I – Artigo
A prática reiterada e a (im)possibilidade de cobrança retroativa
Bruno Romano
Em 17.10.2024, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), quando do julgamento do Agravo em Recurso Especial (“AREsp”) nº 1.688.160/RS, compreendeu, em síntese, que, quando a Administração Pública adota, reiteradamente, a prática de não cobrar tributo em determinada situação, ela não pode, posteriormente, ao mudar seu posicionamento, realizar a cobrança retroativa desse tributo, em razão do disposto no artigo 146 do Código Tributário Nacional (“CTN”).
Síntese processual:
A controvérsia se deu em caso de Cooperativa de Distribuição de Energia que era detentora de subvenção da Conta de Desenvolvimento Energético (“CDE”), sendo que o Estado do Rio Grande do Sul nunca havia exigido a inclusão da subvenção na base de cálculo do Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte e de Comunicação (“ICMS”).
Contudo, em situação mais recente, o Fisco Estadual passou a exigir a inclusão da subvenção na base de cálculo do ICMS e, por essa razão, a Cooperativa impetrou mandado de segurança questionando a exigência pretérita, visto que o Estado do Rio Grande do Sul, por não fazer aquela exigência anteriormente, estaria mudando seu posicionamento, o que feriria o artigo 146 do CTN.
O Fisco Estadual, por outro lado, posicionou-se no sentido de que a cobrança deveria ser mantida, pois, no máximo, seria possível compreender que a Cooperativa estaria respeitando as práticas reiteradas da administração, que se enquadrariam no conceito de normas complementares, disposto no inciso III do artigo 100 do CTN e, por essa razão, seria possível a cobrança do tributo, afastando-se apenas a cobrança de penalidades, juros e correção monetária, por força do disposto no parágrafo único do artigo 100 do CTN.
Decisão do STJ:
A Corte Superior compreendeu que “o Estado recorrente não cobrava ICMS sobre a subvenção referida, o que implica na caracterização de uma prática reiterada da administração tributária, ou seja, norma complementar para os fins do inciso III do art. 100 do CTN” e, por essa razão, “[a] alteração na cobrança de imposto que não estava sendo cobrado, em face de uma decisão administrativa, determina que o tributo somente possa incidir quanto a fato gerador posterior à modificação administrativa”.
Opinião:
O posicionamento do STJ está em conformidade com a interpretação do Código Tributário Nacional quando analisado em conjunto com a Constituição Federal.
Apesar da aparente “colisão” normativa (em que o artigo 146 do CTN impede a cobrança retroativa do tributo e dos demais encargos, enquanto o parágrafo único do artigo 100 do CTN impede apenas a cobrança dos encargos), o Codex deve ser interpretado em conformidade com o que disciplina a Constituição Federal.
Considerando que o Fisco Estadual estava adotando a prática reiterada de não exigir a inclusão da subvenção na base de cálculo do ICMS, tem-se, com isso, a expedição (por omissão) de norma tributária de caráter complementar, tal como disposto no inciso III do artigo 100 do CTN.
Ante a expedição de uma norma tributária de não incidência do tributo, o Fisco, ao modificar seu posicionamento, acaba por instituir (ainda que indiretamente) uma nova norma jurídica que compreende pela incidência do ICMS sobre a subvenção, de modo que esta nova norma está majorando o imposto devido.
Ocorre que a alínea “a” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal dispõe que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”, de modo que, se o Fisco Estadual modificou sua norma complementar para passar a incluir na base de cálculo do ICMS a subvenção, essa exigência deve respeitar o princípio da irretroatividade.
Deste modo, até como forma de preservar o princípio da irretroatividade, acima mencionado, a mudança de posicionamento do Fisco deve respeitar o disposto no artigo 146 do CTN (que determina que “[a] modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”).
Ademais, a mudança de posicionamento do Fisco também deve estar em conformidade com o artigo 23 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (que fixa que “[a] decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”).
Por essa razão, a decisão do STJ, além de ter resolvido a controvérsia mediante a análise da aplicação da lei federal (Código Tributário Nacional), adotou entendimento em linha com o princípio constitucional da irretroatividade, tendo sido um posicionamento em que a interpretação da norma está em conformidade com todo o sistema jurídico normativo.
--------------------------------------------------
Bruno Romano:
Mestre em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários–IBET;Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de DireitoTributário– IBDT; Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Autor do Livro ICMS em operações nacionais de circulação de mercadorias sob a óptica do constructivismo lógico-semântico; ProfessorConferencista e Seminarista da Pós-Graduação em Direito Tributário do IBET; Professor da Pós-Graduação em Direito Tributário, Econômico e Financeiro daUniversidade Presbiteriana Mackenzie; Professor Convidado da Associação Paulista de Estudos Tributários–APET; Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo–NEF-FGV/SP; Professor da Pós-Graduação em Direito Tributário da Educação ;Colunista Sênior da Escola Brasileira de Tributos–EBT; Advogado; Sócio de Leite, Tosto e Barros Advogados; E-mails:
II – Informativos
Preconceito gera indenização por danos morais
Uma operadora de caixa grávida receberá indenização de R$ 60 mil a título de danos morais por ter sido chamada de “preta burra”, conforme decisão proferida pela 3ª Turma do TRT4 (Processo em sigilo de justiça).
Art. 249 do ECA
A 4ª Turma do STJ decidiu que a sanção por descumprimento de determinação judicial prevista no art. 249 do ECA não se aplica apenas a pais ou responsáveis, porém, a qualquer pessoa ou entidade que falhe em adotar medidas protetivas a menores, incluindo nessa responsabilização as autoridades administrativas, instituições educacionais e outras organizações (Resp. nº 1944.020).
STJ não admite Resp para rediscutir a incapacidade laboral
A 1ª Seção do STJ, sob o rito de recursos repetitivos (Tema 1.246), decidiu que é inadmissível o Recurso Especial para rediscutir as conclusões do Acórdão recorrido quanto ao preenchimento de requisito legal da incapacidade para o exercício da atividade profissional ( Resp nº 2.082.395).
CNJ amplia as hipóteses de celebração do contrato de alienação fiduciária por instrumento particular
O Corregedor Nacional de Justiça, atendendo ao pediudo formulado pela União, suspendeu a Provimento nº 172/24 que limitava a possibilidade de firmar contratos de alienação financeira em garantia de imóveis, sem necessidade de escritura pública, apenas em relação às entidades ligadas ao SFI e ao SFH.
A suspensão será submetida ao Plenário do CNJ (Proc. Nº 0007122-54-2024-2.00.0000).
Execução extrajudicial de bens imóveis
O STF, por maioria de votos, decidiu que é constitucional o preceito da Lei nº 9.514/97 que permite a execução extrajudicial dos contratos de mútuo celebrados no âmbito do Sistema Financeiro Imobiliário – SFI (RE nº 860.631).
Isso vale dizer que não há reserva de jurisdição na expropriação de bens imóveis.
SP, 2-12- 2024.