Por Everardo Maciel*
Sistemas tributários, ainda que seja óbvio, encerram inevitavelmente complexidades quando lidam com fenômenos complexos, como preços de transferência, planejamento tributário, operações no mercado financeiro, etc.
Complexidade não dispensa, todavia, a concepção de soluções de caráter opcional, fundadas na praticabilidade tributária, para situações específicas como pequenas e microempresas ou pessoas físicas equiparadas a jurídicas.
Afora isso, é responsabilidade da administração tributária desenvolver sistemas que tornem amigável, em termos de facilidade operacional e baixo custo, o cumprimento da obrigação tributária, a exemplo do que ocorre com a declaração de imposto de renda das pessoas físicas no Brasil.
É nesse contexto que se distinguem complexidade (simples e complexo) de operabilidade (fácil e difícil).
Sistemas tributários são também imperfeitos, porque resultam de conflitos que se operam no âmbito parlamentar.
A complexidade e a imperfeição dos sistemas tributários são campo propício para mistificação, que é potencializada para natural aversão a tributos que, em brilhante síntese do jurista Ives Gandra, foram qualificados como norma de rejeição social.
A mistificação pode envolver, em maior ou menor grau, iniquidades, como vetustos principismos associados a modelos ultrapassados, “teorias” que interessam a países ou contribuintes, “literatura” que corresponde a meras práticas locais de questionável transposição para outras realidades, exercícios econométricos que guardam compromisso tão somente com as hipóteses em que se fundam, objetivos para os quais os tributos têm pouca ou nenhuma eficácia, falsas promessas de crescimento e emprego, etc.
Como, entretanto, prevenir a mistificação de propostas tributárias? Uma providência mínima consiste em produzir um adequado diagnóstico dos problemas, eleger prioridades e examinar opções, acompanhadas dos respectivos custos políticos e das repercussões sobre os contribuintes e entes tributantes.
Uma proposta não deve começar pelo fim, salvo se se pretende mascarar os problemas e as soluções, reproduzir preguiçosamente enlatados tributários ou dar curso a dogmatismos messiânicos mesclados com arrogância.
A PEC 45, autodesignada reforma tributária, não observou os mínimos requisitos para encaminhamento de uma proposta, tanto em relação ao diagnóstico, quanto no que concerne às consequências de sua implementação.
Tributaristas, em artigos e debates, é que estão explorando as repercussões da proposta e apontando suas inconsistências, deficiências e inconstitucionalidades.
Ao que já se disse, acrescente-se que a PEC 45 é um convite para aumento da evasão fiscal e do planejamento tributário abusivo.
É ilusório pensar que a pretensa sofisticação do IVA seja sinônimo de prevenção da evasão fiscal, mesmo em países desenvolvidos.
Como bem observado pelo jurista José Paulo Cavalcanti Filho, a romena Laura Kövesi, nomeada titular da recém instituída Procuradoria Geral Europeia, assinalou que, somente em razão do “carrossel” (passeio de notas fiscais”, a sonegação do IVA, na União Europeia, é estimada em 50 bilhões de euros anuais.
Na adoção da PEC 45, a essa fraude, típica do IVA com princípio do destino, se acrescentariam outras, como geração de créditos decorrentes da falsa prestação de serviços, venda sem notas na prestação de serviços a pessoas físicas, sonegação, por força da extinção da substituição tributária,em setores com elevada carga tributária, sem falar no estímulo às operações entre contribuintes (vendas por plataforma, airbnb, crowdshipping, etc.) e à divisão artificial de empresas visando enquadramento no Simples, que se converteria, nas circunstâncias, em verdadeiro oásis tributário.
Como se tudo isso não bastasse, a evasão fiscal e o planejamento tributário abusivo podem implicar insanáveis irregularidades na restituição de imposto e na partilha de receitas entre os entes federativos.
A PEC 45 é um poço de obscuridades, que quanto mais se conhece mais se teme.
* Consultor tributário. Ex Secretário da Receita Federal do Brasil
+ Texto publicado no Estado de São Paulo, 7-11-2019