“Numa confeitaria, em Coimbra:

Acercaram-se do balcão duas pessoas, uma na casa dos 40, outra seguramente com mais de 80 anos…esta com sinais de franca debilidade.

A atendente, em vez de se ocupar de imediato da pessoa idosa, perguntou com estranha naturalidade: quem está primeiro? Ao que a jovem “se acusou”. E, em afronta à lei, às leis da natureza e aos manuais de urbanidade, deu prioridade à jovem senhora que nem sequer teve um gesto de cortesia para com a senhora de provecta idade.

Em serviços públicos exigem a idosos com nítidos sinais de debilidade o certificado Multiusos, que não possuem, assim se denegando, por ínvias formas, direitos.

Mas que direitos têm, afinal, os vulneráveis nestes casos?”

Apreciada a factualidade, cumpre esclarecer, não sem antes perguntar: “velhos são os trapos ou os velhos são mesmo trapos que se lançam, sem cerimónia, no caixote do lixo”?

 

  1. “Todas as pessoas, públicas e privadas, singulares e colectivas, no âmbito do atendimento presencial ao público, devem atender com prioridade sobre as demais pessoas:

 

    1. Pessoas com deficiência ou incapacidade;

 

    1. Pessoas idosas;

 

    1. Grávidas; e

 

    1. Pessoas acompanhadas de crianças de colo.

2. Entende-se por:

2.1. «Pessoa com deficiência ou incapacidade», aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas e que possua um grau de incapacidade igual ou superior a 60 % reconhecido em Atestado Multiúsos;

2.2. «Pessoa idosa», a que tenha idade igual ou superior a 65 anos e apresente evidente alteração ou limitação das funções físicas ou mentais;

2.3. «Pessoa acompanhada de criança de colo», aquela que se faça acompanhar de criança até aos dois anos de idade.

3. Desde que seja patente a situação das pessoas com deficiência é dispensável o Atestado Multiúsos; noutras situações, não (DL 58/2016: art.º 3.º).

4. Tratando-se de pessoas idosas não é exigível Atestado Multiúsos desde que “apresentem evidente alteração ou limitação das funções físicas ou mentais” (e evidente é o que salta à vista sem diagnósticos outros…)

5. Em caso de conflito de direitos de atendimento preferencial ou prioritário, o atendimento far-se-á por ordem de chegada de cada um dos titulares do direito (DL 58/2016: art.º 4.º).

6. A pessoa a quem for recusado atendimento prioritário pode requerer a presença de autoridade policial a fim de remover a recusa (DL 58/2016: n.º 3 do art.º 3.º).

7. A autoridade policial tomará nota da ocorrência e fará chegar à entidade competente a queixa devida (DL 58/2016: idem).

8. A reclamação é deduzida perante o Instituto Nacional para a Reabilitação ou a inspecção-geral, a entidade reguladora ou outra de que dependa o serviço (DL 58/2016: art.º 6.º).

9. A sanção prevista para o efeito é a que decorre de uma contra-ordenação económica leve, cuja moldura é:

  • Pessoa singular - de 150 a 500 €
  • Microempresa - de 250 a 1 500 €
  • Pequena empresa - de 600 a 4 000 €
  • Média empresa - de 1 250 a 8 000 €
  • Grande empresa - de 1 500 a 12 000 €. (DL 58/2016: artigo 8.º; DL 9/2021: al. a) do art.º 18).

 

EM CONCLUSÃO:

  1. Em quaisquer lugares públicos ou privados confere-se prioridade no atendimento aos idosos, entre outros: pessoas com 65 ou mais anos de idade e evidente alteração ou limitação das suas funções físicas ou mentais (DL 568/2016;alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º).

 

  1. Desde que a situação caiba no que se estabelece na alínea anterior não há necessidade da apresentação do atestado multiusos.

 

  1. A violação deste preceito conduz a contra-ordenação económica leve passível de coima, conforme 9 supra (DL 58/2016: artigo 8.º)

 

  1. A pessoa preterida nos seus direitos pode requerer a presença de autoridade policial a fim de remover uma tal preterição (DL 58/2016: n.º 3 do art.º 3.º).

 

  1. Autoridade competente para autuação, apreciação e inflição das sanções é o Instituto Nacional da Reabilitação, I.P. (DL 58/2016: art.º 6.º).

 

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal