A (…) OMISSÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

 

Os marcos de uma cronologia adiada:

2021

. 27 de Maio – a Lei 32/2021 institui um sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas…

. 26 de Julho – data-limite para a instalação da Comissão das Cláusulas Abusivas: em vão…

. 25 de Agosto – data da entrada em vigor das normas vertidas na Lei de 27 de Maio, comprometida pela inexistência fáctica da Comissão, que “não passou do papel”…

2022

. Vazio total ao longo de todo o ano…

2023

. Vazio quase total: a 5 dias do fim do ano, sai, então, o diploma legal…

. 26 de Dezembro – Decreto-Lei 123/2023: é “criada”, enfim, “a Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais, entidade administrativa independente, de natureza consultiva”, adscrita aos Ministros da Justiça e do Consumo, que é o da Economia.

2024

. 26 de Março – data renovada da instalação: de todo frustrada…

. 26 de Julho- escoaram-se três anos sobre a data em que as leis mandavam ter a Comissão instalada e a funcionar…

. 25 de Agosto – 3 anos de vigência da Lei que criou o sistema sem vislumbre de Comissão…

. 02 de Setembro – Comissão… “tudo como dantes… quartel-general em Abrantes”!

Em Janeiro de 2023 perguntávamo-nos:

COMISSÃO OU OMISSÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS?

 

I

Por intolerável OMISSÃO

E muita ‘cera’ nos ouvidos

Do Governo da Nação

Os ‘prazos’… mais que vencidos!

II

Que os contratos de ADESÃO

De letras miúdas tecidos

São fonte de inquietação

Pelos ardis neles escondidos

III

É que as letras miudinhas

Causam funda turvação

São como que ervas-daninhas

A reclamar supressão!

 

A 26 de Dezembro de 2023, mais de dois anos e meio depois da data-limite, a Comissão das Cláusulas Abusivas foi, enfim, desenhada…

Faltaria concretizá-la e pô-la a funcionar.

Estranho é que dela se excluam os contratos celebrados por empresas reguladas, tanto mais que os reguladores primam pela omissão.”

Operou-se a mudança de Governo: e a política de consumidores chegará decerto em manhã de nevoeiro, qual ignoto D. Sebastião dos trágicos areais de Alcácer…”

Nas soluções de continuidade que premeiam as sucessões governativas, a Comissão virá a ter existência real?

Da Direcção-Geral do Consumidor, recentemente decapitada, afiançam-nos que sim.

À Lei das Condições Gerais dos Contratos (como a denominamos contra ventos e marés…), com o diploma legal que a lume veio a 26 de Dezembro de 23, aditaram-se-lhe determinados dispositivos, de que cumpre destacar o das atribuições da Comissão:

  • Solicitar para efeitos de análise,através da Direcção-Geral do Consumidor, aos que celebram com os aderentes,os contratos singulares em que tais cláusulas se integrem ou os modelos elaborados com condições gerais para celebração ulterior;
  • Emitir recomendações visando a supressão ou a alteração das condições gerais ou das cláusulas nos contratos singulares apostas.
  • Comunicar ao Ministério Público e, adicionalmente, caso aplicável, ao demandante da acção inibitória qualquer situação de incumprimento da obrigação de abstenção pelo proponente, parte vencida em acção passada em julgado, de utilizar ou de recomendar condições gerais objecto de proibição por decisão definitiva;
  • Emitir parecer sobre o eventual carácter proibido de condições gerais ou de cláusulas contratuais, a instâncias dos tribunais judiciais (ou dos tribunais arbitrais);
  • Apreciar as iniciativas legislativas relativas à proibição ou regulamentação de condições gerais dos contratosque lhes sejam submetidas;
  • Gerir, organizar, actualizar de forma periódica e proceder à manutenção do Portal das Cláusulas Contratuais Gerais, garantindo, designadamente, que do mesmo constem os documentos legalmente exigidos.

Claro que a Comissão padece de uma enorme quebra: não abarca o universo dos contratos de adesão em circulação nos diferentes segmentos do mercado de consumo, do mercado financeiro, do dos serviços públicos essenciais…

O que coarcta o seu campo de acção. Quando, em bom rigor, a Comissão deveria, em termos de uniformidade, englobar todos esses segmentos…

Perspectivas… erróneas, quanto a nós, terá cavalgado o legislador!

Porque, com efeito, de banda dos Reguladores nem sequer nos apercebemos de uma actuação tanto preventiva quanto repressiva a esse propósito!

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal