Por Marcelo Kiyoshi Harada, sócio da Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP
Convém, desde logo, conceituar o que seja rastreamento frequentemente confundido com monitoramento. Enquanto o monitoramento caracteriza-se por ser um processo de acompanhamento passo a passo de determinada pessoa, bem ou mercadoria envolvendo atividade de vigilância, o rastreamento consiste na busca de sinais para encontrar determinado bem ou pessoa. Para encontrar objetos roubados ou furtados, por exemplo, utilizam-se da radiofrequência. Quando rastreado um determinado míssil que está sendo lançado, seguido de acompanhamento da trajetória desse míssil em tempo real on line estará havendo serviço de monitoramento. Monitoramento exige prévio rastreamento, mas este pode existir sem que exista o monitoramento.
Com o avanço da tecnologia empresas dos seguimentos da aviação, da locação de automóveis, do ramo de cargas, bem como do setor de e-commerce, que teve um crescimento espantoso nos últimos anos, estão optando por rastrear suas frotas e suas mercadorias, de forma a buscar um melhor resultado econômico, baseado na análise das rotas e segurança dos bens móveis, no caso de aeronaves, embarcações e veículos, e o tempo de entrega das mercadorias, além de disponibilizar aos clientes, no caso das empresas de e-commerce, o acompanhamento em tempo real da entrega da mercadoria adquirida.
Neste quadrante, o crescimento das empresas de rastreamento também aumentou para acompanhar essa demanda. Contudo, pode-se dizer que com os avanços tecnológicos as inovações tributárias passaram a superar esse dinamismo, gerando a cobrança de impostos que, muitas vezes, deixam de observar os critérios primordiais previstos na Constituição Federal e na própria legislação competente.
É o caso da tributação do serviço de rastreamento, situação guerreada pelos fiscos estadual e municipal. O fisco estadual a exigir o ICMS pelo serviço de comunicação, e o fisco municipal a exigir o ISSQN pelo serviço de monitoramento.
Na Constituição Federal de 1988, o inovador ICMS, versão mais moderna do antigo ICM (imposto sobre circulação de mercadorias), ampliou o seu campo de incidência sobre determinados serviços, especificamente, os de transporte interestadual e intermunicipal, bem como os serviços de comunicação (artigo 155, inciso II).
Diante da autorização constitucional, o legislador complementar inseriu no inciso III, do artigo 2º da Lei Complementar nº 87/97 a incidência do ICMS sobre a prestação de serviços de comunicação.
Assim, no contexto dos serviços de comunicação tributáveis pelo ICMS, está o serviço de telecomunicação, que tem a sua definição no artigo 60, da Lei nº 9.472/97:
“Art. 60. Serviço de telecomunicação é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
1º Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.”
Contudo, importante ressaltar que o ICMS não incide sobre a comunicação em si, em outras palavras, não é pelo fato de alguém transmitir mensagens para um destinatário que ocorrerá a incidência do referido imposto. Para que haja a efetiva incidência do ICMS é preciso que ocorra uma prestação de serviço de comunicação.
A prestação de serviços de comunicação sempre está atrelada a uma obrigação de fazer, que no caso vincula o contratado à prestação de um serviço em benefício do contratante ou de terceira pessoa.
Nesse diapasão, apenas a comunicação prestada por terceiro estará sujeita à incidência do ICMS, ou seja, a que transmita a mensagem do emissor até o destinatário. Esse terceiro, chamado provedor, deverá ser o responsável em prover os meios necessários para a transmissão da mensagem, mediante um contrato oneroso de prestação de serviços de comunicação.
Resumindo, o ICMS não incide sobre a comunicação em si, mas sim sobre a prestação onerosa de um serviço de comunicação.
Diante dessa afirmativa parece-nos que a atividade de rastreamento não se enquadra no conceito de serviço de comunicação e, portanto, não se sujeita à incidência do ICMS.
Isso porque, aquele que realiza a atividade de rastreamento não está possibilitando a transmissão de mensagens entre as partes, mas apenas se valendo de um sistema de comunicação via satélite, já existente, para prestar o serviço pelo qual foi contratado.
Com efeito, para a realização do serviço de rastreamento o prestador deve se valer de um serviço de comunicação via satélite, já oferecido por um terceiro, para realizar o rastreamento de um veículo, uma aeronave, uma embarcação ou uma mercadoria.
Logo, quem realiza o serviço de comunicação é aquele que dispõe do sistema que emite e capta os sinais de localização para informar o prestador do serviço onde se encontra o objeto do rastreamento.
Trata-se de um serviço de valor adicionado que se utiliza do serviço de comunicação, mas que com ele não se confunde, conforme previsão no artigo 61 da Lei nº 9.472/97, que assim prescreve:
“Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
1º. Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
2º É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para a prestação de serviços de valor adicionado cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e a prestadoras de serviço de telecomunicações.”
Na verdade, os prestadores de serviço de rastreamento nada mais são do que usuários de um sistema de comunicação via satélite, que dele se valem para oferecer o serviço de rastreamento, ou seja, utilizam esse serviço para a realização de outra atividade.
No tocante à exigência do ISSQN melhor sorte também não assiste o fisco municipal, que busca equiparar o serviço de rastreamento ao serviço de monitoramento previsto no item 11.02 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03.
Não há que se falar em equiparação ao serviço de monitoramento. O rastreamento é algo totalmente distinto do monitoramento. O conceito de rastreamento não pressupõe um serviço de vigilância, de observação, mas simplesmente um serviço baseado no propósito de registrar e analisar os acontecimentos ao longo dos deslocamentos realizados por algum veículo ou mercadoria. Já o monitoramento pressupõe um serviço de vigilância/segurança para um veículo ou mercadoria. Exemplo típico de serviço de monitoramento são as empresas de segurança domiciliar, que não estão rastreando absolutamente nada, apenas monitorando as câmeras de segurança instaladas na residência.
Por fim, atualmente, cumpre-nos esclarecer que as empresas que prestam serviços apenas de rastreamento não estão sujeitas ao recolhimento do ICMS, por inexistir prestação de serviço de comunicação e tampouco ao recolhimento ISSQN, por se tratar de um serviço ainda não previsto no rol taxativo da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03.
Tanto é que já foi aprovado na Câmara Legislativa, o Projeto de Lei nº 191/2015, oriundo do Senado Federal, de autoria do senador Romero Jucá, que inclui o serviço de rastreamento na lista de serviços tributados pelo ISSQN, o que vem a corroborar com a nossa tese, uma vez que para legalizar a tributação do serviço de rastreamento, este precisa estar previsto em lei.
SP, 9-12-19.