“Renegociei uma dívida por ter dificuldade em suportar as condições originais. E estabeleceu-se um prazo de pagamento entre 1 a 8 de cada um dos meses.
Antes ainda e durante o prazo sou martirizado pela empresa de cobrança que não me larga com ameaças de que terei de pagar na hora, com telefonemas contínuos tanto para mim como para a minha mulher, o que torna insuportável a vida e nos não deixa sequer disposição para o trabalho.
Que meios para evitar tamanha pressão?”
Cumpre apreciar e emitir parecer:
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Uma conduta como a que descreve mais não é do que uma prática agressiva, prevista, de resto, na Lei das Práticas Comerciais em vigor. E uma situação de patente abuso de direito.
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Prática agressiva é a que prejudica ou é susceptível de prejudicar significativamente, devido a assédio, coacção ou influência indevida, o comportamento do consumidor em relação a uma dada situação.
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Ora, o assédio é “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém.”
E assediar mais não é do que “perseguir com propostas, sugerir com insistência; ser inoportuno ao tentar obter algo; molestar; abordar súbita ou inesperadamente”.
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O assédio entrou para a galeria do Direito do Consumo com a Directiva das Práticas Comerciais Desleais emanada do Parlamento Europeu em 11 de Maio de 2005 e transposta para o direito pátrio em 26 de Março de 2008.
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Da Lei das Práticas Comerciais Desleais não consta a definição de assédio.
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A Lei Contra a Discriminação em Função do Sexo de 12 de Março de 2008 define, porém, assédio como “todas as situaçõesem que ocorra um comportamento indesejado, relacionado com o sexo de uma dada pessoa, com o objectivo ou o efeito de violar a sua dignidade e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo.”
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A Lei das Práticas Comerciais Desleais considera como agressivas, entre outras:
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o contactar o consumidor através de visitas ao seu domicílio, ignorando o pedido daquele para que o profissional parta ou não volte, excepto em circunstâncias e na medida em que tal se justifique para o cumprimento de obrigação contratual;
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o fazer solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, telecópia, correio electrónico ou qualquer outro meio de comunicação à distância, …
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Claro que as excepções terão de se enquadrar em condutas com conta, peso e medida.
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Outros ordenamentos, como o brasileiro, dispõem de regras especiais no que toca aos actos de cobrança:
“Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”
E, no caso, vai mais longe, já que comina com pena de três meses a um ano de prisão e multa quem “utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coacção, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorrectas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.”
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O que quer significar que não poderá o devedor
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ser exposto a ridículo e a um qualquer constrangimento (a saber, quando, p. e., o credor divulgue a divida a outra(s) pessoa(s) além do devedor, como a vizinhos, amigos…);
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ser submetido a ameaças;
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receber informações falsas; e
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haver interferências no trabalho, lazer ou descanso;
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ser submetido a renegociações de dívida de má-fé.
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Eis uma das práticas coercivas hoje mais comuns:
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O credor contrata empresa de cobrança que, na tentativa de coagir o devedor a pagar a dívida, liga para a residência, para o telefone móvel, para o trabalho, para os seus familiares…! Ligações feitas de madrugada, aos fins-de-semana, nos dias festivos…
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Em Portugal, o assédio, por se tratar de ilícito de mera ordenação social, classificado como “grave”, é passível de coima com a seguinte amplitude:
Contra-ordenação grave:
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Tratando-se de pessoa singular, de 650,00 a 1 500,00 €;
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Tratando-se de microempresa [até 10 trabalhadores], de 1 700,00 a 3 000,00 €;
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Tratando-se de pequena empresa [de 10 a 49], de 4 000,00 a 8 000,00 €;
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Tratando-se de média empresa [de 50 a 249], de 8 000,00 a 16 000,00 €;
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Tratando-se de grande empresa [de 250 ou mais], de 12 000,00 a 24 000,00 €.
Para além da responsabilidade, susceptível de ser assacada aos “pretensos credores”, pelos danos morais [não patrimoniais], nos termos da LDC – Lei de Defesa do Consumidor: artigo 12.
Deve, pois, accionar a empresa de cobrança, no caso, perante a entidade reguladora, recorrendo, em simultâneo, a um tribunal de conflitos de consumo ou a um julgado de paz, exigindo reparação pelos danos morais causados, o que se tem como elementar em homenagem à dignidade de todos e cada um.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal
E.T. O assédio poderá configurar um crime, de harmonia com o desenho que dele traça o Código Penal, desde que haja habitualidade ou reiteração, que não meros actos isolados, no seu artigo
“Artigo 154.º-A
Perseguição
1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - A tentativa é punível.
3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
5 - O procedimento criminal depende de queixa.”
E.T.
CÓDIGO PENAL
“Artigo 154.º-A
Perseguição
1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - A tentativa é punível.
3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
5 - O procedimento criminal depende de queixa.”