Kiyoshi Harada

Para financiar programas de inclusão social (Bolsa Família, Auxílio Emergencial, Minha Casa, Minha Vida) o Ministro da Economia rompeu a sua linha de atuação liberal e apresentou um projeto de reformulação do Imposto de Renda complexo e muito confuso, misturando as poucas bondades a inúmeras maldades introduzidas com requintes de crueldade.

A guinada do Ministro liberal tem o cunho confessadamente eleitoreiro com o nítido objetivo de viabilizar perspectivas de reeleição do Presidente Jair Bolsonaro, abastecendo os cofres da União à custa do empobrecimento das empresas e de parcela ponderável da população, principalmente da classe média.

 

Paralelamente o Congresso Nacional aprovou a LDO de 2022 triplicando os recursos do Fundo Eleitoral (de R$1,8 bilhão em 2018 para R$5,7 bilhões em 2022), contando com o inusitado aumento do IR decorrente do projeto legislativo em tramitação acelerada. Nunca conseguiremos entender por que a sociedade tem que financiar as campanhas milionárias de candidatos a cargos eletivos, principalmente, nessa época de pandemia em que faltam recursos financeiros para quase tudo. Até os R$2 bilhões reservados para o importantíssimo censo demográfico de 2021 foram cortados para aumentar os recursos de emendas parlamentares, comprometendo, dessa forma, a formulação correta e precisa de políticas públicas, ao mesmo tempo em que desorienta o setor privado na eleição de prioridades de investimentos. Mas, o pior defeito desse fundo eleitoral é que em relação às eleições proporcionais não há como editar regras de distribuição entre os milhares de candidatos. Incentiva, pois, a prática de corrupção na distribuição do rico filão. Não é por acaso que a metade dos congressistas ostentam a marca da corrupção que todos condenam, mas, que todos a alimentam por mais variadas formas com emprego de modernas tecnologias que dispensam a ultrapassada e anacrônica “mala de dinheiro”. Todos são contra a corrupção, mas apenas contra a corrupção dos outros, nunca a corrupção deles próprios.

Despesa de monta, seguida de aumento tributário, é uma das razões pelas quais sempre batemos pela tese da extinção de reeleição que tantos danos têm trazido à sadia administração do Estado Federal Brasileiro. A nossa realidade é bem diferente da dos Estados Unidos, onde apenas dois partidos se revezam na presidência da República.

Essa pretendida reforma do Imposto de Renda é uma versão deturpada do Robin Wood de Sherwood do século XIII, agindo em pleno século XXI, que vai acabando por afugentar o capital estrangeiro. Fala-se em 20.000 pessoas super-ricas que não pagam impostos. Isso não é verdade. São eles que produzem, investem, dão empregos e pagam tributos de elevado valor.

Sob a simpática bandeira de aliviar a pressão tributária de pessoas humildes elevou-se a faixa de isenção de R$ 1.903,38 para R$ 2.500,00, representando uma elevação de 31%, de pouco impacto ao erário, sem contar que parte desse aumento se deve à mera atualização monetária de 2015 para cá. Não se fez a correção das demais faixas de tributação com o mesmo índice, colocando um contingente enorme de contribuintes na faixa de tributação máxima de 27,5% (os que ganham acima de R$5.300 mil/mês). Quem ganha R$5.301 mil é super-rico? Na prática está tirando do pobre para dar ao mais pobre ainda. Distribuir a pobreza de forma igualitária não é a solução!

De quebra taxou as aplicações financeiras, acabou com a dedução do JCP e criou a absurda tributação de dividendos à alíquota de 20%, provocando o maior aumento tributário de todos os tempos, no pior momento em que as empresas precisam contar com a diminuição da carga tributária para se recuperarem dos efeitos da pandemia. E fê-lo de forma odiosa e incompreensível igualando situações diferentes. As sociedades civis de prestação de serviços profissionais foram equiparadas às sociedades comerciais representadas por grandes corporações multinacionais.

Ora, os polpudos dividendos distribuídos a acionistas por grandes corporações empresariais advêm de lucros auferidos com emprego de capital. Os dividendos distribuídos por sociedades civis de profissionais liberais têm origem exclusivamente no árduo trabalho do profissional tendo, pois, natureza salarial que ficariam sujeitas à alíquota máxima de 27,5% e não à alíquota de 46,40% (15% de IR + 9% de CSLL, mais 10% de adicional + 20% de dividendos). Tratar igualmente situações desiguais viola ostensivamente o princípio da isonomia protegido em nível da cláusula pétrea.

Por motivos puramente eleitoreiros sacrifica-se a perspectiva de crescimento econômico que, por si só, poderia implicar a dispensa da política de “dar de comer” que em nada ajuda a manter a autoestima das pessoas. Ninguém se orgulha de viver como parasita da nação. Com a pressão do setor empresarial o Relator do projeto, de comum acordo com o Ministro liberal, reduziu as alíquotas do IRPJ, excepcionou os ganhos financeiros dos setores imobiliário e agrícola da taxação pelo IR, assim como abriu exceção às empresas do mesmo grupo econômico que ficaram de fora da tributação de dividendos, favorecendo a formação de holdings familiares. As sociedades de profissionais liberais, normalmente no regime de lucro presumido, ficaram fora do benefício concedido a grandes corporações empresariais, donde a dupla violação do princípio da isonomia: primeiro por igualar situações desiguais, em segundo lugar, por deixar de fora dos benefícios as sociedades de profissionais liberais.

Por conta dos privilégios outorgados às grandes empresas suprimiu-se o incentivo fiscal do vale-refeição, pegando de surpresa os donos de restaurantes e as empresas de cartão, prejudicando os trabalhadores em geral.

Mantida a tributação dos dividendos em geral, mesmo com a anunciada redução de alíquotas do IRPJ, o Brasil passará a posicionar-se como o País que mais tributa o lucro no mundo atual.

Só para exemplificar, o IRPJ de quem aufere lucro superior a R$ 20 mil/mês passará de 34% (25% IR + 9% CSLL) para 29% (20% IR + 9% de CSLL) que com 20% de tributação de dividendos chegará à alíquota de 49% (29% IR + 20% dividendos).

Se considerarmos que as empresas com lucro superior a R$ 20 mil/mês sujeitam-se ao adicional de 10% chegaremos à carga total de 53,90% (49% + 4,90%), ou seja, teremos a maior carga tributária do mundo incidindo sobre os lucros das empresas, empatando com a maior tributação indireta do mundo que, entre nós, chega a 50% ou 60% do preço das mercadorias e serviços.

A política liberal do Ministro Guedes fez do Brasil o campeão mundial de tributação direta e indireta ao mesmo tempo, praticamente, igualando a carga tributária incidente sobre a renda e sobre o consumo, o que não existe em nenhum país do mundo. Só para citar, nos Estados Unidos o IR é tributado em 28% (21% até recentemente), e em 18% o consumo. A soma dos dois impostos chega a 46% contra os 113,90% do Brasil. A diferença é brutal em comparação com aquele País do primeiro mundo.

Esta é a pior reforma na pior ocasião, pois a economia está cambaleante requerendo uma injeção de oxigênio e não a sua retirada de forma irresponsável. Este não é o momento para remexer em tudo, desmontando o que está funcionando e acentuando a odiosa burocracia que tanto encare os nossos produtos e serviços, além de afrontar o princípio da igualdade.

Esta reforma nada tem de neutra, como apregoado pelo seu autor, pois além de aumentar a carga tributária da classe média e dos chamados “ricos” para aliviar os menos favorecidos pela fortuna, provoca uma enorme carga burocrática obrigando a escrituração contábil-fiscal para todas as sociedades sob o regime de lucro presumido, o que eleva o custo Brasil que afasta os produtos e serviços brasileiros do mercado de concorrência internacional.

E mais, como se viu, os grandes conglomerados escapam da tributação de dividendos por meio de holdings familiares, enquanto sociedades civis de profissionais liberais, que têm seus ganhos tributados na fonte, são novamente tributados quando os sócios percebem os dividendos que, na realidade, representam remuneração do laborioso trabalho profissional executado sob responsabilidade pessoal.

Como se disse no início é o Robin Wood do século XXI, diferente daquele do Século XIII. O projeto sob exame castiga fortemente as sociedades sob o regime de lucro presumido, cerca de 900 sociedades, dentre as quais, sociedades civis de profissionais liberais, a exemplo do projeto de unificação do PIS/COFINS. O Ministro da Economia tem uma obsessão em prejudicar o setor de serviços.

A proposta governamental sob exame redistribui, pois, a pobreza na classe média nivelando por baixo os seus integrantes. Certamente não é o caminho para desenvolver a economia, nem para promover a justiça fiscal.

SP, 19-7-2021.