Renan Clemente Gutierrez
Os benefícios fiscais representam uma intervenção do Estado na economia para impulsionar o desenvolvimento regional das regiões com menor atividade econômica. Contudo, sabe-se que o instrumento passou a ser contestado, pois não há retorno notório ou comprovado à coletividade, atestado por estudos técnicos, do efetivo retorno desses benefícios à sociedade. O que há, na verdade, são privilégios tributários a diversas empresas, maximizando sua margem de lucro.
Para dar cumprimento ao princípio da neutralidade, um dos princípios fundantes da reforma, disciplinou-se no art. 156-A, §1º, X, que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) “não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição”. A medida busca corrigir as distorções decorrentes da concessão de benefícios fiscais que gerou guerra fiscal entre os entes federativos.
Evidentemente, que por conta do sobreprincípio da segurança jurídica, aquelas pessoas, físicas ou jurídicas, detentoras de benefícios fiscais atualmente concedidos por prazo certo e sob condição serão compensadas pelo fim dos benefícios (art. 178, CTN).
Para compensá-las, o art. 12 da EC 132/2023 institui o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais (FCBF), com prazo entre 1º de janeiro de 2029 e 31 de dezembro de 20321. Sua regulamentação está no art. 384 da Lei Complementar nº 214, de 2025.
O § 1º do art. 12 estabelece que de 2025 a 2032 a União entregará anualmente ao Fundo recursos atualizados (IPCA ou índice que o venha substituir) de 2023 ao ano anterior da entrega, que somam R$160 bilhões ao longo de 8 anos.
O §4º determina prevê que a compensação será para os titulares de “benefícios onerosos referentes ao imposto previsto no art. 155, II, da Constituição Federal regularmente concedidos até 31 de maio de 2023, sem prejuízo de ulteriores prorrogações ou renovações, observados o prazo estabelecido no caput”. Além desses requisitos objetivos para fazer jus à compensação disciplinada pela norma, exige-se “registro e depósito estabelecida pelo art. 3º, II, da Lei Complementar nº 160, de 7 de agosto de 2017, que tenham cumprido tempestivamente as condições exigidas pela norma concessiva do benefício, bem como aos titulares de projetos abrangidos pelos benefícios”.
Conforme estudo de Edson Ronaldo Nascimento2, o plano da União para cumprir com as compensações é o seguinte:
- R$ 8 bilhões em 2025;
- R$ 16 bilhões em 2026;
- R$ 24 bilhões em 2027;
- R$ 32 bilhões em 2028 e 2029;
- R$ 24 bilhões de reais em 2030;
- R$ 16 bilhões de reais em 2031;
- R$ 8 bilhões de reais em 2032.
Contudo, o Governo Federal já deixou de incluir no orçamento de 2026 a primeira parcela que trata o §1º do art. 12, no valor de R$ 8 bilhões3.Essa conta tem que ser paga, mas ficará para o próximo governo.
Mas, há outra curiosidade a respeito desse tema.
O art. 159-A institui o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) para cumprimento dos objetivos fundamentais da República(art. 3º da CF/88), mediante entrega de recursos da União para Estados e Distrito Federal. O propósito do fundo é o de dar cumprimento ao ditame das reduções de desigualdades sociais e regionais (art. 3º, CF).
O art. 13 da EC 132/2023 prevê que os valores para composição do FNDR serão aportados de 2029 a 2043, e devem somar o montante de R$ 630 bilhões. Ao contrário do FCBF, em que os valores sobem até 2028/2029 e começam a reduzir, no FNDR essa conta apenas cresce.Tais recursos, aportados pela União, terão a função de fomentar
atividades produtivas com elevado potencial e geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras, sendo que a decisão político-administrativa sobre o destino de tais recursos é excluída dos Estados ou Distrito Federal.
Há quem defenda que não se trata de uma bomba fiscal, sob o escopo de que o FCBF “é fundamental para a manutenção da competitividade das empresas”4. Contudo, e agora que a União deixou e incluir a primeira parcela no orçamento? Isso pode sim ser uma bomba fiscal nas mãos da União, que assinou um cheque em branco, comprometendo-se a compensar as perdas decorrentes dos incentivos perante os Estados e Distrito Federal.
Para os entes destinatários da norma, pode ser um cheque sem fundo? Tais entes deverão estar sobremodo atentos para evitar que sobrevenha prejuízo decorrente da falta de repasse dos valores dos respectivos fundos?
Mais: substitui-se o benefício fiscal por subvenções concedidas para o mesmo fim (em tese, a redução das desigualdades)? Poderia suceder uma possível guerra fiscal pelas subvenções? São questões que o tempo responderá.
