Mal entrado nas lides da segurança alimentar, componente fundamental da fileira dos DIREITOS DO CONSUMIDOR, algo de relevante, há cerca de 4 décadas, marcou de modo impressivo as nossas perspectivas em domínios de um tal jaez :
Nuns barracões nos arrabaldes de Alcobaça, Centro-Oeste, uma improvisada adega em que se produzia vinho tinto com um punhado de ingredientes singulares: maçãs em avançado estado de putrefacção, sangue de boi para a coloração e ácido sulfúrico para a ‘fermentação’.
Um cenário de horror, um hino de louvor reverso às castas do Centro Oeste e aos seus afamados vinhos… passe o negro sentido de humor!
Uma espectacular acção da IGAE, mais tarde integrada na ASAE… e o processo de “vinificação” interrompido…
Ou o ‘azeite’ que outrora se produzia ali para as bandas de Poiares e em que se juntava, a um óleo de sementes de baixa extracção, hulha limada para a necessária coloração… que os consumidores néscios tomavam por azeite extra virgem, tal como figurava nos rótulos habilmente urdidos…
Ou o peixe com o ar de frescura que se lhe exigia e que se submetia a operações de cosmética para avivar as guelras e um gel tonificador para realçar os olhos, já que o vermelho vivo das guelras e o brilho deslumbrante dos olhos eram sinais distintivos de um produto “acabado de vir do mar”… como que para contrariar o saudoso Prof. Oliveira Ascensão que asseverava, para fundamentar a irrelevância do “dolus bónus”, que não havia dona de casa por mais destituída que fosse que não distinguisse bem um peixe fresco e de um outro anormal, avariado…
O ror e o rol de artifícios, sugestões e embustes neste domínio é algo de inominável… e, quiçá, inimaginável!
Trata-se, em rigor, descansemos, de quadros superados. Assim, ao menos, se espera…
Algo que se ficou devendotambém à pronta e enérgica intervenção das autoridades do tempo, limitadas na sua esfera de acção, quantas vezes, por escassez de quadros, como, aliás, actualmente o pseudo-programa do Governo para a “defesa do consumidor” o reconhece e prevê, numa sorte de “mea culpa” esfarrapada ante o esmagamento de efectivos da entidade a que cumpre promover as acções inspectivas nos distintos elos da cadeia do agro-alimentar, o seu reforço durante o quadriénio da governação.
Algo que se deve também, em pleno período em que soaram os alarmes da insegurança alimentar, ao esforço indómito da ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica -, criada na sequência do fenómeno que grassava na Europa, após mais de dois anos de indefinições e cerca de versões do diploma original, que dera à estampa a 10 de Agosto de 2000 a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar, nela se fundindo uma mancheia de serviços da Administração Pública, entre os quia a IGAE, como polícia do mercado. Com algum radicalismo, de início, é certo, mas que concorreu para que se lavasse as mãos deveras que não como Pilatos… em coisas tão sérias como as da súde e integridade física dos humanos.
O regime da segurança alimentar, consignado no Regulamento n.° 178/2002, de 28 de Janeiro, do Parlamento Europeu, tem na sua génese os sucessivos escândalos da encefalopatia espongiforme bovina, que abalou as estruturas da, ao tempo, Comunidade Europeia, às dioxinas nos galináceos, porcinos e na ‘entranhada’ Coca-Cola, da máfia das hormonas, dos antibióticos, dos betagonistas às farinhas de origem animal que enxameavam o mercado.
A Europa das fraudes parece ufanar-se quando apresenta no mercado internacional manteiga sem que na sua composição houvesse entrado um só ml. de leite…
Em pleno período da pandemia – nos anos de 2020, 2021 e no primeiro semestre de 2022 – recrudesceram as fraudes alimentares na Europa.
Sob a consigna da protecção dos interesses dos consumidores, define de modo expresso o Regulamento Europeu que a legislação alimentar tem como objectivo a protecção de tais interesses, fornecendo-lhes uma base para que façam escolhas com conhecimento de causa em relação aos géneros alimentícios que consomem.
E visa prevenir, entre outros,
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práticas fraudulentas ou enganosas e
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a adulteração dos géneros alimentícios.
Dois fenómenos de generalizada ocorrência se nos deparam nos tempos que correm:
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A reduflação e
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A discriminação pela depreciação da qualidade da composição do produto alimentar, como se na Europa houvesse, segundo as latitudes, consumidores de primeira e de segunda…
O primeiro, a reduflação, consiste no processo mediante o qual os produtos diminuem de tamanho ou quantidade, enquanto o preço se mantém inalterado ou sofre um qualquer acréscimo.Como exemplo de produtos objecto de processos tão criativos, margarinas, iogurtes, batatas fritas, barras de chocolate, papel higiénico, papel de cozinha, pão, descaradamente o pão… alimento dos pobres!
O segundo, a discriminação do preço em função de uma aparente qualidade a mesma.
Discriminação em razão das exigências menos prementes dos consumidores, a saber, uma dualidade da qualidade dos produtos, com particular relevância para os produtos alimentares, situações em que a Comissão Europeia vem laborando desde Setembro de 2017, em decorrência de uma comunicação que deu à estampa a 29.
Ora, “quem, com intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em livre prática, importar, exportar, reexportar, colocar sob um regime suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias: … de natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem,será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias, salvo se o facto estiver previsto em tipo legal de crime que comine pena mais grave.”
O mundo, povoam-no seres que, explorando os mais vis desvalores, se consagram a estas “malas artes”, ludibriando o seu semelhante e avantajando-se à custa da saúde, da integridade física e da bolsa dos mais…
É este circo, ajoujado de feras com mera aparência humana, que somos forçados a “frequentar”… que nos surpreende, ou já nem tanto, a cada instante!
Mário Frota
presidente emérito da DC – DIREITODO CONSUMO -, de Portugal