Mario Frota*
Uma novidade nos últimos tempos: o legislador entendeu mexer na Lei das Condições Gerais dos Contratos(LCGC) que, entre nós, em Portugal, se denomina com impropriedade embora, ao que se nos afigura, por Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85, de 25 de Outubro).
Com efeito, a 27 de Maio próximo passado, foi dada à estampa a Lei 32/2021.
E que alterações introduziu?
No que ora nos importa, o aditamento de uma alínea –aalínea i)- ao artigo 21, em que se perfilam as condições gerais em absoluto proibidas, no quadro das relações entre fornecedores e consumidores, a saber:
“Consideram-se absolutamente proibidas as cláusulas que
“se encontrem redigidas com um tamanho de letra inferior a 11 ou a 2,5 milímetros, e com um espaçamento entre linhas inferior a 1,15».
Trata-se, com efeito,quanto nos parece, da concretização – da pormenorização – de uma das hipóteses consignadas na alínea d) do artigo 8.º da LCGC, segundo a qual se
“consideram excluídas dos contratos singulares”…
(ou seja, dos contratos em que os formulários de adesão se convertem após a assinatura do contraente no suporte de adesão)
…“as cláusulasque, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precedeou pela suaapresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real.”
A lei, com efeito, refere-seà “apresentação gráfica” das cláusulas apostas nos contratos singulares.Cabendoobviamente ao julgador, perante as situações suscitadas, avaliar circunstanciadamente se as letras neles impressas são ou não legíveis e, noutro plano, se as cláusulas são ou não inteligíveis.
Tribunais superiores, no bloco dos países a que pertencemos, terão definido o corpo de letra a partir do qual se teriam como legíveis as cláusulas. Em França, se bem nos recordamos, não se admitiria corpo de letra inferior a 10 (?)...
Já se experimentara, entre nós, definir algo do estilo, num dos regulamentos da ANACOM - o Regulador das Comunicações: o Regulamento n.º 829/2016,de 23 de Agosto), entretanto suspenso. E, tal, no quadro da “informação pré-contratual e contratual no âmbito das comunicações electrónicas (artigo 12.º) e do teor seguinte:
“Quando reduzido a escrito, o contrato deve preencher os seguintes requisitos:
a) Tamanho de letra igual ou superior a 10 pontos, tendo por referência o tipo Arial;
b) Cor de letra preta sobre fundo branco;
c) Espaçamento entre linhas igual ou superior a single; e
d) Introdução de, pelo menos, um parágrafo entre cláusulas.”
Não seria, pois, pela circunstância de não haver norma com indicação expressa do corpo mínimo da letra e, eventualmente, do desenho do tipo, que o consumidor estaria desprotegido. E se tivesse de tomar como inevitável, por um lado, o tipo microscópico da letra, dada a liberdade com que se move no mercado quem oferece tais “linguados” à assinatura do consumidor ou do co-contratante (que a lei também se aplica, entre nós, aos empresários nas relações entre si, nas que religam profissionais liberais e nas que se estabelecem entre empregador e trabalhador no quadro dos contratos individuais de trabalho) e, por outro, que a assinatura do consumidor, como ainda se vê e ouve por aí, como que absorveria todas as anormalidades não podendo o consumidor, por no escrito ter aposto a sua assinatura,invocá-las em seu favor. Como quem diz: “assinaste, sem saber o quê, tornas-te escravo da tua assinatura!Vais ter de “gramar”, de suportar as cláusulas que subscreveste, inconsciente, irresponsavelmente, digam elas o que disserem”!
E não é assim patentemente! Não é de todo assim! E importa desfazer tais equívocos.
Porque uma cláusula nula não se torna válida, não se convalida, pela assinatura do contratante.
O sistema já oferecia solução para as letras microscópicas. Tratou-se de concretizar o que se deve entender por “apresentação gráfica”. Assim sendo, a norma está deslocada.
Há, pois, um claro deslocamento do lugar em que o legislador a deveria ter posto.
Aliás, este diploma legal com somente 4 artigos ou inaugura uma nova arte de legiferar ou contraria deliberadamente o que se tem como normal ao fazê-lo.
Tal norma não deveria constar do artigo 21 (cláusulas absolutamente proibidas), já o sustentámos, mas num desdobramento das alíneas do artigo 8.º, que consagra os pressupostos da cognoscibilidade (cumprimento dos deveres de comunicação e informação), legibilidade (apresentação em letra que se veja), inteligibilidade (cláusulas cujo sentido e alcance se compreenda) e davinculatividade (a assunção das cláusulas e só das cláusulas abarcadas pela assinatura, sem prejuízo da sua desconformidade ao padrão de legalidade que o diploma traça e, por conseguinte, a sua exclusão porque feridas de nulidade).
Ponto ainda é saber se o leigo consegue distinguir entre o tamanho 9, 10 ou 11…
Mas importa não ignorar que a questão não está só – e tão só – no corpo e no tipo de letra.
Concretizando: para que as condições gerais constantes de qualquer suporte se considerem incluídas nos contratos singulares é indispensável que:
. tenham sido objecto de comunicação(com a antecedência julgada necessária para que o consumidor as possa “mastigar”, as possa “digerir”, passe a expressão);
. haja adequada informação e apropriados esclarecimentossempre que exigíveis;
. não haja “rasteiras”, dizendo-se uma coisa no título (epígrafe) e outra na própria cláusula, iludindo o consumidor (e os mais), como tantas vezes sucede;
. sejam inteligíveis (que o contraente as perceba, as entenda, saiba o que querem dizer) e, por fim,
. a assinatura do consumidor (empresário, trabalhador) venha no fim de todas as cláusulas.
A lei que ora veio a lume cria ainda um “sistema administrativo de controlo e prevenção das cláusulas abusivas”,velha aspiração nossa, concretizada após 35 anos de porfiados esforços: uma Comissão Nacional das Cláusulas Abusivas.
Falaremos disso noutra altura.
Mas não embandeiremos em arco, que não é desta feita ainda que os contratos deixarão de comportar cláusulas abusivas…
E que os predisponentes (os que oferecem no mercado tais arrazoados à aceitação dos consumidores e dos mais) passarão a respeitar quem quer…
O direito é, sobretudo, a LUTA contínua, persistente, perseverante… pelo DIREITO!
SP, 7-5-2021.
* Mário Frota - apDC - DIREITO DO CONSUMO - Coimbra