CONSULTA:

Clara Fonseca – Vila Franca de Xira

Num restaurante em Elvas (não sei o nome e decerto que lá não voltarei) foi-me apresentada, recentemente, uma conta final onde constava o débito do pão que estava na mesa quando nos sentámos.

Não tocámos no pão, nem nas entradas, que também “já nos aguardavam”, mas o gerente do restaurante disse-me que fazia parte do menu, portanto, teria de ser cobrado.

Se fazia parte do menu, não devia dizer algures que era incluído, e não vir na conta final, como 2.20€, que acresceu ao preço da refeição?

Fiz reclamação no livro por considerar a situação descabida…”

PARECER:

Perante a consulta, cumpre dilucidar a prezada consumidora:

  1. O DL 10/2015, de 16 de Janeiro, diz designadamente no seu artigo 135, sob a epígrafe “lista de preços”:

“1 - Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem existir listas de preços, junto à entrada do estabelecimento e no seu interior para disponibilização aos clientes, obrigatoriamente redigidas em português, com:

a) A indicação de todos os pratos, produtos alimentares e bebidas que o estabelecimento forneça e respectivos preços, incluindo os do couvert, quando existente;

b) A transcrição do requisito referido no n.º 3.

2 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por couvert o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.

3 - Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado. …

  1. Há patentes contradições na justificação apresentada pelo gerente:

 

    1. se estava incluído na ementa, não acresceria ao preço, como no caso das denominadas “diárias”, refeições completas com um dado valor pré-estabelecido e em que, por via de regra, se inclui o pão e uma bebida, para além da sopa e do prato;

 

    1. se não estava e entendeu cobrar, violou o n.º 3 do artigo 135 do DL 10/2015, já que, ainda que a consumidora comesse pão e entradas ou os inutilizasse, nada teria de pagar porque os não solicitou.

 

    1. Não se ignore que ninguém pode ser obrigado a consumir, de acordo com o que estabelece, entre outros, o DL 24/2014, de 14 de Fevereiro, no n.º 1 do seu artigo 28, a saber:“fornecimento de bens não solicitados”

 

“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens … ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…

 

    1. E não se ignore que o n.º 2 do enunciado artigo diz que: ”… a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitado não vale como consentimento.”

 

  1. A violação do que prescreve o n.º 3 do artigo 135 do DL 10/2015 e o n.º 1 do artigo 28 do DL 24/2014, constitui, nos termos do n.º 1 do art.º 31 do diploma por último citado, contra-ordenação económica muito grave, cuja moldura é a que segue:

 

    1. Pessoa singular – de 2 000 a 7 500 €;

 

    1. Microempresa – de 3 000 a 11 500 €;

 

    1. Pequena empresa - de 8 000 a 30 000 €;

 

    1. Média empresa - de 16 000,00 a 60 000 €;

 

    1. Grande empresa - de 24 000 a 90 000 €.

 

  1. Mas, valha a verdade, o haver cobrado montante superior ao do custo da refeição configura também um crime de especulação, de harmonia com a moldura legal constante do artigo 35 da Lei Penal do Consumo – DL 28/84, de 20 de Janeiro:

“1 - Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem: …

c)    Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço; …”

EM CONCLUSÃO

  1. Cobrar pelo pão e pelas entradas (ainda que por hipótese tivessem sido consumidos) constitui contra-ordenação económica muito grave (DL 10/2015: n.º 3 do art.º 135; DL 24/2014: n.º 1 do art.º 28 e n.º 1 do art.º31; DL 9/2021: art.º18)
  2. Cobrar o indevido, para além do preço constante de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pelo fornecedor ou prestador de serviço constitui crime de especulação (DL 28/84: alínea c) do n.º 1 do artigo 35)

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal