De um consumidor de Lisboa a reclamação que segue:
“Lisboa começa a ‘povoar-se’ de coisas destas: a recusa de notas e de moedas metálicas com curso legal; aceitação exclusiva do cartão no ”Dallas Burger”.
As pessoas sem acesso a um cartão de pagamento ficam inibidas de comprar, adensa-se a discriminação, agrava-se a exclusão, sobretudo dos mais vulneráveis de entre nós.
Há, decerto, leis a vedar o recurso exclusivo ao dinheiro digital.
Como proceder perante tal?”
Ante o quadro que ora se nos oferece, o parecer:
- Para além do Regulamento do Euro, a Comissão Europeia por Recomendação 191/2010/UE, de 22 de Março de 2010, dispõe:
“1. Quando existe uma obrigação de pagamento, o curso legal das notas e moedas em euros deve implicar:
a) Aceitação obrigatória: O credor de uma obrigação de pagamento não pode recusar notas e moedas em euros a menos que as Partes tenham acordado entre si outros meios de pagamento.
…
c) Poder para cumprir obrigações de pagamento: Um devedor pode cumprir uma obrigação de pagamento mediante a entrega ao credor de notas e moedas em euros.
2. Aceitação de pagamentos em notas e moedas em euros nas transacções no comércio retalhista
A aceitação de notas e moedas em euros como meio de pagamento deve ser a regra nas transacções no comércio retalhista. …”
- Portugal deveria ter estabelecido, em diploma à parte, ao tempo, um quadro sancionatório para quem infringisse regras tão elementares como as da recusa de aceitação do dinheiro com curso legal. Não o fez, porém.
- No entanto, não pode dizer-se que uma tal conduta esteja destituída de sanção: efectuada a denúncia ao Banco de Portugal, incumbir-lhe-á, ao que se nos afigura, notificar formalmente o agente económico a que afeiçoe o seu comportamento às prescrições legais, sob pena de desobediência.
- Se o agente persistir na infracção, não acatando os ditames do BdP, instaurar-se-ão os autos por crime de desobediência cuja moldura é a que segue:
“Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias…” (Código Penal: n.º 1 do art.º 348).
- O facto viola o direito fundamental à protecção dos interesses económicos do consumidor e a liberdade de escolha e constitui um censurável índice de discriminação e segregação que Constituição e leis proscrevem (CRP: art.º 13 e n.º 1 do art.º 60; Lei 24/96: art.º 9.º)
- Aliás, em consonância com as propostas submetidas em 28 de Junho de 2023 pela Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho.
- E constitui ainda, no plano dos contratos de consumo, na modalidade dos de adesão, de uma condição geral absolutamente proibida e, por conseguinte, em concreto, nula, passível de contra-ordenação económica muito grave (DL 446/85: art.º 21, n.º 1 do artigo 34-A; Cód. Civil: art.º 294; Dl 9/2021: al. c) do art.º 18).
- Denúncia no canal DENÁRIA PORTUGAL, participaçãoao Banco de Portugal, à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ADSAE), à Direcção-Geral do Consumidor (DGC)e conhecimento à Provedora de Justiça, por se tratar de Serviço Público Essencial (anda que fora de catálogo)
EM CONCLUSÃO:
- A recusa de aceitação de dinheiro com curso legal constitui violação de normas imperativas com consequências a vários níveis.
- Violação do Regulamento Euro e seus complementos (Rec. 191/2010/EU)
- Violação da Lei das Condições Gerais dos Contratos (DL 446/85: art.º 21, n.º 1 do art.º 34-A)
- Violação do Código Civil (art.º 294)
- Se notificada pelo Banco de Portugal para adequação da conduta à norma e incumpridos os termos da notificação, sobrevém crime de desobediência (Código Penal: art.º 348)
- Denúncia à Denária Portugal, participação ao Banco de Portugal e à ASAE e à DGC c/c à Provedora de Justiça.
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal