Da edição do ECCO de 24 de Maio de 2022 respiga-se:

“… a Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Usuáriosde Espanha, pelo Real Decreto-Lei 24/2021, impede que qualquer estabelecimento se recuse a aceitar pagamentos em dinheiro.

Esta nova [disposição] impõe, dentro dos limites legais, a aceitação de numerário, seja ondefor,e a sujeição, desde 28 de Maio, a sanções se incumprimento houver.

E em Portugal?”

Cumpre opinar:

  1. Uma tal provisão concretiza o que a Recomendação 2010/191/UE, de 22 de Março de 2010, da Comissão Europeia, em si encerra.

 

  1. Em Portugal, depara-se-nos, por vezes, a recusa de aceitação de meios de pagamento convencionais de notas e moedas com curso legal: será lícito aos distintos actores, no mercado, restringir por si sóos meios de pagamento com curso legal?

 

  1. A aceitação de notas e moedas em euros como meio de pagamento «deve ser a regra nas transacções de qualquer natureza», garante o Banco de Portugal.

 

  1. O numerário, como meio de pagamento, corresponde às notas e às moedas metálicas e é:

. Universal e de aceitação generalizada, ou seja, tem de ser aceite como meio de pagamento de bens e serviços, ao contrário dos cheques e dos cartões de pagamento, que podem não ser aceites no giro comercial;

. De liquidez imediata – o pagamento do bem ou do serviço é recebido de imediato.

  1. Porém, como se diz ainda no Portal do Consumidor do BdP: “Fora da Zona Euro, porém, o euro não tem curso legal forçado.”

 

  1. Os normativos em vigor não estabelecem sanções em caso de recusa: «de uma tal recusa decorrem, porém, consequências no quadro da relação contratual entre partes; nos termos do Código Civil, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está adstrito, podendo inclusive o credor incorrer em mora, quando, sem motivo justificado, recusar a prestação oferecida»…

 

  1. Há, porém, restrições legais ao pagamento com numerário (Lei n.º 92/2017):

É proibido pagar ou receber em numerário em transacções de qualquer natureza que envolvam montantes iguais ou superiores a 3.000 €, ou o seu equivalente em moeda estrangeira. Quando o pagamento for realizado por pessoas singulares não residentes em território português, e desde que não actuem na qualidade de empresários ou comerciantes, o limite ascende a 10 000 €.

É proibido o pagamento em numerário de impostos cujo montante exceda 500 €.”

  1. Tais restrições não se aplicam às entidades financeiras que recebem depósitos, prestem serviços de pagamento, emitam moeda electrónica ou realizem operações de câmbio manual. Também não se aplicam aos pagamentos correntes."

 

  1. O Banco Central Europeu indaga:

Podem os comerciantes recusar-se a aceitar numerário como meio de pagamento?”E socorre-se da recomendação da Comissão Europeia em resposta:

    1. Os comerciantes não podem recusar pagamentos em numerário, a menos que as partes [os próprios e os consumidores] tenham acordado entre si a adopção de outros meios de pagamento.

    2. A afixação de etiquetas ou cartazes a indicar que o comerciante recusa pagamentos em numerário, ou pagamentos em certas denominações de notas, não é por si só suficiente nem vinculante para os consumidores.

    3. Para que colha, terá o comerciante de invocar fundadamente uma razão legítima para o efeito às entidades que superintendam nos sistemas de pagamento.

    4. Entidades públicas que prestem serviços essenciais aos cidadãos não poderão aplicar restrições ou recusar em absoluto pagamentos em numerário sem razão válida, devidamente fundada e sancionada por quem de direito…

 

  1. A violação destas regras não tem, porém, entre nós uma qualquer sanção, o que é algo de grave.

 

EM CONCLUSÃO

 

    1. Não pode um simples aviso impedir a circulação de notas e moedas com curso legal, substituindo-as exclusivamente por meios electrónicos.

 

    1. Há obviamente excepções, como as que a Lei 92/2017, de 22 de Agosto, e a Recomendação 2010/191/EU, de 22 de Março de 2010, da Comissão Europeia, prevêem.

 

    1. Para que o sistema se aperfeiçoe, curial será que à recusa na aceitação de notas e moedas, como meio de pagamento, corresponda uma sanção, proporcional, adequada e dissuasiva.

 

    1. Cumpre, pois, exercer influência sobre o sistema para que tal quadro sancionatório venha a ser, a breve trecho e de modo iniludível, introduzido no ordenamento..

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO, Portugal