Por Eduardo Marcial Ferreira Jardim*.
Introdução
Consoante sabido e ressabido, o Brasil se ressente de uma diretriz nacional na área da saúde com o fito de reverter esse quadro macabro de contaminação e óbitos em face do novo Corona Vírus. Claro que tal hipótese seria perfeitamente compatível com o exercício da competência local suplementar a ser efetivada pelas unidades federativas.
Ao lado dessa lacuna, o que de real existe é uma política dicotômica em relação ao distanciamento social como meio de proteção à propagação do Covid19, a qual, a bem ver, ter como vértice os extremos conflitantes, uns em prol de uma liberação geral e outros a favor do fique em casa em sua plenitude.
Nesse rumo, o Presidente da República, por exemplo, sempre se mostrou preocupado com a economia e se posiciona contrário ao ficar em casa, ao passo que outra linha de agentes políticos consideram o isolamento social absoluto o melhor meio de preservar a vida e à saúde da população, corrente, aliás, encampada entre nós.
Além disso, não se pode olvidar que ao lado da proteção da saúde e da vida, é de mister compatibilizar o problema da Covid 19 com a disponibilidade de leitos hospitalares, levando em consideração outras enfermidades, fato, diga-se de passo, de extrema gravidade.
Com efeito, cumpre observar que abrir tudo ou fechar tudo representa um falso dilema, máxime porque não são essas as únicas alternativas possíveis para cuidar do assunto, conforme será analisado nos desdobres deste ensaio.
Por óbvio, sob o ponto de vista lógico, a concepção dúplice do abrir tudo ou fechar tudo depara-se tão destituída de fundamento como supor que um aficionado do futebol poderia ser tão somente são paulino ou palmeirense, sem considerar a existência de outros times.
Igual sorte dar-se-ia com relação à previsão do tempo, limitando a sua qualificação em bom por estar sol ou ruim caso esteja chovendo, deixando de levar em conta inúmeras outras variáveis, assim como a intensidade do vento, a sensação térmica, ou o tempo nublado ou a presença de nevoeiro e assim avante. É dizer, a ideia de restringir um assunto complexo a apenas duas escolhas exprime uma inegável falácia substanciada no falso dilema.
DE MERITIS
Voltando ao tema, e em obséquio à sensatez, afigura-se possível a adoção de políticas públicas tendentes a conciliar o distanciamento social com a atividade econômica, conforme verificado no início deste mês de julho, medida correta, embora tardia.
Deveras, a providência consistente na flexibilização se concretiza num momento em que o número de óbitos é maior do que nos primeiros tempos da pandemia, comprovando, assim, que melhor seria se os governantes não tivessem determinado a paralização da economia com efeitos devastadores e na contramão da consecução do bem comum.
Por sem dúvida, o fechar tudo ou abrir tudo, é tão errado quanto simples e simplório, sem contar que tais premissas são decididamente danosas para a sociedade. No pensar destes breves comentos, seria de mister que o sobrestamento das atividades perdurasse no máximo nas duas primeiras semanas da pandemia, a fim de que os múltiplos planos de governo se organizassem para uma reabertura disciplinada e ordenada, harmonizando a saúde da população com a economia e com o emprego.
Por outro lado, importa salientar que é grande o número de pessoas que não usam máscaras, inclusive no entorno do Parque do Ibirapuera e do Parque Villa Lobos, dentre outros locais na cidade de São Paulo, o mesmo ocorrendo em Shoppings, centros de compras, bares e eventos diversos.
Tal fato exige um rigor do Poder Público no sentido de evitar aglomerações e, sobretudo, fazer valer a obrigatoriedade do uso de máscara, sob pena configuração de crime contra a saúde pública, nos termos dos artigos 267 e 268 do Código Penal, a saber:
“DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
Epidemia
Art. 267 – Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:
Pena – reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
- 1º – Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.
- 2º – No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos.
Infração de medida sanitária preventiva
Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.”
Se é verdade que o infrator merece ser punido, não menos verdade é também que configura decididamente despropositado multar o estabelecimento comercial ou de prestação de serviços em face de infração cometida por algum cliente, seja porque o empresário não detém poder de polícia para compelir qualquer pessoa a usar a máscara, seja porque a pena só pode recair sobre o infrator, jamais contra interposta pessoa, tudo em harmonia com mais de dois mil anos de história do direito e em homenagem à personalização da pena como quer o disposto no art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal que assim dispõe in verbis:
“XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
Outrossim, não se escoima de críticas, também, o fechamento de praias e parques, locais saudáveis por excelência, bastando a presença do poder de polícia dos municípios para equalizar a respectiva utilização, evitando agrupamento de pessoas e exigindo o uso de máscaras, salvo nos banhos de mar. A reabertura de praias e parques está prestes a se concretizar, tardiamente embora, mas esperemos que a sociedade não seja privada desses direitos tão básicos, como singelos, que jamais deveriam ser supressos.
Sob o prisma jurídico, outro absurdo consiste na interdição das praias por parte dos Municípios, pois, sendo bens da União Federal, resta evidente que tal prática caracteriza usurpação de competência por afronta ao art. 20, incisos VI e VII, do Texto Excelso.
Demais disso, tal proibição retira o exercício de um direito legítimo do cidadão à luz da Lex Legum, sem contar a repercussão detrimentosa na atividade econômica. Em realidade, é estreme de dúvidas que tal postura compromete a hotelaria, fulmina o turismo, acaba com a pesca, senão também vulnera o fornecimento de alimentos e bebidas, ecoa no transporte que envolve toda essas atividades, gerando desemprego num efeito dominó.
Em suma, esse posicionamento político produz um efeito oposto ao acalentado nos estudos de John Maynard Keynese e Richard Khan que propugnaram pela teoria do multiplicador apoiada no fundamento segundo o qual o emprego gera emprego, donde, de revés, o desemprego, a seu turno, produz desempregos.
Essas medidas destoam de uma série de garantias constitucionais, a exemplo do direito ao exercício de qualquer ofício ou profissão, como quer o art. 5º, inciso XIII, ou o direito de ir e vir, nos termos do art. 5º, inciso XV, sobre ofender o primado da ordem econômica e financeira, como estipula o parágrafo único do art. 170, ao proclamar o livre exercício de qualquer atividade econômica que representa uma das colunas mestras do direito pátrio.
Por conseguinte, tais valores podem ser disciplinados por lei, jamais restringidos, salvo por Decretação de Estado de Sítio, na conformidade com os artigos 137e seguintes, mais especificamente no inciso I, do art. 139, da Carta da República, vedado fazê-lo, de revés, com fundamento em Calamidade Pública. Ao propósito, assim preceitua o comando citado:
“Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I – obrigação de permanência em localidade determinada.”
Conclusão
Ante tais observações, força é reconhecer que urge seja restabelecida a atividade econômica, como está em curso, aliás, à época da elaboração deste artigo. Não demasia dizer que a acalentada reabertura haverá de ser devidamente acompanhada de um monitoramento eficaz por parte do Poder Público e uma consequencial volta à normalidade possível, enquanto não vier a vacina contra a Covid19.
* Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professor no Mestrado e Doutorado na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Cadeira nº 62. Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário. Sócio de Eduardo Jardim e Advogados Associados. Autor de obras jurídicas nas Editoras Noeses, Saraiva e Mackenzie.