Como todo sistema de ordenação jurídica bem estruturado que pretende unificar num todo unitário hierarquizado a multiplicidade de elementos, dentro do qual cada unidade ocupa seu lugar adequado e ao mesmo tempo se justifica e se encontra em relação com o todo, é evidente que para ser justo o sistema tributário deve ser compatível e coerente com a estrutura de Estado adotada, especialmente nos Estados de estruturação compósita descentralizada como o Estado Federal, nos quais a Constituição assegura autonomia tributária aos entes federados nos termos do pacto federativo, seja por ser axiomático que não há autonomia política sem autonomia tributária, seja porque esta última somente se exerce plenamente através dos consequentes direitos de instituir e de exigir ou cobrar tributos, cuja ausência, a par de comprometer a justiça, racionalidade, segurança e eficiência do sistema tributário, ensejar manifesta violação à própria Constituição do Estado. Dos preceitos constitucionais, doutrinários e jurisprudenciais retro expostos resulta inquestionável que o modelo tipológico tridimensional do federalismo brasileiro atual, se materializa na autonomia financeira (arts. 163 a 164 do CF/88), tributária (arts. 145, inc. I 149, 149-A, 150, inc. I, 153, 154, 155, 156 e 195 da CF/88) e orçamentária (arts. 70 a 75 e 165 a 169 do CF/88), constitucionalmente assegurada a cada um dos entes federados (União, Estados e Distrito Federal e Municípios), juridicamente qualificados como pessoas jurídicas de direito público interno (art. 41, incs. I a III do CC/02), e titulares ou sujeitos ativos de relações e obrigações tributárias (arts. 145, inc. I, 150, inc. I, 153 a 156 e 195 da CF/88; art. 119 do CTN), todos dotados de patrimônios ou tesouros próprios (art. 23, inc. I da CF/88) e da capacidade ou competência para instituir, lançar e arrecadar tributos ou receitas fiscais próprias (art. 146, § Único, inc. III da CF/88), e submetidos ao princípio da legalidade - administrativa (art. 37 da CF/88), tributária (arts. 145, 146 e 150, in. I da CF/88), e orçamentária (art. 165, inc. III, e §§ 5º a 9º da CF/88) -, que por sua vez se destinam não só a possibilitar a gestão patrimonial e financeira própria, independente e eficiente (pelos Poderes Executivos, simétrica e externamente controlados pelos Poderes Legislativos e Tribunais de Contas dos entes federados regionais e locais – arts. 70 a 75 da CF/88) e ao pagamento dos custos ou despesas no cumprimento de suas finalidades institucionais públicas (princípio da indisponibilidade do interesse e patrimônio públicos), mas possibilitam ainda de forma democrática, descentralizada e sem a interferência dos demais integrantes da federação, a satisfação dos interesses, demandas ou preferências regionais e locais das populações residentes nos territórios dos entes federados e, da mesma forma, atenuar as tensões decorrentes de diferenças étnicas ou políticas, eventualmente existentes. No caso brasileiro, em face do princípio da territorialidade inerente ao Estado Federal (arts. 18 e 37, incs. XVIII e XXII, §§ 3º, inc. I, 6º e 8º da CF/88), a competência tributária dos entes federados está circunscrita aos respectivos limites territoriais dos 26 Estados, um Distrito Federal e 5.570 Municípios que atualmente compõem a Federação brasileira, sendo que a vigência e eficácia das normas jurídicas de tributação por eles individualmente editadas, também estão confinadas e somente se exercem dentro dos respectivos limites territoriais das “pessoas jurídicas de direito público” interno “dentro de suas áreas de competência e jurisdição”, por meio de “qualquer de suas repartições no território da entidade tributante” onde se situa o domicílio fiscal do contribuinte (arts. 18 e 37, incs. XVIII e XXII, §§ 3º, inc. I, 6º e 8º da CF/88; arts. 126 e 127, incs. I e II do CTN), eis que, extraindo sua autoridade da lei, não pode haver autoridade tributária, onde a lei do ente federado não tem efeito ou eficácia, certo ainda que o “poder de tributar” (“jurisdiction to tax”) constitucionalmente limitado e conferido a Poderes distintos, independentes e consequentes, implica no direito de instituir ou isentar a obrigação tributária (“jurisdiction to prescribe taxes” – arts. 145, inc. I, 150, inc. I, § 2 6º e 151, inc. III, da CF/88), outorgado privativamente ao Poder Legislativo (através da rígida discriminação de competências tributárias e limitado pelo princípio da “tipicidade positiva”, que distingue entre leis complementares e leis ordinárias - arts. 145, 150, inc. I, e arts. 146, 146-A, 148 da CF/88), e o direito de exigir, lançar, cobrar e à final arrecadar o crédito tributário (“jurisdiction to enforce taxes” - arts. 18, 30, inc. III e 37 incs. XVIII e XXII, §§ 3º, inc. I, 6º e 8º da CF/88), consubstanciado em “atos administrativos típicos e exclusivos da Administração tributária” (como “fiscalização”, “lançamento”, “constituição da dívida fiscal” e “imposição de sanções”), e por implicar em “coercitividade do poder tributante”, é deferido exclusivamente ao Poder Executivo das Entidades dotadas do poder de tributar (princípio da indisponibilidade do interesse e patrimônio públicos), “por agente público regularmente investido em cargo da Administração”, “agente administrativo da entidade tributante” ou “por autoridade ou funcionário do fisco interessado”, cujo exercício é expressamente vedado a “pessoas estranhas às repartições tributantes” ou a “pessoas estranhas à repartição tributante, ainda que funcionários da mesma Administração” ou “por estranhos ao fisco” (arts. 7º, 142, 194 e 196 do CTN). Desde logo se constata que sob o ponto de vista financeiro, ao assegurar constitucionalmente a plena autonomia financeira (art. 163 a 164 do CF/88), tributária (arts. 145, 149, 149-A, 153, 154, 155, 156 e 195 da CF/88) e orçamentária (art. 70 a 75 e 165 a 169 do CF/88) dos entes federados, nem só a plena disponibilidade de patrimônio (art. 23, inc. I da CF/88) e de receitas tributárias próprias arrecadadas por cada um dos entes federados (art. 146, § Único, inc. III da CF/88), é evidente que o legislador constituinte originário, jamais pretendeu que os entes federados cobrissem suas despesas públicas correntes às custas dos sujeitos passivos dos entes federados vizinhos (exceto nos casos de calamidade pública), seja por ser consubstancial ao regime federativo a regra de que nenhum dos poderes ou governos componentes da federação, deve interferir nas atividades legitimas do outro, nem poderá criar (direta ou indiretamente) óbices, embaraços, tropeços ou empecilhos ao exercício de suas funções constitucionais, ou de qualquer modo onerar, diminuir ou destruir a eficácia dos meios e instrumentos necessários ou adequados à ação de seus órgãos na órbita constitucional da sua competência (princípio da imunidade recíproca) - o que obviamente repugna à ideia de justiça (“Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere” e “neminem laedere”) -, seja porque a interferência financeira entre os entes federados, implicaria em indesejáveis conflito, confusão e colisão de poderes denunciados pela Doutrina, que nulificam o poder de criar embaraçam e obstruem as atividades dos demais integrantes da federação, mas ainda porque tende a perturbar a convivência harmônica nas relações internas entre os entes federados, agravando as diferenças étnicas ou políticas, eventualmente existentes, e causando a secessão, em flagrante prejuízo e violação à união indissolúvel (art. 1º da CF/88). No campo tributário, as supostas “inovações” preconizadas pelo Substitutivo da PEC nº 45/19-A aprovada pela EC nº 132/23 e a “reforma tributária” proposta sobre os tributos incidentes sobre o consumo, não resistem à menor análise, mostrando-se invariavelmente incompatíveis com o modelo, conteúdo, a forma, o equilíbrio e os pressupostos do pacto federativo original adotado pela Constituição, tendo em vista que: 1) a pretensão reformista de utilização do sistema tributário com os objetivos declarados de reduzir “desigualdades sociais e regionais” para beneficiar “Estados e Municípios menos desenvolvidos”, em detrimento dos Estados produtores “promovendo uma redistribuição de receitas” e de reduzir “desigualdades sociais” para beneficiar “os brasileiros mais pobres”, viola frontalmente a expressa proibição constitucional dirigida a todos (inclusive ao poder constituinte derivado) de “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre sí” (art. 19, inc. III da CF/88), integrante da atual Constituição e do pacto federativo dela constante, quando 3 é certo que a atual Constituição (art. 43, §2º, inc. III, da CF/88), só autoriza à União a desenvolver “ação em um mesmo complexo geoeconômico e social visando o seu desenvolvimento e à redução de desigualdades”, mediante a “conceção incentivos fiscais” “regionais”, “destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País” e consubstanciados em “isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas” (art. 43, § 2º, inc. III c/c art. 151, inc. I, da CF/88); 2) os objetivos (de “reduzir a complexidade da tributação”, “simplificação” e “cidadania fiscal”) declaradamente almejados pelos autores e defensores da reforma da tributação sobre o consumo, jamais serão atingidos, não só pela contradição invencível entre as premissas e meios eleitos que enseja, mas pelo simples fato de que a “adoção do princípio do destino pela Reforma Tributária”, desde logo implica que nas hipóteses de substituição tributária (arts. 121, § único, e 128 do CTN) do IBS, o fornecedor de bens ou serviços - no atual regime submetido a uma única jurisdição excludente (estadual ou municipal) no local da sede de seu estabelecimento fornecedor de bens e serviços – se submeta potencialmente a 26 diversas jurisdições Estaduais, a uma Distrital e a 5.570 diversas jurisdições Municipais, conforme a diversidade da destinação dos bens e serviços fornecidos, o que apar de consubstanciar invencível irracionalidade, implica em insuperáveis e impensáveis retrocesso e complicação da relação entre fisco e contribuinte, seja porque remete à superada regra do “solve et repete” (há muito afastada de nosso sistema tributário e segundo a qual deve-se pagar o imposto antes de questionar judicialmente sua validade perante a Constituição ou a lei), seja porque enseja notória dificuldade de realização do direito através do judicial review e discussão de qualquer questão de interpretação da lei tributária vigente no destino - quer na sede do contribuinte por parte do ente tributante (art. 46 do CPC/15), quer na sede do ente tributante de destino pelo contribuinte de origem (art. 52 do CPC/15) -, o que dificulta senão praticamente impede o exercício dos direitos inerentes ao livre acesso à jurisdição (art. 5º inc. XXXV e art. 110 da CF/88) e à Administração tributária (art. 37, inc. XXII da CF/88); 3) a realidade fática, econômica e jurídica, demonstra irretorquivelmente que as alíquotas “por fora” do IBS e CBS preconizadas pelos defensores da reforma tributária resultarão consecutivamente, num aumento exponencial do valor dos bens e serviços, correspondente aos tributos (CBS e IBS) e estimado em 34,4%, segundo o demonstrativo da própria SRFB, assim como a restrição, cerceamento e praticamente na supressão aos direitos fundamentais de livre acesso à jurisdição (art. 5º inc. XXXV e art. 110 da CF/88) e à Administração tributária (art. 37, inc. XXII e § 3º, inc. I da CF/88), além da invencível irracionalidade, impensáveis retrocesso e complicação da relação entre fisco e contribuinte, porque remete à superada regra do solve et repete (há muito afastada de nosso sistema tributário, e segundo a qual deve-se pagar o imposto antes de questionar judicialmente sua validade perante a Constituição ou a lei), o que por si já evidencia o caráter nitidamente demagógico da reforma proposta através da PEC-45; 4) a “progressividade” nos impostos (ITCMD, ITBI, IPVA e IPTU) incidentes sobre a transmissão e aquisição da propriedade de bens móveis e imóveis (meios extra fiscais), também não se justifica no Estado de Direito regido pelos regimes da propriedade privada, de livre iniciática e livre mercado, no qual não se confunde o princípio geral da igualdade individual com “igualitarismo social” (“tendência política que propugna o desaparecimento ou atenuação das diferenças sociais”), seja porque a “progressividade suscita” a igualdade de renda ou riqueza (e não de tributação) através do ou “pelo imposto” (enquanto o princípio da capacidade contributiva só exige uma “igualdade proporcional no imposto”), seja porque as teorias marginalistas da igualdade de sacrifício não podem servir de justificação à progressão 4 fiscal – posto que é impossível comparar a utilidade marginal que um mesmo objeto possui para vários indivíduos -, seja porque política de redistribuição não pode consistir na supressão das diferenças causadas pela previa distribuição econômica primária for justa (“Se os bens de cada um forem legítimos, então o conjunto total ou distribuição de bens será legítimo) decorrente da livre iniciativa e livre mercado tutelados pelo Estado de Direito, sob pena de contradição invencível com estes princípios (livre iniciativa e livre mercado), sem contar o fato de que “não é só o mercado que cria desigualdades”, mas as “políticas públicas também o fazem”, podendo significar que políticas do governo favoreçam injustamente uns em detrimento dos outros, ou causem outras falhas ou ineficiências do setor público; 5) no que toca aos tributos não cumulativos, IBS e CBS - instituídos pela “mesma Lei Complementar” 1 , com “regras comuns” (relativamente a “fatos geradores”, “bases de cálculo”, “hipóteses de não incidência”, “sujeitos passivos”, “imunidades”, “regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação” e “regras de não cumulatividade e de creditamento” 2 ) -, o primeiro (IBS) deferido à competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios “de destino da operação” 3 , exercida “de forma integrada, exclusivamente por meio do Comitê Gestor” (“entidade pública sob regime especial”) e o segundo (CBS) deferido à competência privativa da União, a PEC nº 45/19 simplesmente amputa ou mutila o poder tributário (“jurisdiction to tax”) dos entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios), seja quando determina sua instituição de tributos idênticos através de Lei Complementar nacional em hipótese desautorizada pelo princípio da tipicidade positiva (arts. 145, 150, inc. I, e arts. 146, 146-A, 148 da CF/88), suprimindo os direitos de instituir e isentar (“jurisdiction to prescribe taxes” – arts. 145, inc. I, 150, inc. I, § 6º e 151, inc. III, da CF/88) ou de legislar plenamente (competência legislativa plena - art. 145, inc. I da CF/88 e 6º do CTN) sobre o “tipo legal tributário” dos tributos nos limites do campo de incidência constitucionalmente autorizado (efeito positivo ou afirmativo da competência) - que à final se resume na definição dos pressupostos de fato das obrigações tributárias do tributo constitucionalmente autorizado, e na fixação dos elementos que permitem qualificá-lo e quantificá-lo (sujeitos ativo e passivos, responsáveis e substitutos tributários, alíquota, base de cálculo, etc.) -, seja ainda quando suprime os direitos de lançar, exigir, cobrar e à final arrecadar o crédito tributário (“jurisdiction to enforce taxes” - arts. 18, 30, inc. III e 37 incs. XVIII e XXII, §§ 3º, inc. I, 6º e 8º da CF/88), original e constitucionalmente deferidos exclusivamente ao Poder Executivo das Entidades dotadas do poder de tributar (princípio da indisponibilidade do interesse e patrimônio públicos), atribuindo referidos direitos a órgão híbrido (“Comitê Gestor”) que, por não ser integrante de nenhum dos entes federados (União, Estados e Distrito Federal e Municípios), dos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário), nem do rol de “pessoas jurídicas de direito público interno” (art. 41, incs. I a III do CC/02), ou de suas competências comuns (arts. 2º, 18, 23, inc. I, 30, inc. III da CF/88) e ainda, por desobedecer ao controle externo simétrico orçamentário dos entes federados (art. 70 a 75 e 165 a 169 do CF/88), não podem ser exercidos por “pessoas estranhas às repartições tributantes” ou a “pessoas estranhas à repartição tributante, ainda que funcionários da mesma Administração” ou “por estranhos ao fisco” (arts. 7º, 142, 194 e 196 do CTN), sob pena de total subversão da autonomia tributária e orçamentária, constitucionalmente asseguradas aos entes federados; 1 cf. nova redação do art. 195, inc. V, § 16 c/c art. 156-A, caput da CF/88 dadas pelo art. 1º do Substitutivo à PEC nº 45/19-A aprovada pela EC nº132/23. 2 cf. nova redação do art. 149-B dada pelo art. 1º do Substitutivo da PEC nº 45/19-A aprovada pela EC nº132/23. 3 cf. nova redação do art. 156-A, § 1º, incs. I a III, IX, XI, §7º, incs. I e II da CF/88 dada pelo art. 1º do substitutivo da PEC nº 45 aprovada pela EC nº132/23. 5 6) a utilização do “cash back” (expressão impropriamente apropriada do Direito Privado onde as obrigações são prevalentemente “ex voluntate” e não aplicável ao Direito Público onde as obrigações são “ex lege”) - com o objetivo declarado de reduzir supostas “desigualdades sociais, dado que beneficiará mais os brasileiros mais pobres, cujo consumo hoje é mais tributado do que o dos mais ricos”, com “possibilidade de devolução de parte do imposto pago” pelo contribuinte do imposto na venda de bens e serviços, aos supostos destinatários “mais pobres” (pessoas físicas) adquirentes daqueles bens e serviços -, a par de assentar em premissa falsa (consumo dos mais pobres mais tributado do que o dos mais ricos) e não encontrar respaldo nos princípios da legalidade da Tributação e da Administração constitucionalmente assegurados (arts. 37, 145, inc. I e § 1º e 150, inc. I da CF/88) - que não só vinculam e direcionam a pretensão fiscal contra as pessoas e os patrimônios do obrigado e responsáveis, como definem e determinam a legitimidade do pólo ativo das pretensões inversas à obrigação tributária, de repetição do indébito (arts. 165 a 167 do CTN) e de consignação em pagamento (art. 164 do CTN) -, apenas cria hipótese de restituição a terceiro alheio a relação jurídico tributária e, portanto, sem justa causa e violadora da igualdade perante a lei e aos encargos públicos (arts. 5º e 150, inc. II da CF/88), que se caracteriza como mera “transferência de renda dos ricos para os pobres”, através das finanças públicas, o que torna a mutação e aquisição de riqueza tributária pública do Estado em favor dos mais pobres, um enriquecimento sem causa e um desvio de finalidade do poder tributário (cuja finalidade essencial e primordial é obter fundos da economia privada de acordo com a lei, para pagar as despesas públicas e não efetuar pagamento diretamente aos mais pobres alheios à relação jurídico tributária), ensejando manifesta injustiça, posto que a ninguém é permitido ficar com o que foi obtido sem justa causa às custas de outro (“Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere” e “neminem laedere”), certo ainda que a própria EC nº 132/23, expressamente reconhece que “a devolução” ou “cashback”, “não será computada na receita corrente líquida da União para os fins do disposto nos arts. 100, § 15, 166, §§ 9°, 12 e 17, e 198, § 2°” (cf. nova redação do art. 195, § 19, dada pela EC nº 132/23 cf. tb. arts. 1º e 3º do Substitutivo da PEC nº 45/19-A aprovada pela EC nº132/23), nem “será considerada nas bases de cálculo de que tratam os arts. 29-A, 198, § 2°, 204, parágrafo único, 212, 212-A, II, e 216, § 6°, não se aplicando a ela, ainda, o disposto no art. 158, IV, ‘b’” (cf. nova redação do art. 156-A, § 12 aprovada pela EC nº 132/23); 7) o período de transição de 7 anos (até 2033) durante o qual persistem a vigência e incidência concomitante, dos antigos 6 tributos (IPI, PIS/COFINS, contribuição social do importador, ICMS e ISS) e respectivas legislações de regência até então vigentes (com tributação decrescente), e dos 4 novos tributos (IS, IBS, CBS e CSPPS) criados pela reforma (com tributação ascendente) implicando um cúmulo de 10 tributos incidentes sobre o consumo, o que obviamente evidencia que no referido período de transição a Reforma da Tributação do consumo, ensejará aumento substancial de complexidade, carga tributária, insegurança jurídica e custos de implantação (públicos e privados), pelo menos durante os 7 anos do período de transição para o novo Sistema da tributação do consumo, contrariamente aos objetivos alardeados; 8) superado o período de transição na tributação do consumo pretende-se a persistência do novo sistema tributário e dos 4 novos tributos instituídos (IS, CBS, IBS e CSPPS), os dois primeiros (IS e CBS) deferidos à competência privativa da União, o terceiro (IBS) deferido à competência concorrente de Estados, Distrito Federal e Municípios e o quarto (CSPPS) deferido à competência privativa dos Estados e Distrito Federal, os três primeiros (IS, CBS, IBS) incidentes acumuladamente sobre os mesmos campo e base de incidência (produção, comercialização e importação de bens e serviços), distinguíveis apenas pelas diversas espécies tributárias (imposto e contribuição) e pelo fato de tratar-se (ou não) de atividade “prejudicial 6 à saúde ou ao meio ambiente” ou “produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios”, o que ressuscita o indesejável problema da pluritributação (dupla ou múltipla) de um mesmo fato econômico, pelo mesmo ou demais entes federados (bitributação e bis in idem), decorrente da sobreposição de normas e incidências tributárias, problema este, praticamente inocorrente no atual sistema tributário em que a cadeia de consumo é “fragmentada” ou segmentada por 6 tributos diversos, inconfundíveis e perfeitamente diferenciados por seus fatos geradores diversos e em razão das diferentes espécies tributárias (impostos, contribuições sociais e contribuição social do importador4 ), com incidência segmentada e excludente, conforme a proximidade dos interesses econômicos (nacional, regional ou local) dos fiscos e respectivos contribuintes e as peculiaridades das diversas etapas dos diversos ciclos produtivos até a chegada dos bens e serviços ao consumo final, com mínima interferência nos respectivos ciclos produtivos de riqueza, de outro lado, impedindo a hegemonia de um único ente federado sobre o consumo, que entravasse a unidade econômica da nação, e finalmente, possibilitando e facilitando o exercício dos direitos constitucionais assegurados aos contribuintes perante as instâncias federal e estadual do Poder Judiciário, conforme o tributo e o interesse específico de que se cogite; 9) O problema da pluritributação de um mesmo fato econômico, decorrente da sobreposição de normas e incidências tributárias e praticamente inocorrente no atual sistema tributário, mais se agrava quando se constata que ao inserir no campo de incidência do IBS e da CBS, as atividades de “serviços financeiros” e “operações com bens imóveis” (art. 156-A, § 6º, inc. II da CF/88 na redação dada pela EC nº 132/23), que já se encontram inseridas na competência constitucional privativa de outros três tributos constantes da constituição original - IOF (Imposto sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários” - cf. art. 153, inc. V, § 1º da CF/88), ITBI (Imposto sobre “transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis” - cf. art. 156, inc. II, §2º, incs. I e II da CF/88) e ITCMD incidente sobre a “transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos” (art. 155, §§ 1º, incs. I a VII, e 4º da CF/88) -, a EC nº 132/23 invade (usurpa) campos de competência impositiva privativa e incide concomitantemente em bitributação (dupla ou múltipla tributação de um mesmo fato econômico por entes tributantes diversos) e bis in idem (dupla ou múltipla tributação de um mesmo fato econômico pelo mesmo ente tributante através de tributos diversos ou adicionais), ambas incompatíveis com o regime federal e com os princípios da privatividade da competência (arts. 18, 19, inc. III, 23, inc. I, 25, 30, incs. I e III, e 34, inc. VII, alínea “c” e 145, inc. I da CF/88; arts. 6º, § único, 7º e 8º do CTN), da capacidade contributiva (“ability-to-pay” - art. 145, § 1º da CF) e da proibição de tributação confiscatória (art. 150, Inc. IV da CF/88), razões pelas quais a referida Emenda Constitucional, emanada de Constituinte derivada, “incidindo em violação à Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, “a”, da C.F.) e garantia da Federação5 , na medida em que tende a “abolir” os “direitos e garantias individuais” (arts. 60, §4º, inc. IV, c/c arts. 1º incs. III e IV, 5º, incs. XIII, XVII, XXII e LIV, 145, § 1º e 150, Inc. IV da CF/88); 10) o deslocamento da competência tributária horizontal dos Estados e Municípios da origem (produção e venda), para os Estados e Municípios de destino (aquisição ou consumo), e a consequente qualificação destes últimos como sujeitos ativos da obrigação tributária do 4 cf. arts. 145, incs I, III e §1º, 149, § 2º, inc. III, 153, incs. I, II, IV e V, 154, 155, inc. II, 156, inc. III, 195, incs. I, alínea “b”, IV, da CF/88 e art. 239 do ADCT/CF/88. 5 cf. Ac. do STF Pleno na ADI 939, julgado em 15/12/93 Rel. Min. Sydney Sanches, publ. In DJU de 18/03/94 pág. 05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755. 7 IBS (arts. 145, inc. I e 156-A da CF/88; art. 119 do CTN) - como preconiza o Substitutivo da PEC nº 45/19-A - obviamente implica mudança da sujeição passiva do imposto para o adquirente, destinatário ou consumidor (pessoa física ou jurídica) dos bens e serviços no Estado e Município de destino, legalmente qualificados como contribuintes (art. 121, § único, inc. I do CTN) do imposto, inclusive o consumidor final pessoa física, que estaria imediata e legalmente obrigado não só à obrigação principal de recolhimento do tributo (arts. 113, § 1º, 114, 139 e 144 do CTN), nem só às inúmeras obrigações acessórias a ele relativas (arts. 113, §§ 2º e 3º e 115 do CTN), mas estaria sujeito à responsabilidade patrimonial e criminal (art. 2º, inc. II da Lei nº 8.137/90), pelo eventual não recolhimento do tributo de consumo de competência concorrente no Estado e Município de destino, donde resulta que a suposta “simplificação” preconizada pelo Substitutivo da PEC nº 45/19-A, na realidade implica em transferir todas as obrigações tributárias (principal e acessórias) - hoje imputáveis exclusivamente às pessoas jurídicas nos Estado e Município de origem -, para o cidadão adquirente pessoa física consumidor final de bens e serviços no Estado de Município de destino, onerando-o ainda mais nas suas inúmeras obrigações e atividades produtivas cotidianas, e sujeitando-o à responsabilidade patrimonial e criminal, em decorrência de qualquer compra de bens ou serviço efetuada no mercado consumidor, o que por si só, já inverte a ordem natural das coisas e viola a liberdade e a dignidade da pessoa humana (preâmbulo e arts. 1º, inc. III, e 5º caput, incs. II e XLI da CF/88), vez que alivia as pessoas jurídicas em detrimento das pessoas humanas; 11) a instituição de um órgão híbrido denominado como “Comitê Gestor” qualificado como “entidade pública sob regime especial” 6 , que embora não integrante de nenhum dos entes federados (União, Estados e Distrito Federal e Municípios), dos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário), nem do rol de “pessoas jurídicas de direito público interno” (art. 41, incs. I a III do CC/02), de suas competências comuns (arts. 2º, 18 e 23, inc. I da CF/88) e que, sem controle externo simétrico com os entes federados7 , será dotado de “independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira”, cumulando diversas “competências administrativas” - como “editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto”; “arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios”; “decidir o contencioso administrativo” 8 ; muitas delas integrantes dos procedimentos administrativos de lançamento tributário (arts. 142, 145, 146 e 149 do CTN), respectiva inscrição na dívida ativa (arts. 201 a 204 do CTN) e do procedimento judicial executivo de sua cobrança (art.s 1º, 2º e 3º da Lei nº 6.830/80 – LEF), até então atribuídas exclusivamente aos poderes Executivos dos entes federados e sob critérios diversos de distribuição, além das novas competências9 – obviamente implica em modificar substancialmente a autonomia e gestão (financeira, tributária e orçamentária) dos entes 6 cf. nova redação do art. 156-B, §1º, da CF/88 dada pelo art. 1º do Substitutivo à PEC nº 45/19-A aprovada pela EC nº132/23. 7 cf. nova redação do art. 156-B, § 2º, inc. IV da CF/88 dada pelo art. 1º do Substitutivo da PEC nº 45/19-A aprovada pela EC nº132/23, c/c arts. 70 a 75 da CF/88. 8 cf. nova redação do art. 156-B, incs. I a III da CF/88 dada pelo art. 1º do Substitutivo da PEC nº 45/19-A aprovada pela EC nº132/23. 9 Dentre as novas competências do Conselho Gestor se contam as de: a) efetuar tanto a retenção e repasses aos Municípios previstos no art. 158 da CF, os depósitos em conta especial referida no art. 101 do ADCT/CF/88 (cf. nova redação do art. 104, inc. IV do ADCT/CF/88 dada pelo art. 2º da PEC nº 45/19-A aprovado pela EC nº132/23); b) efetuar a compensação do IBS com os saldos credores do ICMS e respectivas deduções do produto da arrecadação do IBS (cf. nova redação do art. 134, §§ 3º e 4º do ADCT/CF/88 dada pelo art. 2º do Substitutivo da PEC nº 45/19-A aprovado pela EC nº132/23) e, c) “juntamente com o Poder Executivo da União”, “revisar anualmente” a “concessão de crédito ao contribuinte adquirente de bens e serviços de produtor rural pessoa física ou jurídica” (cf. art. 9º, §§ 5º a 8º da PEC nº 45/19-A aprovada pela EC nº132/23). 8 federados e as funções desempenhadas por seus órgãos e funcionários públicos (como Secretarias de Fazenda, Procuradorias, Agentes Fiscais de rendas e Procuradores de fazenda constitucionalmente incumbidos do lançamento e cobrança dos tributos) e, portanto, altera substancialmente o conteúdo, a forma e o equilíbrio do pacto federativo, com possibilidade ou risco de lesão à autonomia e aos tesouros dos entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios) em detrimento de uns e outros entre si e cuja gestão se confia a órgão estranho aos Poderes Executivos regionais e locais (e, portanto, anômalo aos princípios da separação dos poderes, da reserva de Administração do Poder Executivo e da simetria com o modelo federal - arts. 2º, 18, 25, § 1º e 30, inc. III e 37, §8º, 70 a 75 da CF/88), além da possibilidade de lesão aos “direitos e garantias individuais” dos cidadãos residentes ou domiciliados nos referidos entes federativos que, como já demonstrado, à final podem se ver privados do lídimo e democrático direito de discutir qualquer dúvida na interpretação da lei tributária vigente no destino, através do “judicial review” e do inerente livre acesso à jurisdição (art. 5º inc. XXXV e art. 110 da CF/88) e à Administração tributária (art. 37, inc. XXII e § 3º, inc. I da CF/88), nos locais de seu domicílio fiscal (arts. 18 e 37, incs. XVIII e XXII, §§ 3º, inc. I, 6º e 8º da CF/88; arts. 126 e 127, incs. I e II do CTN); Portanto, pode-se concluir que em razão das profundas e relevantes modificações que enseja no atual sistema constitucional tributário - seja nas relações jurídicas entre os entes federados (autonomia e gestão financeira, tributária e orçamentária), seja nas relações jurídico tributárias destes com seus cidadãos residentes -, o Substitutivo da PEC nº 45/19-A efetivamente implica em modificar substancialmente a autonomia e gestão (financeira, tributária e orçamentária) dos entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios) e as funções desempenhadas por seus órgãos e funcionários públicos (como, Secretarias e Procuradorias de Fazenda estaduais e municipais, Agentes Fiscais de rendas e Procuradores de fazenda incumbidos do lançamento e cobrança dos tributos) e, portanto, altera substancialmente o conteúdo, a forma e o equilíbrio do pacto federativo, com possibilidade e sérios riscos de lesão aos tesouros dos entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios) em detrimento de uns e outros entre si e cuja gestão se confia a órgão estranho (“Comitê Gestor”) aos Poderes Executivos regionais e locais (e, portanto, anômalo aos princípios da separação dos poderes, da reserva de Administração do Poder Executivo e da simetria com o modelo federal - arts. 2º, 18, 25, § 1º e 30, inc. III e 37, §8º, 70 a 75 da CF/88), além da possibilidade de lesão aos “direitos e garantias individuais” dos cidadãos residentes ou domiciliados nos referidos entes federativos que, como já demonstrado, à final podem se ver privados do lídimo e democrático direito de discutir qualquer dúvida na interpretação da lei tributária vigente no destino, através do “judicial review” e do inerente livre acesso à jurisdição (art. 5º inc. XXXV e art. 110 da CF/88) e à Administração tributária (art. 37, inc. XXII e § 3º, inc. I da CF/88), nos locais de seu domicílio fiscal (arts. 18 e 37, incs. XVIII e XXII, §§ 3º, inc. I, 6º e 8º da CF/88; arts. 6º, 7º, 8º, 126 e 127 do CTN