Fonte: Jornal o GLOBO - 24/4/2021
Segundo o artigo 150, inciso VI, letra “d” da Constituição de 1988, os livros são imunes à incidência de impostos. Ao lado dessa cláusula pétrea, que visa assegurar a liberdade de expressão, democratizar a cultura e possibilitar o amplo acesso à informação, a Lei nº 10.865/04 (art. 28, VI) prevê alíquota zero na contribuição para o PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre a receita bruta da venda de livros.
Portanto, hoje, os livros são imunes quanto â incidência de impostos e isentos quanto à incidência das contribuições PIS/Cofins.
Não obstante, a Secretaria da Receita Federal, ao publicar o documento ”Perguntas e Respostas da CBS” (versão 2-2021.04) justifica a incidência nos livros da nova Contribuição sobre Bens e Serviços — tributo constante de proposta de “reforma tributária” — argumentando que, diante da escassez de recursos financeiros, a futura revogação da isenção se justificaria por não existirem estudos comprovando à redução nos preços dos livros após a desoneração fiscal. e porque a pesquisa “Orçamentos Familiares” de 2019 teria constatado que “famílias com renda de até 2 salários mínimos não consomem livros não didáticos, e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos”.
Ora, ao afirmar que não há avaliações sobre o barateamento dos livros após a desoneração, devemos contraindagar ao órgão fazendário: foi feita uma pesquisa específica, comparando o preço dos livros antes e depois da isenção das contribuições sociais para concluir que se manteve igual, e as editoras e livrarias “embolsaram" isenção?
Quanto ao insensato argumento de que famílias de baixa renda não consomem livros, a justificar a revogação da isenção, podemos então concluir, por um silogismo lógico, que lamentavelmente a política pública educacional que virá com o novo tributo CBS será manter essa parte da população brasileira ainda mais distante dos livros.
Ponderaria que, sendo assim, o respectivo projeto de lei de reforma tributária que fará a CBS incidir sobre livros deveria ser coerente e apresentar também proposta de revogação da Lei nº 10.753/2003, que instituiu a “Poli Nacional do Livro” tendo como diretriz inicial assegurar ao cidadão o pleno exercício do direito do acesso e uso do livro reconhecendo ser este o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, além de estabelecer a responsabilidade do Poder Executivo por criar e executar projetos de acesso ao livro e incentivo à leitura.
Não esquecer que a Constituição define ser a educação um direito de todos e dever do Estado e da família. E o papel do livro na educação e na cultura não se limita a transmitir informações ao leitor, mas é, sobretudo, estimular a sua imaginação, desenvolver o raciocino, difundir a cultura e perpetuar a civilização.
Tributar esse relevante e sagrado instrumento de desenvolvimento social é, na realidade, prestar um tributo à ignorância.
*Marcus Abraham é Professor Titular de Direito Financeiro na Uerj, Desembargador Federal no TRF-2 e Membro Correspondente da APLJ