Agitam-se as hostes porque os métodos viciantes das ‘raspadinhas’ levam à ruína as pessoas de provecta idade, convictas de que podem fazer fortunas despendendo somas ridículas que repetidas ‘sem conta nem peso nem medida’ lhes exaurem o desbastado porta-moedas.
Mas nem por isso os senhores que mandam na vida de todos e cada um, em regime aberto, deixam de enxamear os ares com novas lotarias a que vai adicionada de modo directo e reflexo a publicidade que subjuga, submete, escraviza…
Fala-se de ‘adições’ quando deviam estar todos preocupados com estas maciças ‘subtracções’ que deixam as famílias em polvorosa.
Os concursos televisivos são outra pecha que tem como universo-alvo as pessoas retidas em casa pela condição física, pela idade, pela doença… E de euro em euro se vão ‘fortunas’!
“Grão-a-grão enche a galinha o papo”, diz o povo que é destarte espoliado…
E, no entanto, a atitude assediante dos apresentadores dos programas de TVque constitui como que o passo primeiro para o esbulho continua impune.
Sabe o que é o assédio?
Sabe que o assédio é o ingrediente propício das práticas desleais que, como tal, constituem um ilícito de mera ordenação social passível de coima para quem dele lança mão de molde aenredar na sua trama as pessoas?
Ora, assédio é…
Assédio é, segundo os dicionários, “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém.” E assediar significa perseguir com propostas, sugerir com insistência; ser inoportuno ao tentar obter algo; molestar; abordar súbita ou inesperadamente.
É vulgar ouvir-se falar de assédio no plano sexual, como no moral, mas a figura surge na primeira metade da década de 2000, sob novos influxos, no domínio do direito contratual do consumo com absoluta pertinência e justificação. Como surgira já, aliás, no plano da proibição da discriminação, mormente com reflexos na esfera negocial, ex vi Lei 14/2008, de 12 de Março, resultado, aliás, da transposição da Directiva 2004/113, de 13 de Dezembro, que define, no plano de que se trata, assédio como segue:
“todas as situações em que ocorra um comportamento indesejado, relacionado [ou não] com o sexo de uma dada pessoa, com o objectivo ou o efeito de violar a sua dignidade e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo”.
Sem se referir obviamente o Código do Trabalho ou o Código Penal que, no seu âmbito, recortam o conceito para os fins específicos neles consignados.
Uma lei de 12 de Fevereiro de 2019 (a n.º 12/2019) estende a disciplina do assédio ao arrendamento urbano para habitação, em cujo artigo 2.º adita ao Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano uma norma com a redacção que segue, sob a epígrafe “proibição de assédio”:
“É proibido o assédio no arrendamento …, entendendo-se como tal qualquer comportamento ilegítimo do senhorio, de quem o represente ou de terceiro interessado na aquisição ou na comercialização do locado, que, com o objectivo de provocar a desocupação do mesmo, perturbe, constranja ou afecte a dignidade do arrendatário, subarrendatário ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado, os sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante, desestabilizador ou ofensivo, ou impeça ou prejudique gravemente o acesso e a fruição do locado.”
Agora já terá uma ideia do que seja o assédio.
Algo a que se assiste em três canais de televisão todos, mas todos os dias. Para desgraça alheia e gáudio dos que esportulam à saciedade os hipervulberáveis sem uma palavra de “quem de direito”!
O que faz a ERC – o Regulador da Comunicação Social - a que estas coisas, de si tão relevantes, escapam?
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO, Portugal