Por: Kiyoshi Harada

Palavras chaves: Estado de defesa. Estado de Sítio. Intervenção Federal. Garantia de lei e da ordem.

A Constituição prevê quatro hipóteses de intervenção das Forças Armadas no âmbito interno do País, quais sejam: a) estado de defesa; b) estado de sítio; c) intervenção federal; e d) garantia da lei e da ordem.
Examinemos essas hipóteses em apertada síntese. Normalmente, a força singular representada pelo Exército tem sido escolhida pelo Presidente da República para o cumprimento da missão interventiva.

a) Estado de defesa

É previsto no art. 136 da CF, sendo ele decretado pelo Presidente da República, após oitiva do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional, para preservar ou restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional, ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
O decreto de intervenção deverá prescrever o prazo de sua duração, bem como, especificar as áreas atingidas indicando, nos termos da lei, as medidas coercitivas a serem aplicadas,como, por exemplo, restrições ao direito de reuniões, sigilos de correspondência e de comunicações telegráficas e telefônicas.
O Congresso Nacional deverá apreciar o decreto de intervenção no prazo de dez dias, cessando imediatamente o estado de defesa na hipótese de sua rejeição.
Essa medida foi decretada em 1983 pelo então Presidente Figueiredo, que nomeou como executor da intervenção o General Newton Cruz que ficou muito conhecido por ter comandado a invasão da sede da OAB/DF, onde se realizava uma reunião regular presidida por Maurício Corrêa que, mais tarde, viria ser Senador da República e, posteriormente, Ministro do STF. Tudo graças à medida interventiva decretada sob a denominação de estado de emergência, prevista na ordem constitucional antecedente.

b) Estado de sítio

O estado de sítio está previsto no art. 137 da CF. É decretado pelo Presidente da República, ouvido os dois Conselhos antes referidos, nos casos de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia da medida tomada durante o estado de defesa. Abrange, também, a hipótese de declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada.
O lockdown decretado pelos governadores e prefeitos do Brasil, para conter a propagação do vírus da covid 19, nada tem a ver com o estado de sítio como afirmou equivocadamente o Presidente da República. Não se confundem as medidas decretadas por razões médicas e sanitárias, para conter a propagação de doenças infecto-contagiosas com a hipótese de comoção grave de repercussão nacional, muito menos, com o estado de guerra ou de resposta a agressão armada.
O decreto interventivo, neste caso, deve ser precedido de autorização do Congresso Nacional por abranger todo o território nacional.
Essa intervenção ocorreu na presidência de Arthur Bernardes (1922 a 1926).

b) Intervenção federal

Essa intervenção está prevista no art. 34 da CF. Ela é feita, dentre outras hipóteses, para manter a integridade do território nacional; repelir a invasão estrangeira; por termo à grave comprometimento da ordem pública; reorganizar as finanças das unidades federadas; prover a execução de lei federal, ou de decisão judicial; e assegurar a observância dos princípios federativos.
A intervenção federal nem sempre envolve o emprego das Forças Armadas como, por exemplo, na hipótese de reorganização das finanças dos Estados, caso em que o interventor será alguém versado em gestão administrativo-financeira.
A partir do advento da representação de inconstitucionalidade, hoje, ADI, o seu emprego para assegurar os princípios federativos restou esvaziado.
A intervenção federal para prover ordem ou decisão judicial que, no passado, tomou conta das pautas do STF motivado pelo não pagamento dos precatórios judiciais, restou afastada mediante invocação da tese da impossibilidade material. Não se investigou a causa dessa impossibilidade material, sendo certo que os orçamentos anuais eram dotados de verbas suficientes consignadas ao Poder Judiciário, cujos recursos eram sistematicamente desviados para outros fins.
Daí porque, atualmente, os entes federativos devedores são obrigados a depositar mensalmente os valores devidos a título de precatórios nas contas bancárias em nome do tribunal que administra esses recursos. O problema continua. São promulgadas sucessivas emendas para prorrogar o regime especial de pagamento de precatórios inicialmente previsto no art. 33 do ADCT.
O art. 35 da CF prevê, ainda, a intervenção estadual nos Municípios para observância dos princípios indicados na CE, ou para prover a execução de lei, de ordem ou decisão judicial.

c) Garantia da lei e da ordem

Esse tipo de intervenção está previsto na parte final do art. 142 da CF que assim prescreve:

“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§  Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.”

Como se depreende do § 1º, a matéria é regulada por lei complementar.
A Lei Complementar nº 97/1999, que dispõe sobre organização, preparo e emprego das Forças Armadas, circunscreve a intervenção das Forças Armadas à área de segurança pública, assim mesmo somente depois de verificado o esgotamento dos órgãos de segurança referidos no art. 144 da CF (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis e polícias militares e corpos de bombeiros militares).
A Constituição não permite, pois, a intervenção das Forças Armadas para mediar o confronto entre os Poderes, como pretendem alguns estudiosos da matéria. Esses confrontos devem ser dirimidos por instâncias próprias. Não cabe às Forças Armadas interpretar textos constitucionais para verificar qual Poder invadiu a esfera de competência de outro Poder, pois essa questão constitui matéria reservada ao STF, intérprete máximo da Constituição.
Esse tipo de intervenção ocorreu em passado não muito remoto, precisamente, no governo Temer, quando foi decretada a intervenção na área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, para restabelecer as forças de segurança do Estado.
Por fim, as Forças Armadas, vêm, ainda, exercendo atividades subsidiárias para colaborar na esfera civil, nas áreas de saúde, por meio do Exército, para combater a dengue, por exemplo, e agora, colaborando no combate ao desmatamento da Amazônia, bem como no reforço dos serviços de vigilância das fronteiras.
A Aeronáutica vem atuando na orientação e coordenação nas atividades de aviação civil. Tem, também, colaborado com o programa nacional de vacinação, promovendo transporte de materiais médico-hospitalares de urgência.
A Marinha, por sua vez, vem orientando e controlando a Marinha Mercante e as atividades correlatas no que interessa à defesa nacional.

SP, 22-3-2021.