Por Kiyoshi Harada e Marcelo Kiyoshi Harada.

O Consulente solicita parecer jurídico sobre a questão concernente à prescrição da pretensão punitiva da Administração Pública, bem como quanto ao reconhecimento jurídico do pedido por parte da Advocacia Geral da União.

Esclarece que em 06/06/1995, quando exercia o cargo de Chefe do Setor de Distribuição de Prêmios da Secretaria da Receita Federal da 7ª Região Fiscal, ofertou parecer opinando pelo deferimento do pedido de autorização para a distribuição gratuita de prêmios formulado pela empresa Garotinho Editora Gráfica Ltda.

No mesmo dia 06/06/1995 o Chefe da Divisão de Fiscalização, superior imediato do Consulente, o Sr. …, apôs o seu “de acordo” ao parecer exarado, submetendo o assunto à deliberação do Sr. Superintendente Regional da Receita Federal da 7ª Região Fiscal propondo o deferimento do pedido e a expedição do respectivo Certificado de Autorização. Ainda no mesmo dia 06/06/95 o parecer foi aprovado, restando deferido o pedido de autorização pelo Sr. Superintendente Regional da Receita Federal da 7ª Região Fiscal, o Sr. …, nos seguintes termos:

“DESPACHO: DEFIRO O PEDIDO. NA FORMA DO PARECER DA DIVISÃO DE FISCALIZAÇÃO. COM BASE NA COMPETÊNCIA OUTORGADA PELO REGIMENTO INTERNO APROVADO PELA PORTARIA n. 606, DE 03 DE SETEMBRO DE 1992. DO MINISTRO DA FAZENDA. E NO DISPOSTO NO ITEM 4 DA IN/SRF/n. 037, DE 26 DE JUNHO DE 1979”.

Relata que passados mais de 5 anos desde que exarado o parecer, motivado pela reportagem sensacionalista contra a autorização concedida nos termos do despacho supra transcrito, veiculada pelo Jornal O Globo, contendo ataques de cunho político contra o ex governador do Rio Anthony Garotinho, em 10/07/2001, o Chefe do Escritório da Corregedoria Geral da Receita Federal na  7ª Região Fiscal, por meio da Portaria nº 134, de 12 de julho de 2001, instaurou o Processo Administrativo Disciplinar  nº 10768.008421/2001-50 para apurar as possíveis irregularidades cometidas pelo Consulente.

Informa que a Divisão de Ética e Disciplina da COGER – Corregedoria da Receita Federal anulou parcialmente o processo administrativo disciplinar, e após repetidos os atos anteriormente anulados, em 13/06/2005 foi-lhe aplicada a pena de demissão por infração ao art. 132, IV da Lei nº 8.212/90, nos termos do despacho proferido pelo Ministro de Estado da Fazenda Interino e da Portaria nº 210, de 13 de junho de 2005.

Informa, ainda, que ajuizou ação ordinária com pedido de tutela antecipada contra a União Federal objetivando a suspensão imediata dos efeitos do seu ato de demissão do serviço público com a sua reintegração ao cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal, bem como a condenação da União em danos morais e materiais, que tem como um de seus fundamentos a consumação do lapso prescricional.  Referida ação já se encontra julgada em primeira e segunda instâncias desfavoravelmente ao Consulente, encontrando-se, atualmente, aguardando julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Consulente, pela vez segunda, em face do V. Acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

O Consulente apresenta-nos os seguintes documentos:

  1. a) Parecer exarado pelo Consulente em 06/06/1995 opinando pelo deferimento do pedido de autorização para a promoção da distribuição gratuita de prêmios formulado pela empresa Garotinho Editora Gráfica Ltda., com o “de acordo” do Chefe da Divisão de Fiscalização;
  2. b) Despacho do Superintendente Regional da Receita Federal da 7ª Região Fiscal deferindo o pedido acima descrito;
  3. c) Portaria nº 210, do Ministro de Estado da Fazenda, datada de 13-06-2005 demitindo o Consulente e respectivo despacho;
  4. d) Parecer PGFN/CDI/ Nº 826/2005;
  5. e) Parecer Normativo GQ nº 55/95;
  6. f) Norma Técnica Coger nº 2005/8;
  7. g) Nota DECOR/CGU/AGU nº 208/2009;
  8. h) Portaria nº 534, de 22-12-2015 da Advocacia-Geral da União;
  9. i) Portaria nº 487, de 27-07-2016 da Advocacia-Geral da União;
  10. e) petição inicial, contestação, sentença e Acórdãos do processo nº 2005.51.01.018683-5 em curso perante a 30ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro;

Ante o exposto pede nosso parecer, formulando os quesitos ao final transcritos e respondidos:

PARECER

O Consulente foi demitido do serviço público porque teria exarado pareceres irregulares infringindo o disposto no art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90 in verbis:

“Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos:

…………………………..

IV – improbidade administrativa;”

No presente parecer não iremos abordar o mérito quanto à pratica ou não do ato de improbidade de que foi acusado o Consulente.

Examinaremos a matéria consultada exclusivamente pelo prisma da prescrição segundo o princípio tempus regit actum e de conformidade com o princípio esculpido no art.  487, inciso II do CPC/2015 que determina o pronunciamento da prescrição de ofício e a qualquer tempo.

Do termo inicial da contagem do prazo prescricional para o caso de punição com pena de demissão

 

Dispõe o art. 142 da Lei nº 8.112/90 (regime jurídico dos servidores públicos civis da União):

“Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

I – em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II – em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III – em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.

  • 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
  • 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

….”

Verifica-se de pronto que a Lei nº 8.112/90, apesar de determinar a aplicação dos prazos de prescrição previstos em lei penal, discrepa da regra geral prevista no art. 111, I do Código Penal segundo o qual a contagem do prazo prescricional inicia-se do dia em que o crime se consumou, e não da data de que o fato se tornou conhecido. Mas, não iremos discutir esse aspecto, mesmo porque a prescrição já estava consumada por ocasião da abertura do PAD, ainda que considerada a data do conhecimento da infração pela administração, conforme demonstraremos a seguir.

As decisões judiciais até agora proferidas em primeira e segunda instâncias afastaram a prescrição, sob o argumento de que a contagem de seu prazo teria se iniciado em 10/07/2001 quando a primeira autoridade competente para instaurar o PAD, ou seja, o Chefe do Escritório da Corregedoria Geral da Secretaria da Receita Federal da 7ª Região Fiscal, tomou conhecimento das supostas irregularidades cometidas no parecer datado de 06/06/1995. O curioso dessa linha de argumentação é que a dita Corregedoria Geral somente veio a ser criada pelo Decreto nº 2.331, de 1º de outubro de 1997. Forçoso é concluir que antes de sua criação um outro órgão ou outra autoridade administrativa detinha a competência para instaurar o PAD.

A questão se resume, portanto, em saber quem era a autoridade administrativa competente para dar início à sindicância ou a instauração do PAD. É o que veremos à luz da jurisprudência do STJ, dos atos normativos baixados pela administração pública federal para dar correta interpretação ao § 1º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, tudo em consonância com o princípio tempus regit actum para, ao final, demonstrar cabalmente que a suposta infração havia sido atingida pela prescrição há mais de um ano antes da instauração do PAD.

            Interpretando o parágrafo 1º, do art. 142 do estatuto disciplinar a jurisprudência do STJ consagrou a tese de que o prazo prescricional conta-se a partir da data em que a autoridade hierarquicamente superior tomou ciência do fato e não necessariamente a autoridade competente para instaurar o Processo Administrativo Disciplinar – PAD.

Nesse sentido as ementas dos seguintes acórdãos:

“Ementa.

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA. INASSIDUIDADE HABITUAL. ART. 132, III, DA LEI 8.112/90. DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO. OCORRÊNCIA. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO. ARTS. 116, VI, 142, § 1.º E 143, DA LEI N.º 8.112/90. DATA EM QUE O FATO SE TORNOU CONHECIDO PELA ADMINISTRAÇÃO, E NÃO NECESSARIAMENTE PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SEGURANÇA CONCEDIDA.

  1. “De acordo com o art. 142, inciso I, § 1º, da Lei n.º 8.112/90, o prazo prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à demissão ou cassação de aposentadoria do servidor, começa a correr da data em que a Administração toma conhecimento do fato àquele imputado”. (STF, RMS 24.737/DF, Primeira Turma, Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJ de 1/6/04).
  2. O termo inicial da prescrição punitiva estatal começa a fluir na exata data do conhecimento da irregularidade, praticada pelo servidor, por alguma autoridade do serviço público e não, necessariamente, pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar. Precedente.

3 – A autoridade hierarquicamente superior à impetrante era seu chefe imediato, que teve ciência, de forma inequívoca e clara das faltas injustificadas da servidora.  Logo, tão somente aquele que a acompanhava tinha o dever funcional de comunicar à autoridade competente para a devida apuração, sob pena, até, de falta funcional.

  1. Admitida a ciência do ato pelo chefe imediato da impetrante, em 3/8/04 (data da última falta injustificada), e sendo de 5 (cinco) anos o prazo para o exercício da pretensão sancionadora do Estado, nos termos do art. 142, inciso I, da Lei 8.112/90, resta configurada a prescrição, uma vez que o processo administrativo disciplinar que culminou com a aplicação da pena de demissão da servidora foi instaurado apenas em 27/8/09.
  2. Mandado de segurança concedido.” (MS nº 20162/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, DJe de 24-02-2014.

“Ementa.MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. CONHECIMENTO DOS FATOS PELA ADMINISTRAÇÃO, MAS NÃO PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA APURAR A INFRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO CPB, POR INEXISTÊNCIA DE AÇÃO PENAL E CONDENAÇÃO EM DESFAVOR DO IMPETRANTE. APLICAÇÃO DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO NA LEGISLAÇÃO ADMINISTRATIVA (ART. 142 DA LEI 8.112/90). INSTAURAÇÃO DE PAD. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. REINÍCIO APÓS 140 DIAS. TRANSCURSO DE MAIS DE 5 ANOS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ORDEM CONCEDIDA, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.1.   O excepcional poder-dever de a Administração aplicar sanção punitiva a seus Funcionários não se desenvolve ou efetiva de modo absoluto, de sorte que encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, de hierarquia constitucional, uma vez que os subordinados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada da postetade disciplinar do Estado, além de que o acentuado lapso temporal transcorrido entre o cometimento da infração e a aplicação da respectiva sanção esvazia a razão de ser da responsabilização do Servidor supostamente transgressor.[…]3.   A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar é a data em que o fato se tornou conhecido da Administração, mas não necessariamente por aquela autoridade específica competente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (art. 142, § 1º da Lei 8.112/90). Precedentes.4.   Qualquer autoridade administrativa que tiver ciência da ocorrência de infração no Serviço Público tem o dever de proceder  apuração do ilícito ou comunicar imediatamente à autoridade competente para promovê-la, sob pena de incidir no delito de condescendência criminosa (art. 143 da Lei 8.112/90); considera-se autoridade, para os efeitos dessa orientação, somente quem estiver investido de poder decisório na estrutura administrativa, ou seja, o integrante da hierarquia superior da Administração Pública. Ressalva do ponto de vista do relator quanto à essa exigência. […]8. Ordem concedida, em conformidade com o parecer ministerial.” (MS nº 14159/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe  de 10-02-2012).

Há, na realidade, outra corrente jurisprudencial do STJ no sentido de que a contagem do termo inicial do prazo prescricional somente se dá a partir da data em que a autoridade administrativa competente para instaurar o PAD tomar conhecimento da infração imputada: MS nº 22.575/PA 1ª Seção, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 30-8-2016; MS nº 21.822/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Og Fernandez, DJe 14-12-2015; e MS nº 9.120/DF, 3º Seção, Rel. Min. Érico Maranho (Des. convocado do TJSP, DJe de 6-11-2015.

Para o caso sob exame essa segunda corrente de jurisprudência nada altera, porque à época do fato, 06/06/1995, a autoridade administrativa competente para instaurar o PAD era o Superintendente da 7ª Região Fiscal que tomou conhecimento do parecer que aprovou na mesma data de 06/06/1995, como veremos mais adiante.

Incensuráveis os Acórdãos do STJ retro transcritos, pois a Lei nº 8.112/90 prescreve em seu art. 143  que “a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”, donde se verifica a competência e o dever do Chefe da Divisão de Fiscalização apurar a irregularidade eventualmente existente e o dever do Superintendente da Receita Federal da 7ª Região Fiscal de proceder a abertura do PAD se fosse o caso.

De fato, à época dos fatos o superior hierárquico imediato era o Chefe da Divisão de Fiscalização, Sr. … que encaminhou o parecer em 06/06/1995 ao Superintendente da Receita Federal, Sr. …. que no mesmo dia aprovou esse parecer e deferiu o pedido formulado pela Garotinho Editora Gráfica Ltda., motivo de ataque pela reportagem do Jornal o Globo, depois de decorridos mais de cinco anos do fato.

Portanto, ao teor das decisões judiciais referidas e dos atos normativos da administração adiante referidos, a contagem do prazo prescricional teve início em 06/06/1995 quando o superior imediato tomou conhecimento do parecer acoimado de ilegal. Ainda que assim não fosse, o termo inicial do prazo prescricional em nada mudaria porque o titular da unidade era o Superintendente Regional da 7º Região Fiscal que aprovou o parecer e deferiu o pedido da requerente Garotinho Editora Gráfica Ltda. no mesmo dia 06/06/1995. E na época, o Superintendente da 7ª Região Fiscal era a autoridade competente para instaurar o PAD, conforme se verifica do disposto no art. 154, XX da Portaria nº 606, de 03/09/1992, abaixo reproduzido:

“Art. 154. Aos Superintendentes da Receita Federal incumbe:

XX – aplicar a legislação de pessoal aos servidores subordinados”.

Ora, sendo o Superintendente da Receita Federal à época dos fatos a autoridade competente para  aplicar a legislação de pessoal aos seus servidores subordinados, dúvidas não há de que a contagem do prazo prescricional iniciou-se a partir do momento em que o mesmo tomou conhecimento do parecer do Consulente em 06/06/1995, inclusive acolhendo expressamente esse parecer, pois foi nesse momento que o Poder Público teria tomado conhecimento da propalada  irregularidade funcional por meio da autoridade competente para promover a apuração da irregularidade funcional segundo uma das correntes jurisprudenciais do Colendo STJ. Segundo a outra corrente jurisprudencial, o termo inicial da prescrição conta-se da data em que o superior imediato (no caso, o Chefe da Divisão de Fiscalização) tomou conhecimento do parecer exarado pelo Consulente. Coincidentemente ambas as autoridades tomaram conhecimento na mesma data. Importante assinalar que “tomar conhecimento do parecer” corresponde à expressão “o fato se tornou conhecido” de que cuida o § 1º, do art. 142 da Lei nº 8.112/90. Não se confunde com a data em que outra autoridade administrativa ou a mesma autoridade administrativa mudou de entendimento acerca do parecer antes aprovado.

Logo, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos consumou-se em 6 de junho de 2000. E o PAD só foi instaurado em 12 de junho de 2001 por meio de Portaria nº 134 baixada pelo Chefe do Escritório de Corregedoria Geral da Receita Federal da 7ª Região Fiscal, ou seja, decorridos mais de um ano da prescrição consumada. E aqui impõe-se uma pergunta irrespondível: Era preciso criar a Corregedoria Geral da Secretaria da Receita Federal em 1997 para instaurar o PAD, a fim de apurar fato ocorrido em 06/06/1995?

Ainda que se considere a outra tese sustentada pelo STJ segundo a qual o prazo prescricional conta-se a partir da data em que a autoridade administrativa competente para instaurar o PAD tomou conhecimento da infração [1], o prazo prescricional no caso sob exame já estava igualmente prescrito, conforme retro demonstrado e, agora, reforçado com a citação de instrumentos normativos internos, baixados por órgãos da União que vinculam a Administração Pública Federal. Vejamos:

  • No Parecer Normativo nº GQ-55/95, da Advocacia Geral da União, publicado no DJU de 02-02-1995, vigente à época dos fatos, ficou consignado que “o prazo para a Administração exercer o poder-dever de infligir penalidade começa a correr da data que tem conhecimento do fato delituoso”.
  • Posteriormente, a Corregedoria-Geral da Receita Federal [2], editou a Nota Técnica Coger nº 2005/8, de 19-12-2005 para elucidar o disposto no § 1º, do art. 142 da Lei nº 8.112/90, esclarecendo que “o prazo prescricional inicia-se a partir do conhecimento do fato – art. 142, § 1º, da Lei nº 8.112, de 1990 – pelo titular da unidade, em exercício, ou pela autoridade instauradora, o que ocorrer primeiro.” (Atente-se para o fato de que essa nota técnica explicita parecer datado de 19-12-1995, ao passo que a Corregedoria Geral da Secretaria da Receita Federal só veio a ser criada em 1º/10/1997).
  • A Nota DECOR/CGU/AGU Nº 208/2009 aprovada pelo Advogado Geral da União deixou claro que a contagem do prazo prescricional, de que trata o art. 142, § 1º da Lei nº 8.112/90 se inicia da data em que o fato se torna conhecido pela Administração e não da ciência pela autoridade instauradora, conforme se depreende do seu item 88 in verbis:

“88 Portanto, em 27 de novembro de 2003, quando a Corregedoria-Geral recebeu o fax que lhe deu conhecimento da matéria veiculada na revista Consultor Jurídico (itens 16 e 17), a ação disciplinar já estava fulminada pela prescrição, pois a Administração havia tomado ciência da irregularidade pelo então Procurador Regional da União da 3ª Região, Dr. Rubens Lazzarini, que, à época, instaurou sindicância investigativa para apurar os fatos e ingressou com a Ação Rescisória para reparar o erro (itens 43 e 50)”.

Importante assinalar que o princípio constitucional da vinculação da administração a seus próprios atos obriga qualquer órgão ou autoridade administrativa integrante da entidade política que os editou, observar os   atos baixados pela administração.

Dessa forma, de acordo com o disposto no art. 142, § 1º da Lei nº 8.112/90, explicitado  pelos  instrumentos normativos editados pela própria Administração Pública Federal, e por qualquer uma das duas correntes jurisprudenciais do STJ, dúvidas não há de que o termo inicial da contagem do prazo prescricional no caso sob análise é o dia 06/06/1995, quando o Chefe da Divisão de Fiscalização apôs o seu “de acordo” no parecer encaminhando-o ao Superintendente Regional da Receita Federal da 7ª Região Fiscal que acolheu expressamente o parecer do Consulente no mesmo dia 06/06/1995. Consequentemente o termo final da prescrição é o dia 06/06/2000, pelo que na data de instauração do Processo Administrativo Disciplinar contra o Consulente, em 10/07/2001, a pretensão punitiva da Administração em face do Consulente já se encontrava extinta.

Nesse diapasão, importante destacar que a prescrição é matéria de ordem pública que deve ser reconhecida de ofício, a qualquer tempo, conforme se depreende do disposto no inciso II, do art. 487 do CPC de 2015 [3]. Impunha-se dessa forma o pronunciamento da prescrição consumada, ao invés de ordenar a instauração do PAD, em respeito ao art. 112 da Lei nº 8.112/90 que dispõe que “a prescrição é de ordem pública, não podendo ser relevada pela administração”.

Na verdade, a consumação do lapso prescricional deve ser reconhecida pela própria Advocacia-Geral da União pela aplicação do princípio da vinculação da Administração Pública a seus próprios atos, em razão dos atos normativos já editados sobre o assunto, em especial o Parecer Normativo GQ-55/95 da Advocacia Geral da União, aprovado nos termos dos arts. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10-02-1993. Nesses casos, tem aplicação o disposto na Portaria AGU nº 487, de 07/07/2016 que dispõe em seu art. 2º:

“Art. 2º Os Advogados da União ficam autorizados a reconhecer a procedência do pedido, a abster-se de contestar e de recorrer e a desistir dos recursos já interpostos, quando a pretensão deduzida ou a decisão judicial estiver de acordo com:

I – súmula da Advocacia-Geral da União ou parecer aprovado nos termos dos artigos 40 ou 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.” [4]

Prescreve o art. 40 da Lei Complementar nº 73/93:

“Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

  • 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.”

Interpretando-se a contrário sensu aquele art. 2º tem-se que o representante judicial da União – o Advogado da União que oficia nos autos – tem o dever de reconhecer a prescrição sempre que constatar qualquer ato administrativo ou judicial que contrarie o Parecer Normativo da Advocacia Geral da União aprovado nos termos dos arts. 40 ou 41 da LC nº 73/1993.

Não só o Parecer Normativo GQ nº 55/95 é vinculante à Advocacia Geral da União, como também a Nota DECOR/CGU/AGU nº 208/2009, por conta do disposto no art. 28, II da LC nº 73, respectivamente, que assim dispõem:

“Art. 28. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União é vedado:

II – contrariar súmula, parecer normativo ou orientação técnica adotada pelo Advogado-Geral da União.”

Analisada a questão consultada à luz do ordenamento jurídico global e à luz das duas correntes jurisprudenciais do STJ, impõe-se a conclusão de que a pretensão punitiva do Estado estava extinta pela prescrição desde 06/06/2000, portanto, mais de um ano antes da instauração do PAD que se deu em 12/07/2001.

Lamentavelmente, a  administração pública federal fustigada pela reportagem sensacionalista do jornal O Globo feita depois de decorridos mais de 5 (cinco) anos do fato imputado como ilegal, despida de qualquer respaldo técnico-jurídico porque veiculada para atingir a imagem do ex governador do Rio Anthony Garotinho, resolveu  dar uma satisfação à opinião pública instaurando ilegalmente o PAD contra o Consulente, após decorrido o prazo prescricional segundo as normas internas baixadas pela própria administração pública federal e contrariando a remansosa jurisprudência do STJ citada no corpo deste parecer.

O que é pior, no PAD aplicou-se o velho ditado: “A corda arrebenta sempre do lado mais fraco”. Contrariando o princípio da razoabilidade que é um limite imposto à ação do próprio legislador, enquanto o servidor da base que ofertou parecer meramente opinativo foi punido com pena de demissão, o seu chefe imediato, assim como o Sr. Superintendente da  Secretaria da Receita Federal da 7ª Região Fiscal, detentor do poder de decisão e responsável único pela expedição do certificado de autorização requerida pela empresa Garotinho Editora Gráfica Ltda., foram punidos com mera pena de advertência que foi  atingida pela prescrição semestral (art. 142, III da Lei nº 8.112/90). Vale dizer, nenhuma punição sofreram! Reescreveu-se o capítulo do Direito Administrativo concernente à coautoria na prática de atos complexos. Não é razoável supor que um servidor da base, como o Consulente, detivesse o poder de fazer tramitar o processo administrativo que se formou com o requerimento da empresa Garotinho com uma celeridade inusitada: no dia 06/06/1995 o Consulente emitia parecer opinativo a respeito; no mesmo dia seu Chefe imediato concordava com o parecer e o encaminhava ao Superintendente da 7ª Região Fiscal propondo o deferimento do pedido da empresa Garotinho; e no mesmo dia 06/06/1995 o Sr. Superintendente Regional aprovava o  referido parecer e deferia o pleito formulado pela Garotinho que ensejou a reportagem sensacionalista do Jornal O Globo.

Não deve a Justiça fechar os olhos para esses fatos que não exigem maiores estudos para constatar a ação conjunta de três servidores públicos na prática de ato acoimado de ilegal por provocação de um jornalista do O Globo, estranho aos quadros da administração pública federal. Mas, como dito no início, este parecer limita-se a analisar a extinção da pretensão punitiva pela prescrição que restou comprovada.

Respostas aos quesitos formulados

 

 

1 – De quando data o parecer acoimado de ilegal?

R: Data de 06/06/1955.

2 – Quando a chefia imediata apôs o seu “de acordo” no parecer em questão e quando o Sr. Superintendente Regional da Secretaria da Receita Federal da 7ª Região Fiscal aprovou esse parecer e deferiu o pedido formulado pela Garotinho Editora Gráfica Ltda?

R: A chefia imediata apôs o seu “de acordo” no parecer em 06/06/1995 encaminhando-o ao Sr. Superintendente Regional da 7ª Região Fiscal que aprovou o citado parecer no mesmo dia 06/06/1995, deferindo o pedido da Garotinho Editora Gráfica Ltda.

3 – Quem era a autoridade competente na época para instaurar o PAD?

R: Na época do fato, dia 06/06/1995, a autoridade competente para instaurar o PAD era o Superintende Regional da 7ª Região Fiscal, Sr. …, considerando que a Corregedoria Geral da Secretaria da Receita Federal, que passou a ter competência para instaurar o PAD, somente veio a ser criada pelo Decreto nº 2.331, de 1º de outubro de 1997.

4 – Quando teve início a contagem do prazo prescricional e quando se deu o termo final dessa contagem?

R: Segundo o disposto no § 1º, do art. 142 e art. 143 da Lei nº 8.112/90 regulados por atos normativos internos da administração pública federal e de conformidade com as duas correntes jurisprudenciais do STJ mencionadas no corpo deste parecer, o termo inicial da contagem do prazo prescricional é o dia 06/06/1995, quando o Chefe da Divisão de Fiscalização encampou o parecer encaminhando-o ao Sr. Superintendente da 7º Região Fiscal que aprovou o dito parecer no mesmo dia 06/06/1995. O termo final da prescrição, por conseguinte é o dia 06/06/2000. Coincidentemente, ambas as autoridades superiores do Consulente tomaram conhecimento do fato no mesmo dia, pelo se que torna despicienda a discussão em torno da autoridade administrativa competente que marca o início do prazo prescricional pelo conhecimento do fato acoimado de ilegal. Portanto, a suposta infração já estava prescrita por ocasião da instauração do PAD em 12/07/2001.

  1. Pode o Advogado da União que oficia nos autos judiciais reconhecer a prescrição em face desse caso concreto?

R: O Advogado da União que atua no processo judicial em questão tem o poder-dever de reconhecer a prescrição, nos termos da Portaria AGU nº 487, de 7-7-2016 quando for se manifestar nos autos, em obediência aos atos normativos, legal e legitimamente emanados da Advocacia Geral da União, notadamente o Parecer Normativo GQ-55/95, e a Nota DECOR/CGU/AGU nº 208/2009, vinculantes à Administração nos termos do art. 28, II e do § 1º, do art. 40 da Lei Complementar nº 73 de 10 de fevereiro de 1993.

É o nosso parecer smj.

_________________________                    _______________________

Kiyoshi Harada                                          Marcelo Kiyoshi Harada

OAB/SP 20.317                                               OAB/SP 211.349

[1] MS nº 22.575/PA 1ª Seção, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 30-8-2016; MS nº 21.822/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Og Fernandez, DJe 14-12-2015; e MS nº 9.120/DF, 3º Seção, Rel. Min. Érico Maranho (Des. convocado do TJSP, DJe de 6-11-2015.

[2] Não se confunde com a Corregedoria Geral da Secretaria da Receita Federal.

[3] “Art. 487.  Haverá resolução de mérito quando o juiz:

…….

II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição.”

[4] No mesmo sentido dispunha a Portaria nº 534, de 22/12/2015 substituída pela de nº 487/2016.