De um consulente da Maia:
“Uma empresa de electricidade telefonou-me (de um‘callcenter’) e eu mostrei-me interessado em mudar de distribuidor porque pouparia € 30,00 / mês.
Disse-me que ia gravar a conversa e me ia ler o contrato e, no final, apenas tinha que dizer sim.
Que me mandasse o contrato via mail e que, depois de o ler, o assinaria e o devolveria.
Também lhe disse que não sabia se ela o leria, pelo telefone, na totalidade, pois se o fizesse levaria decerto muito tempo e não estava para isso.
Ripostou que ou fazia como ela havia dito ou não fazia contrato nenhum, pois essa era a regra da empresa.
É legal exigirem-me que ‘subscreva’ o contrato telefonicamente com leitura parcial ou total do seu articulado no fim da qual terei de dizer "SIM" e só depois é que mo mandam via mail (mas para todos os efeitos o contrato já se encontra ‘subscrito’?)?
Apreciadaa factualidade, cumpre emitir opinião:
1. Duas hipóteses se perfilam:
1.ª Se a iniciativa for da empresa, o consumidor só fica, em princípio, obrigado depois de assinar a oferta ou remeter o seu consentimento por escrito [DL 24/2014: n.º 8 do art.º 5.º].
1.1. “Em princípio”: após acelebração por telefone, sendo válido o contrato, o consumidor dispõe de 14 dias consecutivos para se retractar, ou seja, para dar o dito por não dito (direito de desistência ou retractação) que a lei lhe concede para ponderar, para reflectir, para saber se o contrato lhe convém ou não.
1.2. Mas para tanto é necessário que do clausulado do contrato (presente ao consumidor em qualquer suporte duradouro*) conste o tal direito de desistência ou retractação.
(*Suporte duradouro: “qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o CompactDiscRead-OnlyMemory (CD-ROM), o Digital VersatileDisc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor de bens… armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respectiva reprodução inalterada.”)
1.3. Se, porém, do clausulado não constar tal direito, o consumidor dispõe, não de 14 dias, mas de mais 12 meses para o efeito. Sem quaisquer consequências para si. E como forma de penalizar o co-contratante por não haver observado a lei.
2. 2.ª Se a iniciativa do telefonema for, no entanto, do consumidor, o contrato considera-se, em princípio, celebrado. Mas o fornecedor tem de o confirmar em 5 (cinco) dias mediante a remessa do clausulado de onde constará o período de reflexão ou de ponderação de 14 dias dentro do qual a desistência ocorrerá, se for o caso. Se não constar, observar-se-á o mesmo que na hipótese anterior: o período para o exercício do direito de desistência ou retractação será então de 12 meses contados dos 14 dias iniciais.
3. Reconduz-se, no entanto, à hipótese primeira (telefonema por iniciativa do fornecedor) se, no decurso de contacto estabelecido pelo consumidor com qualquer outro propósito, vier a ser abordado para a celebração de um contrato, qualquer que seja: o contrato só se considera celebrado, nesta circunstância, se acaso o consumidor der o seu consentimento por escrito ou assinar a oferta.
4. Comete ilícito de mera ordenação social grave passível de coima quem não facultar ao consumidor as informações pré-contratuais constantes da Lei dos Contratos à Distância [DL 24/2014: n.º 1 do art.º 4.º; n.º 2 do art.º 31; DL 9/2021: art.º 134; sub. V, al. b) do art.º 18].
5. A grelha das sanções das contra-ordenações económicas graves varia segundo o talhe das empresas: as grandes empresas (250 ou mais trabalhadores) sujeitam-se a coimas de 12 000 a 24 000 € [DL 9/2021: art.º 134; sub. V, al. b) do art.º 18].
CONCLUSÃO:
- Contrato celebrado por telefone, por iniciativa da empresa, sem oferta assinada nem consentimento escrito do consumidor é nulo e de nenhum efeito [Código Civil: art.º 294]
- A não remessa das informações pré-contratuais ao consumidor constitui contra-ordenação económica grave [DL 24/2014: n.º 1 do art.º4.º; n.º2 do art.º 31]
- Tratando-se de grande empresa (250 ou mais trabalhadores) o valor da coima oscilará entre os 12 000 e os 24 000 € [DL 24/2014: n.º 2 do artigo 31; DL 9/2021: art.º 134, sub. V, alínea b) do art.º 18].
Este é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DOCONSMUO - Portugal