“Soube que uma das lojas do Fórum Coimbra obriga a um contrato de seguro para activar a garantia dos bens de consumo que comercializa.
A garantia está condicionada à celebração de um seguro com o prémio anual igual ao do valor do produto.
Esta exigência é legal?”
- A garantia legal não carece de “estímulos”: é inerente, no caso, aos bens de consumo, tal como a Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo – LCVBC - o estabelece.
- A garantia legal é, recorde-se, de três anos (DL 84/21: n.º 1 do art.º 12).
- Garantia legal que recobre tanto os bens novos como os recondicionados e ainda os usados (DL 84/21: n.º 3 do art.º 12).
- Os usados, por acordo entre partes, poderão ter uma redução de garantia, não inferior, porém, a 18 meses (DL 84/21: Idem).
- A garantia contratual (que se diz, com impropriedade, na lei: “comercial”) acresce à legal: e pode ser gratuita ou onerosa (DL 84/21: art.º 43).
- Não se deve confundir, porém, a ‘garantia contratual’ com um qualquer seguro cujo intermediário seja ou não a empresa que comercializa o produto: um seguro é um seguro, contrato acessório que os consumidores são, quantas vezes, aliciados a celebrar, e nada mais que isso, convictos de que se trata, em geral, de uma extensão da garantia, o que é, a todos os títulos, falacioso (DL 72/2008: em geral).
- A garantia legal é imperativa (isto é, não pode ser arredada por simples vontade dos contraentes) e não admite nem cedências nem renúncia (DL 84/21: n.º 1 do art.º 51).
- E, para além das cláusulas abusivas que o contrato possa conter e se analisarão à luz do Regime Jurídico das Condições Gerais dos Contratos, a lei é explícita ao referir, no n.º 1 do assinalado artigo 51, sob a epígrafe ”imperatividade”, o que segue:
“1 — Sem prejuízo do regime das [condições gerais dos c0ntratos], é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente decreto-lei.”
- A prática comercial que consiste em fazer depender a outorga da garantia legal de um contrato de seguro é agressiva e constitui ilícito de mera ordenação social, qualificado como grave, sendo que as coimas se situam no leque de:
- Micro-empresa – de 1 700 a 3 000 €;
- Pequena empresa – de 3 000 a 8 000 €
- Média empresa - de 8 000 a 16 000 €
- Grande empresa – de 12 000 a 24 000 €
(DL 57/2008: al. h) do art.º 12, n.º 1 do art.º 21; DL 9/21: subal. V, al. b) do art.º 18 e al. d) do n.º 1 do art.º 19).
- O consumidor lesado deve lançar mão do Livro de Reclamações (físico ou electrónico) para nele lavrar o seu justificado protesto (DL 156/2005: art.º 4.º)
EM CONCLUSÃO
- A garantia dos bens de consumo emerge directamente da lei e não está dependente de um qualquer impulso ou requisito suplementar “sina qua non” (cfr. ponto 1supra).
- A garantia contratual (que a lei cognomina como ‘comercial’) acresce à legal (não a substitui) e pode ser gratuita ou onerosa (cfr. ponto 2 supra).
- A exigência da celebração de um seguro de que dependerá a garantia, para além de se tratar de cláusula abusiva e, por conseguinte, em concreto nula, constitui prática negocial agressiva, a que correspondem sanções de natureza contra-ordenacional (cfr. pontos 4 e 5 supra).
- Um seguro, como eventual contrato acessório, não se confunde com uma qualquer extensão da garantia, porque é só isso e não mais que isso: “um seguro” (cfr. ponto 3 supra).
- A grelha das coimas inerentes às contra-ordenações económicas graves, como no caso, é a constante do precedente ponto 6 e gradua-se em função da dimensão da empresa(cfr. ponto 6supra).
- Impõe-se, na circunstância, o recurso ao Livro de Reclamações para nele se lavrar a indispensável denúncia (cfr. ponto 7 supra).
Tal e, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal