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Reedita-se uma entrevista singular de Mário Frota ao Balcão do Consumidor de Passo Fundo (UPF)


Entrevista concedida por Mário Frota, fundador e primeiro presidente da AIDC/IACL – Associação Internacional de Direito do Consumo, à Revista do Balcão do Consumidor da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo

BALCÃO DO CONSUMIDOR 

  1. Qual foi a sua participação na elaboração do CDC no Brasil? 

 

 

MÁRIO FROTA

A AIDC – Associação Internacional de Direito do Consumo (projeto por nós ideado e consubstanciado no termo do I Congresso Europeu das Condições Gerais dos Contratos/Cláusulas Abusivas) – constituiu-se em Coimbra a 21 de maio de 1988.

A presidência internacional da AIDC foi-nos, no acto constitutivo, cometida.

Presente, como convidado nosso, nesse memorável Congresso (que reuniu participantes de 32 países, atingindo as sete centenas de congressistas e constituindo assinalável marco no desenvolvimento da disciplina), o atual Ministro Herman Benjamin, que na altura coadjuvava a Comissão coordenada por Ada PellegriniGrinover. Só mais tarde se tornaria seu membro efetivo.

Presentes ainda os nomes mais sonantes da jusconsumerística europeia e internacional – Jean Calais-Auloy, EwoudHondius, T. Bourgoignie… e outros que se juntaram ulteriormente – EikeVonHippel, Norbert Reich…

Logo ali, se delineou, no quadro da AIDC, um conjunto de manifestações científicas em apoio ao projeto de tanta relevância e magnitude desencadeado nesse ano.

Para além dos Congressos e Seminários Internacionais, promovidos sob a égide da AIDC, nas principais capitais brasileiras e a cujas Comissões Científicas presidimos, em 1989 e 1990, e em que se discutiu cada um dos relevantes temas levados ao anteprojeto, a saber,

. da proteção da saúde e da segurança do consumidor;

. da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço;

. da responsabilidade pelo vício do produto e do serviço;

. da reparação integral dos danos;

. das práticas comerciais: ofertas, comunicação comercial, práticas abusivas;

. da proteção contratual: contratos de adesão, cláusulas abusivas, sanções;

. da defesa do consumidor em juízo,

debatemos com a Comissão do Código, ponto por ponto, as soluções visualizadas nos diferentes capítulos do anteprojeto, à luz do direito em vigor na Comunidade Econômica Europeia ou em fase de aprovação e no anteprojeto do Código francês de Calais-Auloy, cujos trabalhos preparatórios seguimos de muito perto e bem assim os da Commission de RefonteduDroit de la Consommation de França.

Interviemos, enquanto presidente da AIDC, em discussões acirradas com distintas entidades, em São Paulo como no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte ou no Ceará, como no Rio Grande do Sul. Mormente com os quadros dirigentes das federações empresariais a sindicatos outros, em defesa das soluções propugnadas.

Fomos sucessivamente recebidos, enquanto presidente da entidade internacional, pelos presidentes da FIESP e da FECOMÉRCIO/SP, para aclaramento de aspectos parcelares do anteprojeto e definição das soluções consagradas na Comunidade Econômica Europeia como nos Estados Unidos, sempre, e só, com o propósito de reforçar a ideia de que o Código o era em favor da Cidadania brasileira e não contra qualquer dos segmentos estruturantes do mercado de consumo.

Fizemo-lo ainda, enquanto lobby circunstancial, e em momentos particularmente difíceis, sempre a instâncias de Benjamin, excelente articulador, perante a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, nas pessoas de Michel Temer, Geraldo Alckmin Filho e Nelson Jobim. Os dois primeiros com substitutivos. E ainda Joaci Goes, que fora designado relator da Comissão constituída sob a égide do Congresso Nacional.

Houve momentos de particular dureza, não tanto no convencimento da bondade das soluções técnico-jurídicas propugnadas pelos egrégios membros da Comissão, mas perante as hesitações e até os recuos nas estâncias políticas, tantas e tais as tergiversações e as resistências a algo que rompesse com o direito convencional, a despeito do comando constitucional emergente da Constituição-Cidadã de 5 de outubro de 1988 em ordem à edificação de uma lei neste particular.

Em suma, para além dos trabalhos encetados próximo dos Sete Magníficos – Ada PellegriniGrinover, Brito Filomeno, Daniel Roberto Fink, KazuoWatanabe, ZelmoDenari, Herman Benjamin e Nelson Nery Júnior, de reter outros momentos, a saber:

. abater a resistência de professores tradicionalistas de universidades conceituadas, que mal admitiam as soluções perfilhadas noutros quadrantes e mais conformes com situações de justiça contratual, fora de meros quadros formais até então subsistentes;

. romper a resistência de conglomerados empresariais, convictos de que a legislação emergente constituiria um autêntico terremoto que de todo os destruiria, esclarecendo-os dos propósitos são do Código;

. difundir urbi et orbi, em instituições mais distintas – das universidades às associações empresariais e cívicas –, do interior da Paraíba, mais concretamente de Campina Grande, aos confins do Rio Grande do Sul, o direito novo, que elegia o homem, o ser humano, como princípio e fim das relações de consumo, em uma construção nova liberta de constrangimentos e de visos de exploração, em uma equanimidade e em uma base de justiça contratual, sem extrapolações desnecessárias e como afronta à iniquidade, à prepotência e à injustiça. De molde a buscar também a sua adesão ao projeto;

. e, por último, a presença internacional (que não internacionalista, no pior dos sentidos…) em apoio às pretensões da Comissão e das Comissões, no palco político onde tudo, afinal, em última instância se desenrolaria. Pela presença física, como através de contatos epistolares em reforço dos textos que se submeteriam a discussão e aprovação nas Câmaras.

Tarefas de somenos, afinal, perante a magnitude do movimento e a gestão das Comissões e dos que nelas se integraram.

Recordar Paulo Salvador Frontini, Secretário de Estado da Justiça de São Paulo, ao tempo, será também preito de homenagem que cumpre consignar neste passo. Porque de elementar justiça!

BALCÃO DO CONSUMIDOR

2.    Quais são os maiores desafios da atualidade na proteção aos consumidores?

MÁRIO FROTA 

A União Europeia (UE) elegeu uma variedade de segmentos – no horizonte do ciclo de 2014-2020 – que constituem, hoje por hoje, o alfa e o ómega da política que intenta desencadear no septenato que se avizinha.

Repare-se que é da União Europeia que se trata. União Europeia que é, ainda que com flutuações, crises econômicas, austeridade e recessão, observáveis um pouco por toda a parte, o maior bloco econômico do globo. Em que as políticas estão muito distantes das aspirações mais comezinhas dos consumidores, como amiúde se observa.

Ei-los:

1. Segurança de produtos e serviços, com uma peculiar intervenção no segmento ou na vertente da segurança alimentar;

2. Modificações no tecido econômico-social;

2.1. Revolução digital;

2.2. Consumo sustentável;

2.3. Exclusão social, consumidores hipervulneráveis, vulneráveis e acessibilidade;

3. Sobrecarga de informação – défice de conhecimentos – em detrimento do consumidor: informação em excesso equivale a informação nenhuma…

4. Direitos que, na prática, não são plenamente cumpridos, fasquia que importa superar em ordem a um integral respeito pelo estatuto do consumidor;

5. Desafios específicos em setores-chave.

E, neste particular, seguimos de perto a comunicação emanada em maio de 2012 da Comissão Europeia, que faz uma adequada radiografia às insuficiências e às deficiências detectadas no seio da União Europeia sob o tema das políticas de consumidores:

Determinados setores revestem-se de peculiar relevância em tempos de crise econômica, tanto mais que afetam profundamente os interesses básicos dos consumidores no que tange a bens e serviços essenciais, como:

. a alimentação;

. a energia;

. os transportes públicos;

. as comunicações eletrônicas; e

. os serviços financeiros.

Há que contar com a incidência das alterações econômicas e sociais sobre tais setores primaciais.

À UE cumpre curar em particular do modo como atualmente os consumidores se apercebem e escolhem os diversos serviços financeiros.

Tecnologias, como as do telebanco, facilitam a vida dos consumidores. Porém, a complexidade e os riscos acrescidos de certos produtos e serviços financeiros (em que a própria poupança-reforma se inclui) exigem um nível mais elevado de transparência e de literacia financeira. As comissões exigidas pelos serviços financeiros de base são geralmente opacas e os consumidores continuam a ser dissuadidos a não mudar de banco dado recearem (muitas vezes justificadamente…) que tal solução será sempre mais onerosa.

Os consumidores não retiram, em geral, pleno proveito da liberalização das indústrias de rede, como a energia, os transportes e as comunicações electrônicas, seja nos preços seja nos níveis de qualidade do serviço.

A liberalização do setor dos transportes, em especial, estimulou a concorrência, beneficiando um número cada vez maior de cidadãos que circulam pela Europa.

Mas é indispensável tornar exequível, efetiva, a carta de direitos dos passageiros na UE, aplicando-a em plenitude, por forma a opor eficazmente os meios de defesa contra práticas desleais e violações extremes do direito da UE em vigor.

O impacto decisivo da revolução digital no domínio das viagens aponta para a importância de uma maior adequação entre os direitos dos consumidores e os objetivos imbricados no seu exercício.

Os mercados da eletricidade e do gás, no segmento dos consumidores domésticos, recentemente sujeitos à concorrência, permanecem com uma incógnita, já que muitos consumidores continuam a considerar difíceis as comparações, devido aos procedimentos complicados e/ou às condições de mercado verdadeiramente opacas.

No que toca à energia, estima-se que os agregados familiares na UE poderiam economizar, em média, até 1.000 €/ano, através de simples medidas de eficiência, tais como o isolamento das casas, instalação de termóstatos e painéis solares para aquecimento da água, montagem de vidros duplos nas janelas e substituição de sistemas de aquecimento antigos em razão dos consumos excessivos.

Mas dúvidas e ignorância obstam a que tais objetivos se persigam.

Por conseguinte, os agregados familiares dispõem de um potencial significativo de poupança energética em condições economicamente rendíveis e de melhoria da eficiência no consumo final da energia. Esse potencial, porém, está longe de ser plenamente explorado, principalmente devido ao fato de os utilizadores não conhecerem o seu próprio consumo real nem disporem de dados claros e facilmente acessíveis no que se prende com a contagem e a faturação.

Embora os mercados das comunicações eletrônicas hajam provado a sua resistência à crise econômica, os consumidores não retiram vantagens da concorrência, em razão da ausência de transparência das tarifas, à deficiente qualidade dos serviços e aos obstáculos que se opõem à mudança de fornecedor.

Estima-se que no futuro haja um aumento da pressão ambiental global decorrente do consumo alimentar, devido, por exemplo, às alterações dos hábitos alimentares e ao acréscimo dos resíduos alimentares; prevê-se que tal acréscimo afete a Europa nos próximos anos e se traduza em um desperdício manifesto de recursos e de divisas.

No que tange ao Brasil, em particular, permita-se-nos que se defina os domínios essenciais em que os desafios se suscitam, a saber:

1. Reforço da disciplina do Direito do Consumidor nas Universidades, contrariando a tendência para a sua inserção no currículo como disciplina optativa;

2. Peculiares exigências neste particular nas Escolas Superiores da Magistratura, Ministério Público e Advocacia, de forma a habilitar os juristas a um pleno exercício do seu múnus funcional, em obediência ao ordenamento e sem prejuízo da específica tutela da posição jurídica do consumidor;

3. Inserção da Educação para o Consumo nos currículos escolares;

4. Desencadeamento de campanhas adequadas de informação para o consumo nos meios de comunicação social de forma regular e maciça;

5. Reforço dos meios e incrementos dos PROCONS Estaduais e Municipais para que a informação e a mediação dos conflitos se opere de forma ajustada às necessidades;

6. Reforço dos Juizados Especiais com secções vocacionadas à litigiosidade de consumo, onde tal se justifique, para que os conflitos que ocorram se dirimam de forma célere, segura e graciosa, contrariando-se a tendência, face ao volume processual desmesurado que em tantos domínios se observa, para um alongamento no tempo da resolução dos litígios, com manifestas desvantagens para os consumidores e sua estabilidade emocional;

7. Monitorização do acesso da generalidade dos consumidores, em particular dos hipossuficientes e vulneráveis, como dos hipervulneráveis, a produtos e serviços essenciais – da dieta alimentar à agua, à energia, aos transportes públicos e ao mais;

8. Acesso dos consumidores à sociedade digital com peculiar tutela no domínio do comércio eletrônico;

9. Acesso dos consumidores a um sistema de consumo sustentável;

10. Efetivo controle dos serviços prestados pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, como forma de obstar o fenômeno erosivo do superendividamento que dissolve as próprias bases da sociedade como das famílias.

 BALCÃO DO CONSUMIDOR

3.    O Senhor defende a necessidade de educar para o consumo. Qual seria a forma ideal de trabalhar este tema?

MÁRIO FROTA 

Educar para o consumo, pressupõe e impõe, em nosso entender:

1. A inserção nos currículos escolares de matérias de Direito e dos direitos dos consumidores, de modo transversal, disciplina a disciplina, e de forma coordenada – da língua pátria ao desenho ou design, da Biologia à Matemática.

2. A consideração de segmentos, no quadro da educação para o consumo, como os de educação para:

2.1. a qualidade;

2.2. a segurança (nos seus múltiplos desdobramentos, a saber, a segurança em geral, a segurança doméstica, a segurança em ambiente escolar, a segurança em ambiente laboral, a segurança em actividades de lazer, a segurança infantil, a segurança rodoviária, a segurança de produtos em geral, a segurança de produtos alimentícios, a segurança de produtos farmacêuticos, a segurança de produtos químicos (agrotóxicos), a segurança de cosméticos, a segurança dos serviços em geral, a segurança em estâncias turísticas, a segurança nos transportes em geral e nos transportes públicos em particular, a segurança de serviços financeiros…);

2.3. a saúde;

2.4. a formação (passe a aparente redundância),

2.5. a informação;

2.6. a mídia (os meios de comunicação social, em que se incluem os audiovisuais);

2.7. a comunicação comercial (marketing, publicidade, rotulagem),

2.8. a responsabilidade;

2.9. a justiça;

2.10. a não-conflitualidade;

2.11. o associativismo (a cooperação);

2.12. o empreendedorismo (a iniciativa nos múltiplos domínios do mercado do consumo)

2.13. os serviços financeiros (a educação financeira com vista à prevenção do risco do superendividamento…);

2.14. enfim, o consumo em sentido estrito (saber escolher, saber comprar…).

Em nosso modesto entender, educar para o consumo não significa inscrever nos planos de estudo uma disciplina mais, susceptível de concorrer com as mais disciplinas. De modo vertical, setorial. Quando os planos de estudo, já estão sobrecarregados de disciplinas. E, de cada vez que surgem na vida concretos problemas, há sempre mais uma voz a exigir, com autonomia, sem nenhuma visão de conjunto, uma disciplina de saúde, outra de segurança rodoviária, outra ainda de educação sexual, e mais de educação financeira, com programas mais ou menos artificiosos, e de empreendedorismo, como se todos tivessem de vestir o trajo de capitalistas para criar negócios e prosseguir nessa senda… enfim, há uma perspectiva caótica do ensino, que conviria superar com uma reflexão mais detida sobre a aprendizagem e sua correlação com a vida…

Como não significa ainda (que nos perdoem os que de tal perspectiva discordam…), ensinar o Código de Defesa do Consumidor ou as leis avulsas a crianças em idade escolar. Com as dificuldades que uma visão de tal jaez naturalmente postula.

Como não constitui ainda promover, em meio escolar, ações mais ou menos dispersas, episódicas, circunstanciais, fugazes… de que nem sequer uma marca distintiva permanece no espírito dos receptores, do universo-alvo a que se dirigem, tal a volatilidade de tais ações!

Educar para o consumo exige, como missão primeira, formar formadores. E os formadores serão os professores de cada uma das disciplinas, já que a educação para o consumo não conhece compartimentos estanques, antes especificidades na Língua Pátria, nas Línguas Estrangeiras, nas Ciências Naturais, na Matemática… convergentes no objetivo comum que é exatamente o de educar para o consumo, de modo integral!

A educação para o consumo completa-se pela formação, ao jeito de uma preparação contínua, permanente, para a vida, para faixas etárias mais avançadas…

Afigura-se-nos que a missão primeira das Escolas de Defesa do Consumidor, entretanto criadas aqui e além, deveria ser a da instrução de formadores, de multiplicadores, de transmissores, como adjuvante do que importaria fosse levado aos bancos da escola, pública ou privada, por imperativos da Constituição e das leis ordinárias.

Daí que se entenda que há que estabelecer pontes entre o Ministério da Justiça e o da Educação para que se concerte esta perspectiva e as escolas passem a dispor regularmente, como algo de co-natural ao ensino professado, de educação para o consumo, no enquadramento visualizado.

Se se ignorar uma tal perspectiva, nunca mais de arremedo em arremedo, de proposta em proposta, se atingirá um tal desideratum

Lamentavelmente para o presente, para o futuro, para a cidade, para a cidadania, em suma!

 BALCÃO DO CONSUMIDOR

4.    Como o Senhor avalia o trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, com o projeto Balcão do Consumidor?

MÁRIO FROTA

Por estranho que pareça, horas antes de surgir esta proposta de entrevista, emanada do Professor Rogério da Silva, que cumpre agradecer penhoradamente e que aceitamos conceder incondicionalmente, escrevíamos para o nosso jornal digital “NETCONSUMO” algo do estilo:

Nem todas as universidades no Brasil se empenham em levar por diante eventuais programas de defesa do consumidor.

Há, porém, excelentes iniciativas que primam ou pela originalidade ou pela utilidade manifesta que delas derivam para as populações que são o seu alvo preferencial.

Em Passo Fundo, no interior do Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, a Universidade dispõe de um balcão de atendimento móvel ao serviço da informação dos consumidores que careçam de ser esclarecidos sobre relações de consumo em que se enlacem ou de conflitos em que se envolvam.

Trata-se de um meritório exemplo que importaria fosse seguido em outros espaços, mormente entre nós, em Portugal. Mas para tanto teria de haver sensibilidade das entidades coenvolvidas: estado, regiões, municípios, universidades e instituições de consumidores, o que nem sempre ocorre. Mormente quando as teses neoliberais avultam de novo com inusitada intensidade e os consumidores e seus direitos injustamente relegados para as calendas gregas…”

Para nós, não só o modelo constitutivo da Universidade é algo de singular e abrangente, já que radica na própria Comunidade de Povos, como presta com o BALCÃO inestimável serviço às populações porque, numa das suas vertentes, vai ao seu encontro, em busca dos mais carenciados e numa perspectiva de proximidade, porque itinerante, fato que cumpre registar de modo impressivo.

Importa que o modelo se torne conhecido, como noutra oportunidade o referimos, do Oiapóque ao Chuí e de Porto Seguro, na Bahia, a Bujari, no Acre.

A informação ao consumidor, em estádios de desenvolvimento precoces, é algo de relevante para que a cidadania se afirme e a exploração no mercado de consumo se atenue. Informação descodificada, simples, acessível, mas rigorosa, é aliada preferencial dos direitos que há que reconhecer imperativamente aos consumidores, sobretudo aos de menor capacidade, hipossificiência e efetivahipervulnerabilidade.

Como na oportunidade o exprimimos, no prefácio à obra “BALCÃO DO CONSUMIDOR”, para que o Professor Rogério da Silva nos desafiara:

A Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo assumiu, vai para um quinquénio, como imperativo, o projeto do BALCÃO DO CONSUMIDOR: como um SERVIÇO PÚBLICO de inestimável valor, e uma DÁDIVA ÀS POPULAÇÕES, como missão, dir-se-ia neste passo, inarredável de CIDADANIA”.

O fato representa por si algo de saudar fragorosamente, envolvendo, a um tempo, os seus mentores e os que lhes seguiram na peugada em proveito dos povos.

O Balcão do Consumidor, como projeto de extensão da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, serviu diretamente mais de 20 mil pessoas. Com repercussões que extrapolam a sua utilidade aos círculos familiar e profissional.

O Balcão tem como missão promover a educação para o consumo, de mãos dadas com os Poderes Públicos, carrear informação aos consumidores e mediar os conflitos que estalem no mercado de consumo.

A iniciativa possibilita aos universitários o exercício de uma prática jurídica consequente.

Os universitários, como estagiários, devidamente assistidos, atendem os consumidores, identificam os problemas, participam das audiências e perseguem uma solução para o conflito, através da mediação.

Trata-se de um meritório labor que oferece aos que se expõem às suas exigências e consequências um lastro assinalável, não só pelos contactos estabelecidos como pela peculiaridade das situações recortadas e das soluções ajustáveis, num tirocínio de serviço à comunidade que dificilmente logrará paralelo noutras atividades.

O serviço à comunidade que neste passo se consubstancia deveria ser reproduzido um pouco por toda a parte, numa doação da universidade aos povos. Como forma de retribuição singular ao que a comunidade oferta à universidade.

É singular o que em Passo Fundo se registra. Com o Balcão-Móvel que permite uma aproximação mais íntima do serviço às populações. Pelo qual se amplia naturalmente a sua capacidade de intervenção. E se atingirá decerto um universo muito mais significativo, ao chegar a círculos de consumidores que decerto dos seus benefícios se achariam privados, não fora essa louvável iniciativa.

O modelo carece de ser mostrado ao imenso Brasil, onde por vezes, a despeito das inúmeras manifestações empreendidas um pouco por toda a parte, se ignora, no fundo, o que de relevante se faz, quando as inovações são de monta, como é o caso.

A grande massa de consumidores muito beneficiaria se a universidade se envolvesse nas políticas de consumidores e, na sua multidimensionalidade, proporcionasse a todos e cada um parte do seu “saber-fazer”, nos diferentes segmentos por que se espraiam as suas atividades: da segurança e qualidade dos gêneros alimentícios à segurança de produtos químico-farmacêuticos ou de cosmética, como de produtos em geral ou, de modo específico, os de puericultura, os brinquedos, os artefatos pirotécnicos, a natureza e qualidade dos materiais da construção civil, a específica qualidade das construções, as perícias técnicas a eletrodomésticos, a veículos automóveis e, em particular, a produtos de grande consumo.

Um mero exercício se proporia a fim de se obter uma categórica resposta: os azeites (óleos de oliva) extra-virgem (acidez inferior a 0,8%) importados da Europa obedecem aos requisitos de integridade, pureza e demais propriedades?

Será que as Universidades não poderiam cooperar, de modo articulado, com as instituições de consumidores, públicas e privadas, ante as sistemáticas dúvidas que assaltam os consumidores indefesos perante, por exemplo, uma panóplia de alimentos processados ou outros que, sendo aparentemente naturais, se têm conceitualmente como anormais (falsificados, corruptos, avariados ou com ausência de requisitos…)?

E, neste passo, seria ultrapassar o quadro estrito, mas relevante, das Faculdades ou Escolas de Direito para se envolver, de modo articulado e em rede, as Universidades, afinal, o grande desafio que se suscita à política de consumidores no Brasil, tanto quanto se nos afigura.

Mas o passo primeiro, encetado pela Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, é a pedra fundacional deste imenso edifício que estará, decerto, por erigir no País-Continente que é o Brasil.

Revelar-se-á instante atrair as universidades, seja qual for a sua natureza, para a órbita do serviço à comunidade no plano de que se cura, a fim de conferir expressão aos domínios pluridimensionais de uma qualquer política de consumidores.

As universidades terão de ser o embrião de um novo paradigma na promoção dos interesses e na proteção dos direitos do consumidor.

Em particular em países em que as fragilidades da denominada sociedade civil são preocupantemente acentuadas.

Cumpre às universidades formar formadores, ensaiar programas de educação para o consumo destinados a distintos graus e ramos de ensino, dirigir ações de formação inicial e contínua ou permanente a distintos extratos populacionais, no quadro de políticas concertadas com as entidades a que incumbe primacialmente este complexo de atribuições e competências.

Cumpre à universidade preparar programas-modelo de informação para alimentar de forma elementar as rádios comunitárias e as televisões que se abram, ao jeito de serviço público irredutível, à difusão de tais emissões.

Cumpre ainda à universidade reproduzir balcões do estilo do que a Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo exibe como um contributo possível para minorar o défice de estruturas de formação, informação e mediação nos conflitos de consumo.

Cumpre à universidade concorrer para que produtos e serviços dispensados aos consumidores o sejam sem afectação da sua genuinidade, qualidade ou composição de gêneros alimentícios e aditivos alimentares, desenvolvendo – até para fins pedagógico-didácticos – processos de avaliação do risco como suporte a ações tanto de autoridades de regulação, como das Promotorias do Consumidor, das Delegacias do Consumidor ou dos PROCONs, onde atuem autonomamente (não integrados no Ministério Público).

Seria, na realidade, um passo de gigante se um projeto do jaez destes pudesse implementar-se de modo generalizado por esse imenso e privilegiado território.

E constituiria um marco para o mundo onde nem sempre os pilares de uma qualquer política de consumidores se mostram visíveis nos arremedos de que se tecem os planos, projetos e programas disponíveis.

Honra e louvor aos que são os esteios de um balcão que não é uma divisória, um obstáculo, um biombo, um murete separador, mas um traço de união entre os que se consagram a uma missão de serviço público e os que de tal serviço carecem instantemente, dele fruindo as vantagens propiciadas.

Honra e louvor a quem denodadamente se prepara para as tarefas ingentes do quotidiano, cooperando entusiástica e solidariamente para que o acesso à Justiça seja preceito constitucional com uma carga particular, que não mera norma destituída de sentido.

Um aceno de simpatia à Universidade e à Faculdade de Direito de Passo Fundo que souberam interpretar de modo inspirado os sinais de uma comunidade ávida de um serviço da igualha do que o Balcão a todos proporciona.

Que lhes não doam as mãos na arte de bem fazer em que a cidadania se traduz no seu quotidiano mourejar.”