Se nos deparar, em um dado estabelecimento, um cartaz com os dizeres:
“Pagamentos só com Cartão”,
haverá aí eventual afronta à lei?
O facto é que tal colide frontalmente com a regra segundo a qual se não pode recusar, em quaisquer transacções, moeda com curso legal ou forçada.
Há excepções, mormente por razões que se prendem, entre outros, com o branqueamento de capitais…
Em termos de oferta, é de condições gerais que se trata, regidas pela Leide 1985.
Aí se conceitua:
“…todas as [condições gerais dos contratos], independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros”
se subordinam à disciplina jurídica ínsita no seu articulado.
O que significa que quando as condições gerais dos contratos se anunciam, p. e., na praia, por meio de um megafone ou. num mercado, por meio de um pregãoou, nas cidades, por meio de altifalantes instalados em veículos em circulação ou estacionados, ou, nos restaurantes, por inscrições em ardósias ou em quadros plasticizados com o recurso a marcadores, hão-de integrar os contratos singulares que se venham a celebrar: e ou se aceitam e o acesso aos bens se garante ou não se aceitam e de tais bens se é privado.
A inscrição “Pagamentos só com Cartão” constitui uma condição geral absolutamente proibida, de acordo com as prescrições da Lei acantonadas no seu artigo 21 (que violentam, na contratação, disposições legais de carácter imperativo).
O curso legal ou forçado das notas e moedas em euros implica, segundo o Regulamento de 1998 (e directrizes clarificadoras de 22 de Março de 2010 da Comissão Europeia), aceitação obrigatória: “o credor de uma obrigação de pagamento não pode recusar notas e moedas em euros a menos que as partes tenham acordado entre si outros meios de pagamento.”
Perante uma situação como a descrita, o Ministério Público e a Direcção-Geral do Consumidor podem instaurar legitimamente uma acção colectiva - a acção inibitória – que visa “proibir” tais condições gerais,“por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.”
Mas, a partir de 28 de Maio de 2022, a violação das normas que proíbem em absoluto determinadas condições gerais constitui também ilícito de mera ordenação social por imposição de Bruxelas. A que se associam coimas que assumem considerável expressão, uma vez que a lei comina tais infracções, na graduação dos ilícitos,como muito graves.
E a grelha das coimas é expressiva:
- Pessoa singular - - 2 000 a 7 500 €
- Microempresa (menos de 10 trabalhadores) - 3 000 a 11 500 €;
- Pequena empresa (de 10 a 49 trabalhadores) - 8 000 a 30 000 €;
- Média empresa (de 50 a 249 trabalhadores) - 16 000 a 60 000 €;
- Grande empresa (250 ou mais trabalhadores) - 24 000,00 a 90 000 €.
Se as contra-ordenações corresponderem a infracções generalizadas “in loco” ou ao nível da União Europeia, o limite máximo, no âmbito de acções coordenadas, corresponde a 4 % do volume de negócios anual do infractor nos Estados-membros em que decorram, sem prejuízo do que segue: na ausência de informação disponível sobre o volume de negócios, o limite máximo é de 2 000 000 € (dois milhões de euros).
Incumbe ao Regulador, no caso, ao Banco de Portugal(que não à ASAE, como erroneamente tende a considerar-se) a fiscalização, instrução e aplicação das coimas, de harmonia com o que reza o n.º 1 do artigo 34 – C da Lei das Condições Gerais dos Contratos.
As acções inibitórias, como o denunciava, há anos, o Procurador da República, Dr. João Alves, que connosco colaborava amiúde em acções de formação e divulgação destes temas, pelas delongas do procedimento judicial, estendem-se por 7 ou 8 anos, em média, da instauração ao trânsito em julgado.
E, nesse ínterim, os formulários de adesão continuam a enxamear os contratos singulares de cláusulas abusivas: “enquanto o pai vai-e-vem folgam as costas”!
Aguarda-se que os autos de contra-ordenação sejam mais breves, mesmo admitindo que das decisões se suscite, em via de recuso, a sua impugnação perante os juízos cíveis.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal