A política de consumidores, em Portugal, inexiste, em rigor.
Pese embora a crueza da afirmação, inexiste. E não parece que alguém se preocupe com o facto. Desde que a comunicação social finja que há uma ‘associação de consumidores’ que a tudo provê ( e que por sinal é um conglomerado de empresas, que ‘coça para dentro’, fingindo servir o consumidor, com o beneplácito implícito ou explícito de ‘certos’ plumitivos e a tolerância do Ministério Público, do Regulador do Mercado, da Direcção-Geral do Consumidor, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados e não se sabe bem de quantas mais instituições a que caberia intervir, mas guardam de Conrado o (im) prudente silêncio…), parece que em Portugal tudo se processa como se não houvesse problemas neste relevante segmento da vida corrente.
Há um mero arremedo de programa de Governo, votado, de resto, ao descaso.
A Lei 32/2021, de 27 de Maio, emanada do Parlamento (já que é de uma lei que se trata…) criou a Comissão das Clausulas Abusivas.
[Reivindicação nossa que remonta à época da fundação quer da AIDC – Associação Internacional de Direito do Consumo (Coimbra, 21 de Maio de 1988), quer da apDC – Associação Portuguesa de Direito do Consumo (23 de Novembro de 1989)].
A Lei mandou que até 26 de Julho de 2021 (não tarda perfará dois anos…) se estruturasse a Comissão para que a 25 de Agosto subsequente (de 2021) os seus termos pudessem vigorar na ordem jurídica interna.
E, nesse particular, urgia se configurassetambém o efeito do caso julgado (que se pretenderia pudesse valer “erga omnes”, i. é, com eficácia geral, que não com efeitos que atinjam tão só os litigantes, com asespecificidades decorrentes da Lei das Condições Gerais dos Contratos (25 de Outubro de 1985).
E poder-se-ia aproveitar o ensejo para a criação do “termo ou compromisso de ajustamento de conduta”, como tantas vezes temos reclamado, de molde a evitar que tais aspectos conheçam a via jurisdicional com as delongas processuais que arrastam os pleitos por 7, 9, 10 anos,com os prejuízos daí advenientes.
O facto é que nada se fez até ao momento numa situação de franca desvalorização do tema, que afecta sobremodo os consumidores.
Até parece que se confirmam as judiciosas palavras de Jorge Sampaio, que punha na boca de um amigo algo do estilo: “em Portugal, as leis não mandam, não imperam, não obrigam; são meras sugestões, que se cumprem ou não a bel talante do executor”!
Não sabemos se o homem de Catabola, ministro da Economia e do Mar, tem a noção de que é também o ‘Ministro do Consumo’ (com responsabilidades na execução da apagada e mísera política de consumidores, tão ‘bruxuleante’ no programa do Governo). E se o da Covilhã, o Fazenda, vai além da chinela do Turismo, ele que tem agregada a si a distante política de consumidores…
Não é de bom tom protelar-se para as calendas a execução seja do que for, mormente quando se trata de algo com reflexos directos e imediatos no quotidiano das gentes, qual seja, os contratos celebrados em contínuo pelos consumidores para satisfação das suas necessidades mais prementes.
Porque razão omite o Governo a estruturação da Comissão das Cláusulas Abusivas e nega aos consumidores algo que poderia atenuar os efeitos catastróficos das condições gerais dos contratos pejadas de cláusulas abusivas que enxameiam os mercados? Com reflexos na economia, aliás!
Porque razão se não imprime à política de consumidores o carácter emergencial que se lhe reconhece, mormente em momento de crise como o que se atravessa?
E o primeiro-ministro, que se passeia pelos areópagos internacionais, nem sequer se preocupa com aspectos relevantes da vida de todos os dias de todos e cada um, no país avaro e assimétrico em que as diferenças se acentuam desmesuradamente?
Que responda quem souber…
Preocupa-nos o ‘dar de ombros’ permanente desta gente perante os problemas que assolam os consumidores, no seu dia-a-dia, face à degradação contínua a que se assiste na efectividade dos direitos que exornam o seu estatuto!
Preocupa-nos deveras!
Tão logo soem as trombetas das eleições, ouviremos de novo repetir cinicamente: “as pessoas, primeiro”!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Coimbra