Dispõe o art. 10 da lei de licitação em vigor:

 

Art. 10. Se as autoridades competentes e os servidores públicos que tiverem participado dos procedimentos relacionados às licitações e aos contratos de que trata esta Lei precisarem defender-se nas esferas administrativa, controladora ou judicial em razão de ato praticado com estrita observância de orientação constante em parecer jurídico elaborado na forma do § 1º do art. 53 desta Lei, a advocacia pública promoverá, a critério do agente público, sua representação judicial ou extrajudicial.

  • 1º Não se aplica o disposto no caput deste artigo quando:

I - (VETADO);

II - provas da prática de atos ilícitos dolosos constarem nos autos do processo administrativo ou judicial.

  • 2º Aplica-se o disposto no caput deste artigo inclusive na hipótese de o agente público não mais ocupar o cargo, emprego ou função em que foi praticado o ato questionado.

 

O § 1º, do art. 53 referido no art. 10 determina que no final da fase preparatória da licitação o processo seja encaminhado ao órgão de assessoramento jurídico da administração para o controle prévio da legalidade, mediante análise jurídica da contratação consubstanciado em um parecer jurídico.

 

Parcela da doutrina insurgiu-se contra esse artigo 10, sob o fundamento de que ele extrapola do âmbito das normas gerais, adentrando no campo de competência legislativa do legislador estadual e municipal ao prescrever a atuação da advocacia pública na defesa do agente público que tenha agido de conformidade com o parecer jurídico emanado do setor competente da administração, ressalvadas as hipóteses em que constem provas da prática de atos ilícitos dolosos no processo administrativo ou judicial.

Não há, na verdade, um conceito unânime do que sejam normas gerais que cabem à União editar no campo de competência concorrente, como prescreve o § 1º, do art. 24 da Constituição Federal.

Mas, há um consenso no sentido de que normas gerais são aquelas munidas de alto grau de abstração que servem de diretrizes para a elaboração de demais normas jurídicas. Por isso, as normas gerais não podem entrar em detalhes.

Em termos de concreção do direito situam-se as normas gerais acima das regras jurídicas, mas abaixo de princípios que são munidas da maior abstração do que as normas gerais e que irradiam os parâmetros para a elaboração de todas as normas jurídicas. É a regra-matriz da elaboração de normas jurídicas.

Colocada a questão nesses termos não nos parece que o citado art. 10 entre em detalhes tais que interfiram na autonomia administrativa dos entes regionais e locais. Não interfere na organização da advocacia pública, normalmente estruturada em torno de Procuradoria Geral do Estado e Procuradoria Geral do Município.

Limita-se a ditar de forma uniforme para os três entes da federação a intervenção da respectiva advocacia pública ou procuradoria geral naqueles casos em que o agente público é processado administrativa ou judicialmente por ter seguido a orientação firmada pelo parecer jurídico emanado de órgão competente.

É até intuitivo que o órgão que emitiu o parecer jurídico adotado pela autoridade administrativa e foi processado por essa razão promova a defesa desse agente público processado, batendo-se pela legalidade do parecer exarado e, por conseguinte, da legalidade do ato praticado pela autoridade administrativa.

Não faria sentido a autoridade administrativa, no caso, ter que arcar com a contratação de um defensor para sustentar a legalidade do ato que praticou, a menos que essa seja a sua vontade por uma questão de foro íntimo.

Por fim, essa questão está sendo enfrentada pelo STF nos autos da ADI nº 6890 em que figura como Relator o Ministro Nunes Marques, sendo que já há um parecer exarado pelo Procurador Geral da República, Augusto Aras, que afasta a ingerência da União nas advocacias públicas dos entes regionais e locais, porém, preconizando a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 10 da Lei 14.133/2021, de maneira que o dispositivo não configure a obrigatoriedade de defesa judicial do agente público atuante em licitações e contratos pelos órgãos da advocacia pública, mas represente apenas a possibilidade de se autorizar a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia do ato.

 

SP, 16-9-2023.