“Com 82 anos, a insistência da empresa, dirigi-me ao balcão de Guimarães, a 24 de Outubro p.º, para um teste de audição gratuito.

 

Manobras alegadamente de teste no momento em que preenchia um documento (ocultando o cabeçalho):exigência de cartão do cidadão e bancário (!) que supus necessários para o “relatório”…

 

Pediu-me que o assinasse. Recusei sem o consentimento do meu filho.

 

Ao sair, deu-me o aparelho. Disse-lhe: não quero nem posso comprar. Que o levasse e ali tornasse a 29.

 

Assim fiz. Voltei e, como tardasse, devolvi-o ao balcão, identificando-me. Da entrega, nenhum papel.

 

Pelo correio, voltou o aparelho.Não o levantei.

Aparece-me agora uma factura de 4 900 €.

Que fazer?

 

Apreciados os factos, cumpre oferecer resposta:

 

 

  1. Caso típico de exploração de idosos a que se dedicam “certas empresas” (que de empresas nada têm…).

 

  1. É de um contrato fora de estabelecimento que se trata: com a presença física simultânea do fornecedor… e do consumidor em local que não o do estabelecimento comercial …, em que se incluem os que ocorrem:

 

  1. Nopróprio estabelecimento comercial imediatamente após contacto, pessoal e expresso, com o consumidor em local que não seja odo estabelecimento;

 

  1. no domicílio do consumidor;

 

  1. no local de trabalho do consumidor;

 

  1. em reuniões em que a oferta de bens … se promova por demonstração perante um grupo… no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor…;

 

  1. numa deslocação organizada pelo fornecedor … fora do respectivo estabelecimento comercial;

 

  1. no local indicado pelo fornecedor, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita pelo fornecedor…

 

  1. “Antes de o consumidor se vincular a um contrato celebrado… fora do estabelecimento comercial, o fornecedor… deve facultar-lhe, em tempo útil e de forma clara e compreensível”, um rol de informações que constituem, afinal, o clausulado do contrato (de aaz) (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 4.º).

 

  1. O contrato é reduzido a escrito e deve, sob pena de nulidade, conter, de forma clara e compreensível e em língua portuguesa, informações (o clausulado) na íntegra (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º).

 

  1. “O fornecedor de bens… deve entregar ao consumidor uma cópia do contrato assinado ou a confirmação do contrato em papel…(DL 24/2014: n.º 2 do art.º 9.º).

 

  1. Logo, nem sequer há contrato;nem vale para haver um indício de contrato o confiar-se ao visado o aparelho com a obrigação de devolução.

 

  1. A inobservância do rol de informações pré-contratuais e do requisito de forma do contrato constituem contra-ordenação económica grave (DL 24/2014: n.º 2 do art.º 31).

 

  1. As coimas aplicáveis variam segundo a dimensão da empresa:

 

  • Microempresa - 1 700 a 3 000 €;
  • Pequena empresa - 4 000 a 8 000 €;
  • média empresa - 8 000 a 16 000 €;
  • Grande empresa, - 12 000 a 24 000 €(DL 9/2021: al. b) do art.º 18).

 

  1. A sujeição da factura a pagamento no montante de 4 900 € constitui ainda uma contra-ordenação económica grave por prática comercial enganosa:

 

“São consideradas enganosas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:

 

“Incluir … factura ou documento equiparado solicitando o pagamento, dando ao consumidor a impressão de já ter encomendado o bem ou serviço comercializado, quando tal não aconteceu (DL 57/2008: al. y) do art.º 8.º)

 

  1. A moldura das contra-ordenações económicas graves é a que consta de 8 supra (DL 57/2008: n.º 1 do art.º 21; DL 9/2021: al. b) do art.º 18)

 

EM CONCLUSÃO:

 

  1. Contrato celebrado em estabelecimento após contacto à distância para um teste à audição é como se fora contrato fora de estabelecimento (cfr. i) do n.º 2).
  2. A inobservância das regras de informação e de forma legal constituem contra-ordenação grave passível de coima (cfr. n.ºs 7 e 8)
  3. A remessa da factura, sem titular qualquer compra e venda, constitui também ilícito contra-ordenacional grave por prática enganosa (cfr. nºs 9 e 10).
  4. O leque de coimas é o constante do n.º 8 supra.

 

 

Este é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

 

presidente emérito daapDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal