Ao menos, os cidadãos-consumidores, aureolados da dignidade que se lhes reconhece, terão sido lembrados no estertor da legislatura 2015/2019, tal o teor da Resolução aprovada pelo Parlamento a 28 de Junho de 2019 e publicada, no jornal oficial, a 22 de Julho seguinte.
E o facto é que tal corresponde a sucessivas reivindicações da apDC, instituição no seio da qual nos movemos e há mais de 33 anos desenvolve formal e informalmente a sua actividade tanto intra como extra muros.
Reivindicações que mais não são do que o cumprimento de dispositivos legais que permanecem, ao longo dos tempos, autêntica e clamorosa letra morta…
Recomendações que cairão decerto em saco roto, como se advertiu, ao tempo, dado que o Governo se despediu do País, no termo do quadriénio, de imediato.
Recomendações que visavam específicos domínios como os da formação, informação e protecção dos consumidores.
Portugal não tem sido bafejado por políticas de consumidores, como se tal fosse dispensável, quando, em particular, em momentos de crise mais se impõe haja um reforço de meios e acções em domínios como os que abarca.
Portugal dispunha, ao tempo, de um Secretário de Estado da Defesa do Consumidor, no lastro do Ministério da Economia e Inovação, que se revelara, de início, empreendedor e à procura de colmatar as brechas de toda uma legislatura. O que, é bem de ver, não foi susceptível de conseguir pela magnitude da missão, pela pluralidade de tarefas e pelo acumular de situações, sem solução, que se arrastam do passado - do dissolutore permanentemente olvidadoGoverno de Sócrates (por hábil propaganda de Costa, logo que empossado, em 2015, como primeiro-ministro) e do de obediência aos mutuantes internacionais (FMI, BCE e CE), que sensibilidade nenhuma revelou para políticas do jaez destas, ao actual, que só em Outubro de 2018 despertou para o fenómeno da política de consumidores, que sempre olvidou e ostensivamente omitiu.
No entanto, o Secretário de Estado mais não foi do que uma profunda ilusão, já que se propusera, em obediência naturalmente a uma estratégia política bem urdida e que visara silenciar os mais reivindicativos dos dirigentes associativos, tanto mais que, ‘espremido’ o que se disse ter feito, em nada se traduziu, de nada valeu.
Mas “cumpriu a missão que se lhe cometera” e foi, por isso, premiado com um lugar de destaque no Largo do Rato, surgindo como o homem do aparelho no seio do Partido no poder.
E que recomendações se aparelham na RESOLUÇÃOretromencionada?
Ei-las, na sua enunciação, da primeira à enésima:
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
“1 - Desenvolva campanhas institucionais de promoção dos interesses e direitos do consumidor.
2 - Promova a clarificação, junto dos cidadãos, das competências das várias entidades reguladoras, da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica e da Direcção-Geral do Consumidor, de forma simples e didáctica, sendo esta informação necessária face à complexidade existente na percepção das competências das várias entidades.
3 - Apoie as associações de defesa dos consumidores na divulgação e na formação dos consumidores.
4 - Desenvolva acções junto do serviço público de rádio e de televisão para que sejam significativamente reforçados os espaços reservados para divulgação de campanhas de informação aos consumidores.
5 - Promova campanhas institucionais de informação sempre que novos diplomas legais respeitantes aos consumidores sejam publicados.
6 - Elabore manuais explicativos dos direitos dos consumidores tendo como objectivo a sua divulgação pelas escolas e pela comunidade em geral, em linguagem acessível.
7 - Promova uma política nacional de formação de formadores e de técnicos especializados na área do consumo.
8 - Promova uma política educativa para os consumidores através da inserção nos programas e actividades escolares, bem como nas acções de educação permanente, de matérias relacionadas com o consumo e os direitos dos consumidores.
9 - Com o apoio da Direcção-Geral do Consumidor, desenvolva acções de capacitação e de informação junto das instituições da economia social, solicitando o apoio destas instituições na divulgação de informação aos consumidores.
10 - Envolva os vários ministérios, com particular relevância para os Ministérios da Economia, Administração Interna, Justiça, Educação e Trabalho e Segurança Social, na divulgação de campanhas institucionais de defesa do consumidor.
11 - Reforce as acções de fiscalização e de monitorização.”
Se, ao menos, tal pudesse servir de bússola para eventuais políticas no futuro, já não se daria por perdida a diligência. Mas não, reflexos nenhuns teve na acção política do Governo…
O Governo que em 2022 emergiu, reforçado, do acto eleitoral de Outubro,cedo ‘mandou às urtigas’ eventual política de consumidores.
Basta determo-nos sobre o esfarrapado fragmento de políticas do seu miserável programa.
E, com uma maioria absoluta, passa sobre brasas e remete a política de consumidores – ou a sua ausência, com maior propriedade – para um “vão de escada” do Ministério da Economia e do Mar, escondido atrás de uma ignota secretaria de Estado do turismo e do comércio, sem qualquer visibilidade e com um criminoso apagamento.
Um governo de raiz social-democrata, fosse qual fosse a latitude em que se sediasse, jamais ousaria tanto…
Na autocracia reinante, com diminuto espaço ainda para uma qualquer “liberdade de expressão”, ninguém ousa manifestar-se.
Aliás, a política de consumidores “fá-la”, a seu modo, a ‘empresa do regime’, com o beneplácito do Governo, a antena nacional da multinacional belga “Euroconsumers, S.A.”, acomodados os espíritos, dissolvidas as ilusões!
Política de que tanto carecíamos como de ‘pão para a boca’, nas suas concretizações vivificantes, em plena crise em que já falta o pão, propriamente dito, em muitos lares e a muitas bocas…
Deploravelmente!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal