Eis, pois, a OBSOLESCÊNCIA
De efeitos devastadores
Via para a excrescência
E danos aos consumidores…
De uma consulente (mestranda em Direito), de Goiás, Brasil:
“A Europa muito fala da obsolescência precoce. Mas parece que - para além da proposta de directiva, aliás, muito recente, acerca do ‘direito à reparação’ - não há, com excepção da França, que legislou entretanto, e da Espanha, em determinadas comunidades autónomas, normas na legislação portuguesa que proíbam um tal fenómeno e o punam, consequentemente, se de modo comprovado isso se verificar.”
Ante a observação precedente, as considerações que seguem:
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Obsolescência programada“é a pré-determinação do ciclo de vida de um produto. Como se, ao nascer, se inscrevesse já, na sua matriz, a concreta data do seu decesso. Como se o produto, ao surgir no mercado, se fizesse acompanhar de uma certidão de óbito com o “dies ad quem” [termo final]”…
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Ao contrario do que possa supor-se, Portugal, de forma aparentemente discreta, sem grande realce, pois,também legislou nesse particular.
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A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor viu juntar-seao artigo 9.º (protecção dos interesses económicos do consumidor),pelo DL 109-G/2021, o n.º 7, do teor seguinte:
“É vedado ao profissional a adopção de quaisquer técnicas através das quais o mesmo visa reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens.”
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Curiosamente, no momento em que nos dispúnhamos a responder à consulente, o jornal oficial trazia a lume a Lei 28/2023, de 04 de Julho, que modifica exactamente a redacção do n.º 7 do artigo 9.º, nestes termos:
“É vedada ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços a adopção de quaisquer técnicas que visem reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens ou a renovação da prestação de serviços que inclua um bem de consumo.”
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Aliás, conquanto se não deva confundir assistência pós-venda com obsolescência, há interconexões que importa sublinhar. A Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo de 18 de Outubro de 2021, em seu artigo 21, reza o seguinte:
“1 — Sem prejuízo do cumprimento dos deveres inerentes à responsabilidade do fornecedor ou do produtor pela [não] conformidade dos bens, o produtor é obrigado a disponibilizar as peçasnecessárias à reparação dos bens [...], durante o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respectivo bem.
…
4 — No momento da celebração do contrato, ofornecedor deve informar o consumidor daexistência e duração da obrigação de disponibilização de peças aplicável…”
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Poder-se-ia pensar que a norma do n.º 7 do artigo 9.º fosse mais uma norma sem sanção. No entanto, afigura-se-nos que a comercialização de bens obsoletos é susceptível de configurar um ilícito de mera ordenação social (prática desleal no plano das acções enganosas) passível de coima, variável consoante o talhe da empresa (se micro, pequena, média ou grande), a título de contra-ordenação económica grave.
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Cabe ainda nessa moldura(contra-ordenação económica grave) a ofensa ao que prescreve o artigo 21 da Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo(supra, 3):disponibilidade de peças e acessórios para os bens fornecidos.
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O consumidor lesado em decorrência de uma qualquer prática comercial desleal, será ressarcido nos termos gerais de direito [DL 57/2008: n.º 3 do art.º 14].
EM CONCLUSÃO
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A repressão à obsolescência programada está expressamente prevista na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor [Lei 24/96: n.º 7 do artigo 9.º]
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Com um tal fenómeno se cruza o da disponibilidade de peças sobressalentes e de acessórios que garantam a longevidade dos bens [DL 84/21: art.º 21]
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A inobservância do que em tais prescrições se contém é susceptível de constituir contra-ordenação económica grave passível de coima, consoante o talhe das empresas, se micro, pequenas, médias e grandes [ Dl 57/2008: art.º 7.º e n.º 1 do art.º 21; DL 84/2021: al. f) do n.º 1 do art.º 48]
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Para além das sanções neste passo cominadas, subsiste o ressarcimento dos danos, a título de responsabilidade civil, nos termos gerais [DL 57/2008: n.º 3 do art.º 14].
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -, Portugal