Everardo Maciel*
A legislação do imposto de renda (IR), no Brasil, tem, sem lugar a dúvidas, imperfeições, da mesma forma que a legislação de todos os países. A despeito disso, é reconhecidamente uma das mais simples e eficiente do mundo, inclusive em termos arrecadatórios como bem demonstra, hoje, o excepcional desempenho das receitas federais.
Contra esse exitoso modelo, foi proposta uma reforma do IR, que não foi demandada por nenhum contribuinte e atropelou o processo legislativo na Câmara, sendo votada sem debates públicos e sem a apresentação de estimativas confiáveis quanto às suas repercussões sobre contribuintes e entes federativos.
Vou concentrar-me nos seguintes pontos do projeto: elevação do limite de isenção da pessoa física, tributação dos dividendos e extinção dos juros do capital próprio.
Reajustar o limite mensal de isenção do IR das pessoas físicas de R$ 1.903,98 para R$ 2.500,00 é uma boa iniciativa, mas é preciso sublinhar que, ao menos entre os contribuintes que se encontram entre essas duas faixas de renda, o ganho máximo será de R$ 7,20 mensais, insuficiente, portanto, para comprar um quilo de pão.
Por mais de 70 anos, o Brasil tributou lucros e dividendos. A ineficácia dessa sistemática é que inspirou a não incidência do IR, a partir de 1996, na distribuição de dividendos, no contexto de uma ampla reforma na tributação da renda, bem recebida pelos contribuintes e que propiciou, entre 1996 e 2020, um crescimento real de 117% na arrecadação do IR corporativo, cuja participação no PIB aumentou em 50%.
Investimentos em empresas almejam, obviamente, retorno do capital investido, que se efetiva pela distribuição de dividendos. Esse retorno é impactado pela tributação dos lucros e dos dividendos, isolada ou conjuntamente.
Quando há a tributação de lucros e dividendos há sempre algum tipo de integração, porque as duas incidências se interconectam. Ao estabelecer a tributação exclusiva nos lucros, o Brasil, assim com mais de 20 países, optou pela integração completa. O projeto perfilha a desintegração total, comprovadamente malsucedida.
Em favor da incidência exclusiva nos lucros militam as seguintes razões: maior simplicidade, prevenção da sonegação associada à distribuição disfarçada de lucros, mitigação do planejamento tributário abusivo, menor vulnerabilidade arrecadatória em decorrência de virtuais restrições à distribuição de dividendos e maior liberdade nas opções de investimento.
A instituição dos juros do capital próprio representou uma alternativa, mais elaborada, à prevenção da tributação sobre lucros ilusórios, como pretendia a dedutibilidade da correção monetária do patrimônio líquido, que, além de premiar as grandes empresas, preservava a correção monetária em desfavor do Plano Real. Afora isso, aquele instituto promovia um relativo equilíbrio entre a capitalização mediante empréstimos ou investimentos diretos.
Com os juros do capital próprio, o Brasil conquistou uma liderança, em termos de inovação de política tributária. Estranhamente, se pretende sua extinção justamente quando a União Europeia, em maio passado, aconselhou sua adoção nos países que a integram.
Enfim, essa contrarreforma tributária promoveria a maior desorganização empresarial dos tempos recentes, com descapitalização e aumento do endividamento das empresas, em contexto de desemprego, risco fiscal, baixo crescimento do PIB e inflação.
SP, 2-10-2021.
* Consultor tributário e Ex Secretário da Receita Federal do Brasil.