*Antonio Francisco Costa
Jurista e Escritor, Especialista em Ciência Jurídica, Mestre em administração de Empresa e Comércio Internacional, Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Direito Cambiário, Especialista em Jornalismo Investigativo, ex-coordenador do Curso de Direito da Universidade Católica do Salvador, Professor de Direito Internacional e Direito Processual Civil da UNIFACEMP, Membro do Instituto dos Advogados da Bahia, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, da Academia Maçônica de Letras da Bahia, Diretor Consultor do Escritório Antonio Francisco Costa Advogados Associados, Membro do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito Administrativo, Financeiro e Tributário-IBEDAFT, Presidente do Instituto Baiano de Direito Empresarial – IBADIRE. E-mail:
Como dizíamos no Capítulo anterior: “Não está fácil se enxergar o mínimo de verdade na afirmativa de que esta Reforma Tributária vai à direção de uma Reforma Administrativa destinada a enxugar o tamanho do Estado”.
O Sistema Tributário tem de ser construído em consonância com a organização administrativa do Estado, de conformidade com o “tamanho” do Estado, a sua estrutura, seus propósitos e suas necessidades, planejadas e supervenientes.
Como sabemos, o Direito Administrativo constitui um conjunto de normas de organização do Estado, desenhando a sua estrutura organizacional, funcional e de competências, tudo voltado para o bem comum e o bem-estar social, a segurança do Estado e de todos que nele habitem, o que vai definir o “tamanho” do Estado e suas necessidades.
O País vivendo sob a égide da Constituição de 1988, já afetada por 132 Emendas Constitucionais, transformada, portanto, numa coxa de retalho, de variadas “cores e consistências”, reclama, com urgência, uma Reforma Administrativa robusta e consistente, principalmente, para disciplinar as prioridades na aplicação das receitas, definição rigorosa das competências, e justa distribuição da riqueza.
O Direito Administrativo modula o arcabouço do Estado, definindo os princípios e normas que disciplinam a função administrativa exercida pelos agentes públicos, pelos órgãos públicos, pelas pessoas jurídicas de Direito Público, e todas as funções desempenhadas pela Administração Pública de um modo geral, inclusive a responsabilidade pela gestão e controle dos seus custos.
Deste modo não se pode enxergar razoabilidade em se projetar uma Reforma Tributária sem a prévia Reforma Administrativa, isto é, sem a definição do tamanho do Estado e suas necessidades, conditio sine qua non para se calcular o volume adequado de recursos que precisa ser arrecadado do contribuinte, ou seja, transferido do setor privado para o setor público, necessário ao financiamento dos custos do Estado.
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Em consequência de o Parlamento não trabalhar primeiro nessa imprescindível definição, na Reforma Administrativa, é que estamos verificando no conteúdo integral da sugerida norma do artigo 131 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, que trata da distribuição do produto da arrecadação do IBS, nos exercícios do ano de 2029 ao ano de 2077, uma exagerada pluralidade de preceitos normativos, algo em torno de 25 (vinte e cinco) preceitos, que, necessariamente, para se completar, faz remissão a outros dispositivos legais, como em um movimento de motociclistas nos “globos da morte” circenses, impondo ao interprete da norma um complexo malabarismo mental, para uma conclusão que será, sempre, dúbia, sujeita a questionamentos, até que o judiciário defina, a seu modo e conforme a direção dos ventos, para onde estejam soprando no momento.
Essa multiplicidade de obscuras normas tem mais feições de um trabalho propositalmente deliberado, com o intuito de gerar demandas, com objetivos escusos, do que de incompetência redacional legislativa. Para uma Nação que precisa crescer e se impor no mercado internacional, principalmente em razão da sua capacidade e competência no setor do agronegócio, sua base de sustentabilidade econômica, isto é muito lamentável.
É de se perguntar: por que a sugerida Reforma Tributária em andamento, já que atropelando a Reforma Administrativa, não segue a linha orientadora do artigo 18 da Constituição Federal onde está disposto que – “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição” -, preservando intacta a autonomia dos Estados e Municípios? Não haveria a mínima justificativa para se pretender a interferência do Comitê Gestor, muito menos do Tribunal de Contas da União- TCU para definir alíquotas de incidência para o “IBS”, tão pouco para dizer sobre os mecanismos de distribuição dos recursos arrecadados.
Por outro lado, vê-se que o “Comitê Gestor”, como um órgão institucional federal autônomo, cumulando a competência normativa com a competência interpretativa das normas que ele mesmo edita, além da competência para representar o Estado, o Distrito Federal e os Municípios, quer seja judicial ou extrajudicialmente, e a extravagante competência para decidir sobre os processos administrativos tributários concernentes ao “IBS”, se reveste de extravagantes poderes de SUPERFISCO, idêntico ao equivocado modo como estava sendo previsto nos termos da PEC nº 110/2019.
Qual a razão de uma matéria tão importante e complexa dessa jaez, ser debatida e aprovada de forma açodada pela Câmara, ser alterado pelo Senado Federal, e retornando à Câmara, ser votada e aprovada, em um mesmo dia, em dois turnos de sessões “ultra relâmpago”, um instrumento legal composto por 491 (Quatrocentos e noventa e uma) normas conflitantes, até mesmo entre si, e confusas? Não pode resultar em coisa sadia, ou benéfica!
Para um País cujo nível de confiança dos investidores estrangeiros é quase negativo, em decorrência da familiar insegurança jurídica que, infelizmente, nos dias atuais cultivamos, falar-se em sedimentação de um caminho sólido para o desenvolvimento econômico com este sugerido novo Sistema Tributário, é um engodo.
E certo que a massa só se movimenta em razão do fermento. Por isso é de uma perversidade doentia a exagerada propaganda enganosa feita pelo Governo, a custos bilionários com os recursos dos próprios contribuintes, para lhes convencer, como tem até convencido a maioria leiga dos cidadãos, de que esta Reforma Tributária será benéfica para o País e concorrerá para o seu desenvolvimento econômico avantajado, para depois, com a carta branca que a Reforma lhe dá, lhes tirar muito mais, por via dos impiedosos tributos, para socorrer aos inevitáveis déficits.
Esta Reforma Tributária já nasce maculada na sua juridicidade original, quando construída com violação de dispositivos constitucionais que se consubstanciam em cláusulas pétreas, ampliando o sentimento público de insegurança jurídica. Basta se observar que somente o anúncio de sua aprovação já foi o suficiente para, de imediato, impactar a economia do País, fazendo encolher a produtividade, e, por conseguinte, resultando no encolhimento do “PIB”. Empobrecimento da Nação.
Não seria radicalismo dizer que estamos a tratar de uma Reforma Tributária subversiva, conquanto, segundo o dicionário de “Aurélio” subverter é “virar de baixo para cima”, “revirar”, e isto é o que o sistema tributário proposto faz com o sistema em vigor, simplesmente subvertendo a ordem constitucional, nada traz de novo nos moldes do quanto se pretendia, ou se prometia, em termos de simplificação e redução da carga tributária. Pelo contrário, a carga tributária se elevará sensivelmente, prejudicando o setor produtivo, em especial o setor de serviço, sem se falar que, a centralização fiscal da União irá prejudicar os interesses estaduais e municipais, freando um possível desenvolvimento das unidades federativas da base, embora permitindo o aumento da base de cálculo do IPTU, por decreto do Executivo, vulnerando o princípio da legalidade tributária e prejudicando toda a população economicamente ativa possuidora de imóvel, tudo isto agravado, ainda, pela complexidade de como se apresenta, impondo dificuldades para interpretações. Nada que se faz açodadamente, em termos legislativos, em especial, sem o efetivo debate com os especialistas, pode resultar benéfico.
Um ordenamento jurídico constitutivo de um SISTEMA TRIBUTÁRIO deveria ser discutido e construído, exclusivamente, por um Colegiado de Tributaristas Renomados, especialistas, para em seguida ser submetido ao debate e aprovação do Parlamento, enquanto norma constitucional, sem interferência do Poder Executivo. Se assim fosse, pensando no bem comum e na prosperidade da Nação.
O Estado deverá primeiro, ter a consciência de suas obrigações e a projeção de suas despesas, para somente depois, calcular o volume de receitas necessárias, e planejar a forma de arrecadação.
É certo, é inquestionável, que o direito evolui no tempo e no espaço, pelo que se impõe o seu natural aperfeiçoamento, para se justar a evolução da sociedade, e às suas necessidades. Todavia, a norma jurídica deverá ser editada com a feição e o sentimento de norma perfeita, e não ser editada já com o propósito de continuadas modificações, porque assim não concorre para a necessária e almejada segurança jurídica.
É espantoso que este sistema tributário proposto já traga no desenho normativo a expectativa, proposital, de continuadas alterações, desde a sua entrada em vigor, por lapso de tempo em torno de 50 anos! Onde fica a segurança jurídica?
Quem se propõe a investir em um País com um sistema tributário desta forma, com estas características? Estamos sendo condenados a ser UM ETERNO “PAÍS EM DESENVOLVIMENTO”, somente suportando retrocessos periódicos inevitáveis, em decorrência de fatos supervenientes internos e/ou fatores externos naturalmente originários das oscilações da conjuntura internacional.