Por Kiyoshi Harada*, presidente do IBEDAFT – Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário
Dispõe a referida Súmula Vinculante nº 3:
“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”
A referida Súmula Vinculante foi editada em 6-6-2007 com base nos precedentes citados: MS nº 24.728, DJ 9-9-2005; MS nº 24742, DJ 11-3-2005; MS nº 24754, DJ 18-3-2005; MS nº 24.268, DJ 17-9-2004.
Muito embora a atribuição da Corte de Contas seja a de julgar as contas e não as pessoas, em variadas hipóteses, a decisão por ela proferida causa reflexos na área civil, administrativa e até penal das pessoas envolvidas na movimentação de bens públicos, notadamente, de recursos financeiros.
Assim, a exigência do contraditório e ampla defesa harmoniza-se com a prescrição do inciso LV, do art. 5º da CF.
Não se compreende, todavia, a restrição feita na parte final do enunciado que dispensa a formalidade desse contraditório e ampla defesa relativamente à apreciação dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões que por força do inciso III, do art. 71 da CF devem passar pelo crivo do TCU.
Tal restrição resulta do entendimento da Corte Suprema de que os atos de aposentadoria, reforma e pensão configuram atos complexos, dependentes da manifestação de vontade de outro órgão, no caso, do Tribunal de Contas da União, como condição para o aperfeiçoamento do ato jurídico capaz de gerar validade e eficácia. De fato, a natureza complexa desses atos veio a ser expressamente proclamada na decisão proferida nos autos do MS nº 25697/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 5-3-2010.
Trata-se com todas as vênias de um entendimento profundamente equivocado.
O ato de aposentadoria, reforma ou pensão não configura um ato complexo, bastando a sua produção pelo órgão competente da administração para se revestir da perfeição capaz de gerar efeitos de imediato.
Aliás, é difícil de entender a existência de um ato administrativo que não seja perfeito, mas que esteja gerando efeitos jurídicos, como nas hipóteses sob exame. Não se vê na prática o titular desses benefícios previdenciários ficar aguardando a manifestação da Corte de Contas, para iniciar a percepção dos benefícios.
Não se trata, também, de ato administrativo composto, porque a TCU não integra a linha hierárquica do órgão que editou o ato administrativo, descabendo, em consequência, a cogitação de concordância ou ratificação do ato de aposentadoria, reforma ou pensão praticado pela administração e publicado no seu órgão oficial de imprensa.
O que o TCU pode e deve fazer, se constatada a ilegalidade desse ato administrativo praticado pela administração, é invalidá-lo, quando, então, o órgão de origem deverá cessar os pagamentos a partir da ciência da decisão da Corte de Contas.
A Súmula Vinculante nº 3 do STF mitiga a aplicação do princípio do contraditório e ampla defesa e não prescreve nenhum prazo decadencial para a Corte de Contas ultimar o controle da legalidade sobre os atos de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão praticado pela administração. Com todas as vênias isso afronta os princípios da razoabilidade, da boa-fé e da segurança jurídica em face da conhecida morosidade de atuação do TCU.
Diante de tal situação conjuntural o STF entendeu ser razoável o prazo de 5 anos para a Corte de Contas apreciar a legalidade do ato administrativo praticado pelo órgão da administração pública[1]. Decorrido esse prazo, que se inicia a partir da data da entrada do processo administrativo na Corte de Contas[2], abrir-se-ia a possibilidade de o interessado exercer o contraditório e ampla defesa.
Ao invés de fixar um prazo de manifestação do Tribunal de Contas deveria o STF revogar a Súmula Vinculante de nº 3 que não se compatibiliza, data venia, com o princípio da razoabilidade que a Corte Suprema tanto invoca e prestigia em outras passagens.
SP, 27-1-2020.
[1] MS nº 25.116/DF; Rel. Min. Ayres Britto, DJe 9-2-2011; MS nº 26.053/DF; Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 23-2-2011; MS nº 24.448/DF, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 14-11-2007.
[2] MS nº 24.781/DF; Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 9-6-2011.
* Jurista e professor. Especialista em Direito Tributário pela FADUSP. Mestre em Direito Processual Civil pela UNIP. Autor de 33 obras jurídicas. Presidente do IBEDAFT – Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.