqueles entes, o Substitutivo previu que a redução da alíquota do imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ) ficaria condicionada ao crescimento real da arrecadação do imposto de renda total, deduzidas as restituições, no período de 12 meses, contado de outubro do exercício anterior.
Pondera, entretanto, que “o parâmetro estabelecido considere a arrecadação em período anterior à emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19) e seja neutro em relação aos seus efeitos extraordinários na arrecadação”. Creio que essa norma é forte concorrente ao Prêmio IgNobel de (má) redação, além de afrontar a inteligência dos Secretários de Fazenda e inviabilizar o planejamento empresarial de curto prazo, porque somente em dezembro, em hipótese otimista, seria possível conhecer a alíquota aplicável no exercício subsequente.
O Substitutivo manteve a pretensão de extinguir os juros remuneratórios do capital próprio, instituído pioneiramente no Brasil, após a eliminação da dedutibilidade da correção monetária do patrimônio líquido, com a vantagem de mitigar as desvantagens tributárias do capital de risco vis-à-vis os empréstimos.
Essa insensatez foi brilhantemente desconstruída em artigos subscritos pelos Professores Eliseu Martins (“O Brasil perdendo saudável liderança na tributação empresarial”) e Luís Eduardo Schoueri (“Sobre a extinção dos juros sobre o capital próprio: jabuticabas crescem na Europa?”). Nada tenho a acrescentar.
O Substitutivo é também uma usina de potenciais litígios, entre os quais: tributação de dividendos não distribuídos e do estoque de fundos de investimentos, em que se pode alegar a vedação constitucional à retroatividade onerosa da norma tributária; tributação dos resultados distribuídos pelos optantes do Simples, procedendo-se à alteração por lei ordinária de dispositivo contido na Lei Complementar nº 123 e sem considerar a restrição estabelecida na Emenda Constitucional nº 109 (art. 4º, parágrafo 2º, inciso I); apuração do excêntrico “parâmetro” que iria balizar a redução das alíquotas do IRPJ.
Trata-se da mais impressionante proposta de desorganização empresarial do País, ao mesmo tempo em que desvia atenção do enfrentamento da inflação e, agravado pela explosão das despesas com precatórios, do risco fiscal. Em outras palavras, irresponsabilidade.
SP, 5-8-2021
* Consultor Tributário e ex Secretário da Receita Federal do Brasil.